PARA PENSAR O PESSOAL
Muitos são os caminhos possíveis para se contar uma história. O registro equilibrado e reflexivo da pesquisa acadêmica, as cores intensas da tessitura presente nos registros da imprensa diária, o reconstituir de fatos, datas e minúcias legadas por arquivos, produtos e documentos, a lembrança naveana daquilo que se viveu, como protagonista ou testemunha; ou ainda o diálogo entre fontes capazes e desejosas de compartilhar memórias que, mais do que um caráter individual, digam de uma coletividade, de um aspecto social, da atmosfera de uma cidade. De cara de seus personagens, do gosto dos seus dias, dos passos de sua trajetória. Caminhar a vida, recontar a história. Cada novo dia, ontem e agora.
É na dinâmica da combinação de todas essas abordagens – formas de contar uma mesma história, viva em suas várias versões, presentes na intensidade com que o campo de forças nela envolvidas segue fazendo o debate se estender de ontem ao hoje – que o professor, pesquisador, musicista e radialista Pedro Rogério revisita a história do grupo de músicos, compositores, intérpretes e produtores culturais responsável pelo que viria a ser conhecido como Pessoal do Ceará.
Não só por ter convivido com o Pessoal do Ceará de forma privilegiada – como filho de um dos mais líricos e inovadores compositores e da mais simbólica voz feminina daquela geração - , mas também por esse motivo, Pedro Rogério assumiu a tarefa de fazer sua parte no recontar dessa história.
Uma epopéia, por assim dizer, cujo interesse vem aumentando nos últimos tempos, inclusive por parte da academia, mas cujas dimensões e importância ainda fazem por merecer mais relatos à altura.Na bagagem de Pedro, cabem, ladeados, Rodger Rogério, Teti, Raimundo Fagner, Antonio Carlos Belchior, Ednardo, Wilson Cirino, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Piti, Francis Vale, Dedé Evangelista, Ricardo Bezerra, Augusto Pontes, Tânia Cabral, Cláudio Pereira e... Pierre Bourdieu.
Isso mesmo. O sociólogo francês é convocado a emprestar suas lentes a um olhar sobre o Pessoal que, nos anos 70, reinseriu o Ceará no mapa da música brasileira, um feito ainda não igualado, em termos de visibilidade, pelas novas levas de talentosos artistas que beberam na fonte daquela turma e a ela sucederam.
As origens e as influências compartilhadas pelos que viriam a se tornar artífices do Pessoal são esquadrinhadas por Pedro Rogério, aqui o pesquisador cuidadoso, detalhista, atento ao “habitus” e ao “campo” de Bourdieu para dar à luz sua tese; uma leitura possível para o embate entre unidade e diversidade responsável por fazer com que o Pessoal do Ceará causasse tanto impacto, mesmo passando longe de se assumir como “movimento”.
Sem trazer outro manifesto que não a determinação de ir além fronteiras e a vontade de cantar, entre tantos outros motes, as coisas de sua aldeia, que eles já sabiam tão provinciana quanto universal.
À parte essa soma de individualidades em contraste com o conceito de grupo, a dissertação de Pedro Rogério – em boa hora transposta em livro pela Universidade Federal do Ceará, para satisfação dos interessados no tema – demonstra que sim, havia muito em comum entre os personagens dessa história que continua a se fazer e a se contar.
Suas influências de múltiplos vértices, entre Lauro Maia, Luis Assunção, Humberto Teixeira, Beatles, Stones, Dylan, Bossa Nova, Tropicália e Clube da Esquina, da tradição ao liquidificador da indústria cultural, sua origem de classe média, os locais que compartilhavam na Fortaleza dos anos 60 e até sua breve iniciação musical formal, seguida pela escolha autodidata nos códigos da música popular, estão entre os ingredientes que levaram à convergência, às parcerias, à caminhada dividida pelos integrantes deste Pessoal, na estrada rumo ao sul e à sorte.
Enquanto o olhar local divisa com mais facilidade as diferenças entre cada artista, é principalmente como um grupo que o Brasil olha para os “novos cearenses”;muitos dos quais falaram a Pedro Rogério em depoimentos exclusivos, de grande interesse para o leitor. E que ajudam, entre redundâncias e novidade, confirmação e divergência, a tecer a renda dessas reflexões.
A bibliografia sobre a música e a cultura do Ceará ganha um significativo reforço com este livro, em que a sociologia pára para ouvir e pensar o Pessoal do Ceará.
Aplausos para Pedro Rogério
DALWTON MOURA
Jornalista
Apresentação do Livro - PESSOAL DO CEARÁ - Habitus e campo musical na década de 70
De Pedro Rogério
Edições UFC, 2008
Universidade Federal do Ceará
188p.
ISBN: 978-85-7282-293-0
sábado, 6 de setembro de 2008
Livro - sobre o Pessoal do Ceará - Pedro Rogério
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
COMO POSSO COMPRAR ESTE LIVRO?
Postar um comentário