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quinta-feira, 19 de novembro de 2009


Exposição Massafeira Livre - 30 Anos

Está acontecendo no Campus da UECE - Universidade Estadual do Ceará a Exposição Massafeira 30 Anos.
Coordenação: Michel Platini Fernandes, Diretor Técnico do Museu da Imagem e do Som do Ceará – MIS-CE
Realização: Alunos do Curso “Museu, Patrimônio Cidade” realizado pelo Departamento de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Local: Universidade Estadual do Ceará (UECE) – Campus do Itaperi
Data: 16 a 20 de Novembro de 2009
Horário de visitação: 16h às 20h
Com palestras, esposição e exibição de vídeos e documentários, display de cartazes, capas, fotos, matérias de jornais, etc., e shows com novas bandas cearenses cantando o repertório do disco Massafeira e suas próprias composições.
VALE DAR UMA CONFERIDA -
Iniciou dia 16 novembro com uma mesa de abertura com a participação de Wagner Castro, Ana Léa Bastos e Pedro Rogério, que pesquisaram sobre os músicos cearenses e os movimentos musicais dos anos 1970 e 1980 no Ceará.
Ainda tem dois dias pra quem queira visitar, o público que já compareceu desde a abertura, atesta que está bastante interessante.

domingo, 26 de julho de 2009

Beiramar - Ednardo - Massafeira - 30 Anos

Beiramar - Ednardo - Show Massafeira - 30 Anos

Fortaleza 29 Maio 2009 - Praça do Ferreira

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Nomes e Fotos de Participantes MASSAFEIRA



RELAÇÃO PARCIAL DE PARTICIPANTES DA MASSAFEIRA 1979 / 1980

Com informações gentilmente colocadas à disposição pela AURA EDIÇÕES MUSICAIS, pelos Artistas e Produtores da Massafeira, anos 1979 e 1980, conseguimos, após detalhada pesquisa, recompor a relação dos nomes de participantes, suas áreas de atuações, especialidades e locais de origem.

Pela lista de participantes e suas áreas de abrangência, nota-se a importância da Massafeira, para todos os participantes e público geral naquele momento em Fortaleza, na Artes, Culturas, Costumes e Músicas Brasileiras.

Possívelmente, faltam nomes, na lista (por Ordem Alfabética), ou necessidade de correções, ao reconstituir registros de evento de tal magnitude, atualizações sempre serão bem-vindas.

Solicitamos aos participantes e público, contribuir com informações, fotos, vídeos, filmes, registros, etc., completando dados.

São mais de trezentos e cinquenta nomes, das mais diversas áreas de manifestações das artes, culturas e costumes de uma grande parte do Brasil, que pela primeira vez, naquele momento, se uniram espontaneamente, e até então única, esta energia foi levada ao público, sem filtros e disponibilizadas ao acesso de todos.

http://www.ednardo.art.br/masspart.htm


FOTOS DE ALGUNS PARTICIPANTES

Fotos de vários momentos Massafeira, (preparação 1978) - Show lançamento do disco Cauim - Ednardo. Massafeira Livre, (1979) quatro dias de Shows - Teatro José de Alencar, Fortaleza.

Massafeira Livre estúdios de gravação CBS Rio de Janeiro, (junho e julho 1979).

Shows de lançamento do disco duplo Massafeira em quatro dias (outubro 1980), no Teatro José de Alencar.

Existem muitos registros de fotos realizadas por diversas pessoas que ainda não estão neste album, quem quiser contribuir para o acervo que é de todos sobre um dos maiores momentos artisticos que envolveram áreas da música, poesia, artes plásticas, cinema, literatura, teatro, artesanatos, comidas típicas, cultura popular e diversas outras formas de manisfestações, basta enviar para Zeca.Zines@gmail.com que a seguir estará no álbum.

Grande parte de fotos foram realizadas por Gentil Barreira, também participante da Massafeira.


http://picasaweb.google.com.br/Zeca.Zines/MASSAFEIRALIVRE#

terça-feira, 21 de julho de 2009

A Memória Musical Cearense












Existem muitas formas de olharmos para a história da música cearense. É possível observarmos as trajetórias e produções de seus artistas, músicos, compositores, cantores, arranjadores, produtores culturais, etc. Este viés nos leva a uma análise micro-social e nos mergulha em uma diversidade riquíssima. O ângulo macro-social, por outro lado, permite perceber eventos que aparecem como marcadores, é como se fossem âncoras que nos levam a momentos que catalisam pensamentos, tendências, sonhos e se traduzem em unidade.

O Massafeira Livre que reuniu mais de uma centena de artistas nos dias 15,16, 17 e 18 de março de 1979 no Theatro José de Alencar certamente é um evento que figura em nossa história como um marco, assim como outros discos e eventos que merecem nossa atenção, por exemplo: “I Festival de Música Popular Aqui no Canto” - 1969, que gerou um disco de mesmo nome.


Este é o irmão mais velho com 40 anos de idade que já contava com a arte da capa do poeta e arquiteto Antônio José Soares Brandão, o mesmo que pintou o carneiro no cartaz de divulgação e disco do aniversariante 10 anos mais novo - o Massafeira.
Neste mesmo ano nasce um irmão gêmeo bi-vitelino, o “Soro”, um projeto coletivo iniciado em Fortaleza com Francis Vale e que agregou um grande número de artistas de vários lugares do Brasil sob o comando de Fagner.



O período 1969-1979 revela dez anos de intensa produção musical do Ceará para o Brasil e para o mundo. Alguns outros discos também nos servem de referência para compreendermos melhor esse período: o “Disco de bolso do Pasquim” editado pela revista histórica Pasquim que, em 1972, deu uma projeção muito maior para o nome de Fagner.

Pasquim era uma edição impressa produzida por jornalistas de esquerda que veiculavam as idéias consideradas de vanguarda naquele período. O objetivo era reunir um artista consagrado com um estreante, no primeiro número o “novato” era João Bosco ao lado de Tom Jobim e o segundo registrou de um lado Caetano Veloso cantando “A volta da Asa Branca” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e do outro lado do compacto Fagner cantando sua parceria com Belchior, Mucuripe.

A boa recepção que Fagner obteve com Mucuripe chegou ao conhecimento de Elis Regina que gravou a música no mesmo ano pela Phonogram. O reconhecimento ao artista cearense rendeu-lhe um contrato com a gravadora Philips em 1972, quando foi convidado para registrar mais quatro músicas em um compacto: de um lado Fim do mundo, em parceria com Fausto Nilo, e Cavalo Ferro, em parceria com Ricardo Bezerra, do outro lado Quatro graus de latitude, em parceria com Dedé Evangelista, e Amém, amém, com letra e música de Fagner.

Ainda em 1972, Ednardo, Rodger e Téti gravam pela Continental o disco Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem, que tem como sub-título o nome que nos serve de referência para identificação desta geração de artistas: “Pessoal do Ceará”. Importante registrar que essa expressão não foi escolhida pelos próprios artistas, inclusive alguns preferem não utilizá-la, mas é recorrentemente evocada para identificá-los.

O fato de serem projetos coletivos não significa uma harmonia de acordes perfeitos, constituídos apenas por consonâncias. O sentido do trabalho em grupo é diametralmente oposto, pois se enriquece pela diversidade de pensamentos, posicionamentos, idéias que transbordam do mesmo caldeirão cultural. São releituras da antropofagia modernista de 1922. A harmonia musical cresce com a tensão dos acordes dissonantes, na variação dos timbres, na comunicação entre as diversas linguagens.

Hoje, continuamos em plena aprendizagem, ouvindo vozes diferentes que geram tensões que pedem o repouso da tonalidade modernista, mas os tempos pós-modernos já estão vibrando e anunciando que todos os timbres, ritmos, andamentos, percepções diversas de realidade podem e devem expressar suas melodias.

Relembremos esses marcadores de nossa história musical: I Festival de Música Popular Aqui no Canto, Massafeira Livre e Soro.

Pedro Rogério
Especial para O POVO
01 Mai 2009

PEDRO ROGÉRIO é Professor da Universidade Federal do Ceará. Pesquisador, cantor, compositor e radialista. Mestre e doutorando em Educação Brasileira pela UFC. Publicou o livro Pessoal do Ceará: habitus e campo musical na década de 1970

Imagem da capa do disco MASSAFEIRA lançado em outubro 1980

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Massafeira Livre - 30 Anos


Ednardo - Folia ou Pressa de Clésio Ferreira e Augusto Pontes.

Massafeira Livre - 30 Anos

Música: CARNEIRO Ednardo e Augusto Pontes



Cavalo Ferro - Fagner e Ricardo Bezerra - Com Ednardo Teti e Rodger Rogério

Show MASSAFEIRA 30 Anos - 29 Maio 2009 - Fortaleza - Praça do Ferreira

Massafeira Livre - Show comemorativo de 30 anos do movimento com: Ednardo, Teti, Rodger Rogério, Manassés, Régis Soares, Rogério Soares, Chico Pio, Lucio Ricardo, Calé Alencar, junto aos Músicos: Luis Miguel, Carlinhos Patriolino, Nilton Fiore, Carlinhos Ferreira, Glauco Foguinho, Rômulo Santiago, Denilson Lopes, Tony Maranhão.

Fortaleza - 29 Maio 2009 - Praça do Ferreira.

Música - Reizado de: Graco / Stélio Valle / Augusto Pontes

segunda-feira, 29 de junho de 2009

MASSAFEIRA LIVRE - ROCK.DOC



Um dos Documentários que estão sendo realizados este ano de 2009, sobre MASSAFEIRA LIVRE, este acima feito pelo SUBVERCINE com alunos do curso ROCK.DOC do Ponto de Cultura ABC Digital - Fortaleza Ceará, durante eventos comemorativos de 30 Anos do Movimento Massafeira em conjunto com o Pessoal do Ceará.

Zeca Zines aplaude com entusiasmo!


Patativa do Assaré

Recita Caboclo Roceiro e Menino de Rua



PESSOAL DO CEARÁ

VIVA Fortaleza Especial 1968 - Movimentos Culturais


domingo, 17 de maio de 2009

Homenagem a Augusto Pontes


































O Blog Zeca Zines, faz Homenagem mais que merecida ao grande filósofo, poeta, autor, publicitário e agitador cultural da cena cultural e musical cearense e brasileira - Francisco Augusto Pontes.

Autor de mais de 200 letras, apenas umas 12 músicas onde contribuiu com suas letras e genialidade, são conhecidas do público ou gravadas, entre as quais: Carneiro e Água Grande em parceria com Ednardo; Lupiscínica em parceria com Petrúcio Maia; O Lago e A Mala em parceria com Rodger Rogério; Velho Demais e Sopa de Saudade e Palmito em parceria com Zeca Bahia; e outras inéditas com um dos fundadores da Tropicália, o baiano Piti que estava residindo em Fortaleza com o qual fez a parceria Caminho do Mar.
Também realizou parceria com os compositores do grupo piauiense residente em Brasília: Climério - Pelada; E Clésio - Folia ou Pressa; e existem outras com o Clodo e também O Mundo Mudar e Pancada do Mar em parceria com Rodger Rogério.

É conhecida a história que várias de suas frases e pensamentos geniais, foram utilizadas por muitos sem o devido reconhecimento de parceria tais como na música e letra de Mucuripe, onde consta apenas como de Fagner e Belchior; e também na letra e música de Apenas um Rapaz Latino Americano, onde consta apenas a autoria de Belchior - ambas sem citarem a parceria fundamental de Augusto Pontes, quando justamente estas frases poéticas - "Vida, Vento, Vela - Leva-me Daquí"; e Eu sou apenas um rapaz, latino americano, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes" - foram fundamentos e esteios principais na construção destas duas músicas e letras, o LEIT-MOTIV.

Assim como estas situações, existem muitas outras.

Em homenagem a esta grande figura humana, Zeca Zines transcreve de forma condensada uma sequencia de matérias publicadas sobre Augusto Pontes, que nos deixou recentemente, para que muitos outros saibam sobre sua importância cultural tanto para o Ceará quanto para o Brasil.

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Paulo Linhares - Especial para o Jornal O POVO - 16 Maio 2009
Ex - Secretário de Cultura do Estado do Ceará que substituiu o então Secretário de Cultura - Augusto Pontes durante o período da gestão do Governador Ciro Gomes.


O RAPAZ LATINO AMERICANO


Augusto Pontes foi o melhor pensador contemporâneo do Ceará.
Numa época cheia de celebridades fúteis e fátuas, nada mais dúbio do que a concordância imposta a nós pela homenagem momentânea.
Principalmente aqueles que encontraram em vida uma concordância permanente com o público. Não é o caso de Augusto. O que caracterizou seu pensamento foi exatamente nunca ter se reconciliado candidamente com o mundo em que viveu.
Sua acidez, ironia e verve desconcertante o faziam um permanente desafiador de ideias feitas. Como na doutrina grega das paixões, que incluía a cólera entre as emoções agradáveis, mas situava a esperança e o medo entre os males, Augusto Pontes demolia o bom senso careta dominante no campo intelectual com uma cólera quase santa.
Em todos os momentos. Basta lembrar quando Augusto era professor da Universidade Nacional da Brasília e a burguesia estudantil, filha do poder, brincava de fazer revolução, numa assembleia estudantil.
Convidado a discursar, Augusto disse que a única coisa que eles, inconfessadamente, gostariam de reivindicar, era mais vagas no estacionamento da universidade.
A cólera de Augusto Pontes contra a ignorância bem situada era cheia de humor, e o tipo de riso atônito que provocava tentava realizar a sua reconciliação com o mundo.
Sim, mas se seu humor o ajudava a encontrar o seu lugar no mundo, não o levava a vender sua alma a ele. Era um pensamento que sempre provocava incômodo, pois jamais se reconciliava com o óbvio.
Se o seu gênio não combinava com o dos homens com o gosto acertado, ele não abandonava o sólido terreno do real. No pensamento de Augusto Pontes, a têmpera desconstrutivista se associava a uma curiosa objetividade cheia de detalhes.

O que nunca permitia que sua atitude intelectual o levasse a perder de vista a relação com o mundo e o estatuto real das coisas do mundo que ele atacava. Assim, as famosas “pontes para a comunicação” e as “pontes para a cultura”, fundamentos teóricos que ele divulgava em todo espaço público, colocavam seu pensamento longe da ideia de um indivíduo fechado.
Elas possibilitam afirmar que sem Augusto Pontes não existiria a atitude ousada e avisada que permitiu Ednardo, Belchior, Fagner, Rodger, Teti, etc., em seus melhores momentos, se transformassem em artistas muito maiores.

O texto da música Carneiro, imortalizada por Ednardo, é a mais perfeita tradução do campo cultural cearense: “Amanhã se der carneiro/vou mimbora daqui pro Rio de Janeiro. As coisas vem de lá... E vou voltar em vídeo tapes e revistas multicoloridas. Pra menina meio distraída repetir a minha voz: Que Deus salve todos nós e Deus salve todos vós”.

O impasse da vida artística digna num Estado pobre.
A centralização da indústria cultural sudestina.
A vontade humana, demasiadamente humana de conquistar plateias.
A súplica cearense por uma salvação tardia.
Tá tudo na letra Carneiro.

Com suas “Pontes para a comunicação”, Augusto nos ensinou a partir de sua cátedra real da Scala Publicidade, a melhor agência de propaganda que o Ceará já teve, que nossa propaganda poderia ter a nossa cara, sem ser piegas, autocomplacente, atrasada.

Augusto desafiou a caretice da nossa esquerdolatria ironizando as viúvas da ditadura, quando ninguém tinha coragem de fazê-lo.
Augusto desafiou a caretice universitária fazendo tremer os pilares das verdades bem conhecidas, onde quer que imponham os olhos.

Mas a crítica de Augusto nunca tomou partido em prol de uma irrascibilidade política desantenada com o mundo cearense.

Ele nunca acreditou no moralismo pequeno burguês udenista da pequena denúncia, e sempre incentivou o pensamento largo, ousado, apontando numa perspectiva capaz de nos salvar da miséria intelectual que nos livraria da miséria econômica.
Sua obsessão com a superação desta pobreza atávica intelectual e artística nunca o levou a usar nem a muleta do pauperismo, da tal cultura popular, nem a lógica coercitiva do pensamento acadêmico bem comportado.

Dizia sobre os primeiros que o mérito do cego não está no guia e para os outros criou um projeto de Escola de Comunicação - a Ecoa - que um dia será a grande base teórica para as mudanças que precisamos fazer nos cursos de comunicação.

Que Augusto tenha morrido pobre, sofrendo com os impasses duma cidade medíocre e bárbara, num dos períodos mais obscuros de sua vida urbana, só me leva a lembrar algumas frases de Hanna Arendt. “A história conhece muitos períodos de tempos sombrios, em que o âmbito público se obscureceu e o mundo se tornou tão dúbio que as pessoas deixaram de pedir qualquer coisa à política além de que mostre a devida consideração pelos seus interesses vitais e liberdade pessoal”.

Os grandes homens são raros, como as obras primas. O rapaz latino americano de sua famosa carta “sou apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso, sem parente importantes”.... se foi.

Mas seu pensamento vai fertilizar nossa terra, porque, parafraseando W. Benjamin, ele se manteve sempre como alguém que consegue ficar à tona num naufrágio, capaz de subir ao topo de um mastro que já desmorona.
E dali ele teve uma oportunidade de fazer sinais que nos levarão à salvação.
-
PAULO LINHARES também é publicitário e diretor de conteúdo e marketing da TV O POVO.


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AUGUSTO PONTES - O GURU AOS 70

Dalwton Moura
Diário do Nordeste - Caderno 3 - 2006


Jornalista, publicitário, compositor, ex-secretário de Cultura, Francisco Augusto Pontes chega hoje aos 70 anos.
Em entrevista ao Caderno 3, rememora passagens da infância na Fortaleza das lâmpadas pintadas de preto, em plena Segunda Guerra, dos tempos de universidade, da reunião dos que viriam a ser conhecidos como “Pessoal do Ceará”.
A publicidade na década de 70, a Massafeira Livre, os caminhos da cultura e os encontros e desencontros dos músicos cearenses - entre o sucesso nacional e o desconhecimento no próprio quintal - também entraram na prosa, bem-humorada e saborosa pelas tiradas características que fazem de Augusto um referencial para várias gerações.

Com a palavra, o guru:

Caderno 3 — Vai ter festa para essa data especial, ou você prefere ficar mais tranqüilo nessas ocasiões?

Augusto Pontes— Não, não vai ter festa não (risos)... É um dia normal. Às vezes o pessoal aparece, a gente se encontra. Mas não tem começo certo não...

— Fazendo 70 anos, que lembranças você tem da sua infância em Fortaleza? O que mais marcava na cidade, naquela época?

Augusto— Eu nasci na antiga Vila Maciel, perto da Serrinha, no caminho de Maranguape. Papai tinha lá um sítio. Acho que ainda deve ter o lugar, um nome tão simpático.
Mamãe veio pra cá, morar em Fortaleza. Sempre morei por aqui. Só morei aqui e, já bem depois, nos anos 70, por ali, em Brasília e em Teresina.
O que me lembro mais de Fortaleza naquele tempo é que a gente tinha que pintar de preto as lâmpadas incandescentes, do lado que dava para o mar, por causa do negócio da guerra.
Eu morava na praia, ali na Tenente Benévolo, e as casas usavam esse artifício. Todo mundo tinha que fazer isso.
Papai, muito habilidoso, gostava de fazer essas coisas. Lembro dos primeiros passeios na Praça do Ferreira e na Gentilândia, onde tinham os pontos de encontro, a turma do futebol. Tinha os times do Gentilândia, do Peñarol, o próprio Ceará ficava perto, o 24 de Maio, que a sede era na Marechal Deodoro. Do outro lado, o (estádio) Presidente Vargas.

— E os primeiros contatos com os livros, como se deram? Por influência da família?

Augusto— É, os primeiros contatos foram muito cedo, em casa, com meu pai, que me apresentou Machado de Assis, Monteiro Lobato, Humberto de Campos... Lembro de ter lido bastante no Seminário da Prainha, onde passei um ano só, mas também foi o suficiente.
Fiz o primário no 7 de Setembro e de lá fui pro Seminário. Passei só um ano, por incompatibilidade de gênios (risos)... Sempre fui muito à vontade, e com aquela disciplina não consegui continuar.
Mas valeu o ano que estudei lá, valeu pelo primário bem feito. Aí a gente não precisa estudar mais nunca, né? Você aprende a ler e a saber o que está lendo...

— E como foi que você descobriu a música?

Augusto— Nas serestas. Tinha muitas serestas naquele tempo, muitas. E o rádio também, os auditórios de rádio, que eu gostava de ir, a PRE-9, a Rádio Iracema... O rádio tinha um “cast” grande de cantores, músicos. As rádios tinham orquestra.
Tinha muito também as quermesses, e muitos regionais, muitos cantores. A música era muito presente na vida de Fortaleza. Tinha os trios, os grupos vocais que se formavam, os Vocalistas tropicais, Quatro Ases e um Coringa, Trio Nagô, Trio Jangadeiro, até o Trio Irakitan tinha um integrante cearense. Já os discos só vieram depois que o comércio, o “marketing” trouxe. O primeiro toca-disco em casa, lembro que foi muito tardiamente. Tinha mais era rádio, as novelas de rádio, como “Penumbra”, “Renúncia”, “O Direito de Nascer”, com trilha.

— Você trabalhou em rádio...

Augusto— É, depois do Seminário fui fazer técnica de contabilidade, e virei perito contador. Mas até hoje tenho dificuldade em fazer imposto de renda, como todo mundo (risos).
Mas eu trabalhei em rádio sim, muitos anos. Escrevia programas, fui diretor artístico da Uirapuru, da Dragão do Mar, trabalhei na Rádio Nacional de Brasília.
Por conta disso até eu fui fazer o curso de jornalismo, pra poder ter o direito de ser jornalista. Não engolia muito bem esse negócio de ser jornalista prático.

— E a publicidade, Augusto? Você trabalhou naquela que é considerada por muitos uma espécie de “época de ouro” da publicidade cearense, em que havia mais romantismo, mais charme na atividade. Era isso mesmo, ou há uma certa mitificação nisso?

Augusto— Acho que não. A década de 70 foi realmente a melhor época da publicidade aqui.
A Scala, a Mark, a Slogan, a Terraço, em todas as grandes agências eu trabalhei.
Lembro de trabalhar inclusive com o grande Gilmar de Carvalho, muito modesto, que a custo se tornou redator, porque achava que não era, apesar de ser gênio, de ser um grande escritor.

Agora, tinha mais romantismo na publicidade daquela época. Era muito mais intuitiva, muito mais artística. E tinha muitos casos curiosos também.

Lembro de um deles, em que mandaram retirar uns outdoors do óleo Pimentel, que diziam “Quem assina o que faz garante muito mais”. E o Moisés Pimentel era candidato nas eleições. O outdoor mostrava um carro de supermercado e uma lata. Era quase uma urna e um voto (risos).Tinha aqueles anúncios famosos do Bento Alves, do Macarrão Fortaleza, “Quando a comida é boa, ninguém quer largar”... Esse quase vai proibido também.

Outro, de TV, tinha uma cozinheira cantando: “É só uma pitada de sal nesse programa insosso”, e anunciando o sal Marissol. A TV queria proibir, porque mangava da própria TV. Ficaram chateados, reclamaram, e aí gentilmente, tiraram o anúncio.

Uma coisa tão inocente! Lembro que a Coelce, a Teleceará anunciavam muito nessa época.

Tinha também o sabão Pavão: ´Uma mão lava a outra com perfeição e as duas lavam tudo com Pavão´. Enfim, a publicidade era uma atividade muito romântica, era uma alegria fazer.

Eu fiz muitos textos, muitos jingles. Hoje, os publicitários se acham muito geniais.

Naquele tempo a gente saía pra beber, convivia mais.

Não sinto saudade do futuro

Caderno 3 — Não sei se isso veio a partir da publicidade, ou se foi o inverso, mas uma das suas maiores características é a facilidade para bolar “slogans”, títulos, frases. Como surgiu esse hábito?

Augusto Pontes — Eu atribuo essas coisas à proximidade com o povo, com a vida. Acho que não é nada especial meu não. Era uma característica não só minha, mas de muita gente. É uma coisa da nossa cultura.

— Mas frases clássicas como “Quando a mesa cresce, a cultura desaparece”, que se conta que você dizia quando juntava gente demais no Bar do Anísio, têm uma assinatura sua...

Augusto — É verdade... Nos coquetéis de lançamento de livro era “A cultura em álcool imersa, logo dissipa e dispersa” (risos). Essas frases sintetizam as coisas. "O sertanejo é antes de tudo um forte. Avalie no Rio Grande do Norte" (risos).

Agora, o pessoal inventa muita coisa e atribui a mim. Tem muita coisa que dizem que eu dizia, e eu nem pensei.

— E as frases usadas no meio musical, como “Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem”?

Augusto— Essa, que acabou dando título ao primeiro disco dos cearenses (o LP conhecido como “Pessoal do Ceará”, lançado em 1973 por Ednardo, Téti e Rodger Rogério), era de uma letra enorme que eu tinha, e que só musicaram algumas partes.

“Vida, vento, vela, leva-me daqui”, o final do “Mucuripe” (clássico de Fagner e Belchior). Tinha algumas frases que eram usadas pela turma, “Eu sou apenas um rapaz latino-americano”, na música do Belchior... Eu considero isso uma homenagem, não faz mal nenhum terem usado não.

Nunca pedi parceria por isso. São todos grandes amigos, é natural que um use uma frase ou outra.
Sempre digo que o plágio é um atestado de humildade.

Porque, se eu vou fazer uma canção, eu não consigo usar uma frase de outro. Agora, o nosso amigo Aldir Blanc fez uma música e chamou “Lupiscínica”, e não colocou “Lupiscínica 2”.

Aí é outra coisa. É chato, dói, porque ele inclusive grafou igualzinho. Aí fiquei chateado.

— O Rodger Rogério e o Petrúcio foram os primeiros parceiros?

Augusto— O meu primeiro parceiro foi o Rodger sim. Depois o Petrúcio. Com o Rodger fiz inicialmente “Mundo, mudar” e “A pancada do mar”. Acho que eu tinha uns 26 anos por ali. Ele entrou na universidade cedo, eu entrei tardiamente. Tinha ficado muito tempo sem estudar, abandonei ali no primeiro ano colegial. Depois voltei e fiz de tudo.— Que impulso te levou a ser compositor popular?

Augusto— Não teve nada assim... Eu achava bonitas aquelas músicas e queria fazer também. Tive a sorte de encontrar parceiros, e acho que levava jeito. Lembro de toda aquela música, do rádio, das quermesses, dos cantores.
Depois, a bossa nova foi uma grande influência pra gente. Fazer música passou a ser um interesse não só meu, mas de muita gente em Fortaleza.

— Chama a atenção a diferença de linguagem, o salto estético daquela geração. Se não eram propriamente um grupo, como muita gente faz questão de lembrar, vocês compartilhavam dessa intenção de fazer uma música diferente, moderna?

Augusto— Era, havia essa vontade. Isso vinha muito da literatura. Graciliano, Guimarães, Clarice Lispector, aquela invenção de palavras. Tanto que, como criadores de música, somos anteriores aos baianos.
Mas quando os baianos surgiram, aconteceram (fizeram sucesso), ficamos entusiasmados. Havia esse desejo de fugir daquela coisa mais antiga da canção popular. Um desejo de incluir outros sentimentos, cantar o amor, a terra e a vida misturados...

E fomos incentivados por muitas coisas, havia um movimento de criação em todo o Brasil, com o Cinema Novo, o teatro... Isso refletiu em toda a turma de cantores e compositores que se chegou entre a Universidade, a Praça do Ferreira, o TJA e o Bar do Anísio.

— Mas quando é que o ato de fazer música deixa de ser apenas essa criação mais descompromissada e passa a ser uma pretensão artística e profissional?

Augusto— Acho que desde muito cedo a gente tinha intenção. Tem a música, né: “Amanhã se der o carneiro, carneiro / Vou-me embora daqui pro Rio de Janeiro”.
Agora, quando todo mundo foi, em 74, por ali, essa parte é um pouco triste. Eu até me ausentei da composição, dei um recessozinho.
Porque tornou-se uma coisa mecânica, meio de vida. Aí tinha todos os ingredientes dos interesses.
Éramos uns 300, né, mas ficaram resolvendo as coisas só com uns três ou quatro. Aí não dava, né?
Três ou quatro eram os baianos, que agora são 300. É o contrário.

— Havia, então, muita desunião entre os integrantes do chamado “Pessoal”?

Augusto— Não sei se desunião, acho que nem hoje tem desunião não. O que houve com os cearenses foi que, antes deles ganharem dinheiro, brigaram. Brigaram, se separaram. Aí diminuiu da turma toda pra três rapazes.
Três rapazes não davam conta! Começa a pintar cachê, a vaidade de aparecer, uns se achando melhores que os outros. Qualquer canção, quando desponta, é muito bonita, toca mais que outra que ninguém conhece.
Isso é o que me salva um pouco, porque “Carneiro”, “Lupiscínica” nunca saem de moda.

— Você se ressente de não ser mais reconhecido pelo público, não ter sua obra mais visitada?

Augusto— Ao contrário: eu me acho mais conhecido do que mereço. Não me ressinto disso não. Acho que é isso mesmo. Acho que tá tudo bem, tá tudo certo.
Não tenho saudades do futuro. Fiz até uma brincadeira: digo que não tem presente, ou é passado ou é futuro.
Até na Secretaria de Cultura, usava esse eixo: passado, presente, futuro.

— Você recebeu muitas críticas na sua gestão na secretaria. Faz uma autocrítica, ou se sentiu perseguido?

Augusto— Ali, qualquer pessoa que se debruçar vai compreender. A secretaria era muito ligada a negócio de coquetel, beletrismo. Aí mudou: entrou a culinária, a música popular, o folclore, o artesanato.
Virou cultura mesmo, e a arte foi pro seu lugar de crítica da cultura.
Os meus amigos mais chegados ficaram decepcionados, um até me disse que eu desconheci os amigos. E eu explicava: “Você é meu amigo, mas não é amigo do secretário”.

Mas eu acho que valeu a pena meu sacrifício ali, minha dedicação. Eu não soube fazer direito, mas quem veio depois soube fazer.
Quando o Ciro (Gomes) me convidou, senti a responsabilidade: “Mas rapaz, secretário de cultura, eu nunca fui”. E ele: “E eu nunca fui prefeito”. Aí calou minha boca.
Eu era muito crítico, mas acho que me dei bem. Muitos compreenderam, elogiaram. Mas críticas tinha que haver, pelo rumo da cultura no País.

— E a Massafeira: seria possível algo semelhante hoje?

Augusto— A Massafeira foi um movimento que explodiu. Ninguém é autor dele. Todos participaram. Era uma explosão da vida. Era muita gente criando, muitas coisas lindas, uma vontade de fazer. Esse é outro papel que eu acho que deve caber a uma secretaria de cultura: não querer programar, e sim incentivar. Deixar que as pessoas programem. Dali saíram vários artistas, Lúcio Ricardo, Mona Gadelha, Stélio Valle, grandes nomes, mas que ficaram espremidos.

Como atualmente tem muitos intérpretes e instrumentistas incríveis no Ceará, mas a tendência é ficar só um fazendo sucesso. Agora, independente disso, com certeza poderia haver hoje em dia algo parecido com o que a Massafeira foi em 79. Só falta alguém coordenar, sem ser pra mostrar só as suas obras.
Daria pra fazer uma coisa forte nacionalmente, pra dar um sossegozinho aos baianos. Eles trabalham demais (risos).

— Pra completar, como é que você lida com esse título de “guru”? E o que o guru tem como objetivo, daqui por diante?

Augusto— Que guru, nada! Nunca ocupei esse lugar. Ao contrário: gurus são esses homens cultos do Ceará. Eu soube me aproximar deles. Mas nunca me achei guru.
Eu sempre tive foi tendência a ligar as pessoas, aproximar quem nem sonhava em se encontrar. Os amigos de hoje são os de sempre, o Rodger, o Francis (Vale, cineasta e produtor), o Fausto (Nilo, compositor), que é minha grande inveja. Eu queria ser o Fausto Nilo, quando eu crescer (risos).

Hoje, com 70 anos, moro com duas das minhas quatro filhas, e quero é viver mais. É muito bom estar vivo nesse momento, o País sendo feito, as pessoas reclamando, mas sem parar pra entender, né?
Se houver uma crise de sinceridade, aí melhora tudo. Imagina as pessoas confessando que não sabem fazer tudo, admitindo que precisam do outro. Olha que sonho! Antigamente era assim, e a gente fazia as coisas.

(DM)

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O Tamanho da Estrada de Santana

- Sobre o ‘Pessoal do Ceará’

Ruy Vasconcelos


Naquele tempo e por uma série de razões a canção popular era um veículo opulento. O mercado ainda não estava tão estruturado. E havia um limite, um constrangimento à criação, que, paradoxalmente, a desafiava: a falta de liberdade de expressão. Mas havia também o fato mais ou menos cru de que os consumidores de disco eram quase que exclusivamente de classe-média. E, claro, de uma classe-média que pela primeira vez na história do país se beneficiava de uma educação universitária massificada.
A década de 70, no rescaldo dos inquietos 60, viu surgir pólos de criação onde houve universidade forte fora do eixo Rio-Sampa: na Bahia, em Minas, no Recife e em Brasília. Mas Fortaleza também esteva presente e de forma marcante.

O que se convencionou chamar de Pessoal do Ceará não é uma ficção. Mas um grupo que de forma mais ou menos organizada soube repartir tarefas. Entre intérpretes, compositores, letristas, instrumentistas, produtores, vimos surgir nomes como os de Raimundo Fagner, Belchior, Ednardo, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Brandão, Téti, Rodger Rogério, Ricardo Bezerra, Manassés de Sousa, Cirino, Augusto Pontes, Marta Lopes e tantos outros.

Em particular, salta aos olhos a inata qualidade literária do texto de certas canções. Brandão, Belchior e Fausto Nilo contribuíram bastante neste sentido. As letras de Brandão são como poemas autônomos que por acaso foram musicados, tal sua excelência. Belchior foi, então, um atento ouvinte de Dylan e de outras grandezas do universo pop. E Fausto Nilo, uma mente arejada o suficiente para pensar a palavra em música como uma amplidão de espaço que vaza para fora do som.
A diferença aqui é que todos os três não pensavam apenas em música. Pensavam mais longe, em algo que sendo uno é diverso, e responde pelo nome de arte. Como a vida.

Por seu turno, há um aperreio e um improviso muito grande em certas gravações se contrapostas à assepsia sonora de hoje. Quando se escuta coisas como “Estrada de Santana” dá para perceber o quanto há de bricolagem nessas sessões de estúdio.

Algo que está sendo resgatado, no momento presente, pela pesquisa esquizofrênica e ousada de Dustan Gallas: soar artesanal dentro de um estúdio digital. No caso dessas sessões de estúdio nos 70 eram quase gravações ao vivo. Ou pouco mais que isto. Havia uma comovente simplicidade e falta de atavios, que faz lembrar velhas (e doces) senhas: “da rodoviária para o estúdio”, “arrumar o cabelo e seguir”, “meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem”.

Sofisticada artesanalidade. Tempos de constrangimento geram uma arte exigente assim. Há algo de muita emergência em canções como "Estrada de Santana". Algo que nos compele a percorrê-la de novo a cada vez que a escutamos. O lirismo misterioso, tenso e brilhante desse texto vale por dias bonitos de chuva: "Quem ouviu passarinho cantar,/ao meio dia, no silêncio de um lugar,/sozinho e sozinho esperou/que a noite trouxesse a esperança do sonho/ e a companhia do luar".

O que seduz nessa canção não é apenas sua vivaz referência à paisagem de um interior qualquer do Ceará. Mas o modo como ela nos instala lá: os passarinhos, o riacho temporário, a mata, o pequeno cemitério rural, etc. E, no entanto, escutando-a com melhores fones-de-ouvido, percebemos que essa vivacidade vem menos por conta da descrição da paisagem e mais pelo fato de ela ser evocada por um exilado: "Mas sou eu que não posso voltar//Não, não, não corro a Estrada Velha de Santana [...]". Essa impotência de estar nos lugares da eleição pesa nas carnes do cearense como uma maldição de proporções devastadoras, bíblica mesmo.


Em "Estrada de Santana" o migrante exilado mal dimensiona, de fato, o pedaço de vida que lhe foi roubada - embora sinta na carne que o foi: "Sem jamais entender o que alguém perdeu./ E perdeu, e ficou assim." Este "assim" ganha uma função adjetiva, como na fala popular. Algo que se aproxima de "desalento", "desesperança". Segue para além de uma simples e casual troca de estado de humor. Implica algo mais fundo: uma mudança na personalidade por razões de saudade de casa.

Ora, nenhum outro povo do Brasil, como o cearense, é mais especialista nisso: saudade de casa. E porque vivemos no mundo. E, claro, nem sempre por escolha. Assim "Estrada de Santana" assoma como mais uma das grandes canções de exílio que povoam o cancioneiro cearense. Um ilustre conjunto que vai de Catulo da Paixão Cearense (que era filho de cearense migrado para o Maranhão) ["ah, que saudades do luar da minha terra!"] e passa pelo ciclo de letras composto por Humberto Teixeira para músicas de Luiz Gonzaga e que incluem clássicos como "Asa Branca".

No início de "Tudo Outra Vez", Belchior nos diz: "Há tempo, muito tempo que eu estou longe de casa". É claro que estas palavras possuíam, à época, uma ressonância e uma urgência política mais vasta, mas não menos radicam nessa tradição do exílio. A mesma cantada por Ednardo ("Eu venho das dunas brancas/ Pr'onde eu queria voltar"). É apenas notório que, por razões óbvias, os duros anos de ditadura tenham acerado ainda mais essa condição de exilados.

Mas também em “O Astro Vagabundo” há inquietações de sobra para traduzir esse período. Qualquer coisa de muito sombrio e belo habita nessa canção. Nela o exílio para uma espécie de apocalipse ao mesmo tempo iminente e cotidiano – ou seja, feito daquelas simultaneidades possíveis só em sonhos – é a clássica imagem dos trovadores para o órgão sexual feminino: o pequeno jardim cercado, o Éden.
Dormir nesse jardim é o lenitivo. Esquecer por um lapso o pesadelo da realidade. O arranjo de cordas (que é de Wagner Tiso), os teclados, a amargura, o dilaceramento da voz de Fagner, exaltando-se na segunda parte, tornam a canção de uma sinceridade irresistível.


A lista é longa e a letra é breve. Se pode falar desse período como daquela “noite posta sobre a mesa” de “Asa Partida” – onde, aliás, há este verso que praticamente resume tudo: “eu não queria a vida desse jeito”. Ou seja, essa saudável inquietação diante de uma realidade extremamente defeituosa.
O Pessoal do Ceará pôs essa noite sobre a mesa com uma impressiva nitidez. Há o magistral (e majestoso) final de “Pavão Mysteriozo” ("Eles são muitos/ Mas não sabem voar"), carregado de utopia como nuvens densas num sertão de muitos meses de estio.
Quer dizer, "eles" - todos que não os migrantes - são muitos, também no sentido de poderosos. Mas não tem a dimensão do vôo, do sonho, alimentados por essa torturante saudade de casa que ensina mais do que qualquer escola, porque constitui em si uma odisséia.

O tema também reincide na delicada geografização de “Pequeno Mapa do Tempo”, de Belchior, com seus requintes de analogia entre a sonoridade das palavras e a concreção dos lugares citados. E em que tudo segue em suave crescendo até se chegar à "estrela do norte/Paixão, morte é certeza", que repõe Fortaleza no seu devido lugar - como uma espécie de Jerusalém. Ou, ainda antes disso, claro, essas velas do Mucuripe saindo para o risco e para uma intemporalidade maior do que a morte.

Quase como último espasmo coletivo, houve o disco-coletânea Massafeira. O disco surgiu como o registro e o subproduto mais notável de um evento mais amplo, envolvendo artes plásticas e performances que ocuparam o Theatro José de Alencar e marcaram época em Fortaleza.

Um empenho pessoal de Ednardo, com co-produção de Augusto Pontes, que sempre foi uma sorte de coringa ou eminência parda da galera. Massafeira, o álbum duplo, marcado pela diversidade, é uma espécie de limiar entre gerações. Hoje, um notável cult. Em “Frio da Serra”, a interpretação de Marta Lopes é preciosa. Vívida. Cheia de frescor: "Lá embaixo, no espaço/ as casas estão com frio". Há algo mais cearense do que o modo como ela pronuncia palavras como “poste” [pósti], com esse "s" tendendo a 'sh'; ou, sobretudo, “dinheiro” [dim-êro], onde o "h" é quase supresso, na bela letra de Brandão? [Coisas assim são de grande vigor cultural, embora passem longe do estereótipo ou do sotaque da telenovela].

Outros destaques vão para a barroca balada “Atalaia” ("paisagem de agreste clarim") interpretada à Fagner por Ferreirinha [Francisco Casaverde]; o bandolim do multinstrumentista Zé Maia em faixas como “Vento Rei”; o espontâneo talento de Wagner (depois Tazo) Costa - à época pouco mais que um menino - em "Isopor" ("Eu vou sair desse jogo malvado,/ Você só quer me ganhar"); e a copla medieval “Aurora”, cantada por Ednardo e Belchior, onde ocorrem versos como “sonhos de aurora eu sonhava/ no colo de minha irmã”, ou ainda: “abre as janelas, manhã”.

Aqui, a manhã entra em vocativo. Conversa-se com ela. E essa prosa parece remeter para uma daquelas casas sertanejas: brancas alpendradas, de pé-direito baixo, perto de um açude. Casas de onde nunca deveríamos ter saído, fosse este mundo mais justo. Ou nossa república menos imperfeita.

A importância de Massafeira, tanto enquanto evento como em seu registro fonográfico, ainda resta por ser dimensionada. A impressão, para quem a testemunhou, era a de uma tempestade pop, que até então só víamos no cinema, desabando ao vivo e em cores, durante quatro dias, em Fortaleza. Para descrever o evento, usou-se no encarte do álbum duplo a expressão "carnaval fora de época". Até entende-se o que se quer dizer com isso. Porém Massafeira foi muito além do que esta expressão tenta traduzir. Afinal, carnaval fora de época - hoje em dia - está mais para algo como a micareta, o Fortal ou alguma estupidez do gênero.

O que seduzia na imensa festividade, no exótico, na diversidade, naquele sobejo de contracultura - o fetiche das guitarras e amps, a tal "velha roupa colorida", os cabelos invariavelmente longos, desgrenhados - era a atmosfera em si.
E isso tudo numa acanhada capital do subúrbio, em plena linha do Equador. Na periferia da periferia do mundo. Aquelas guitarras rascantes ecoando pelas galerias e entornos de seu pequeno e charmoso teatro. Era algo de uma notável sugerência de novidade e vida. E, melhor, de novidade na diversidade. E num tempo em que, por mordaças várias, estávamos apenas começando a saborear a delícia de expressar-nos sem censuras. Inclusive as das patrulhas ideológicas de esquerda.

Para um povo, como o cearense, tão pouco afeito a manifestações assim - mais gregárias, em que o herói são todos e nenhum - o evento resta quase como um marco, nota dissonante. Mas de uma dissonância alegre, espontânea e promissora. O que Massafeira legou foi uma enorme fé na capacidade de elocução coletiva a partir de uma Fortaleza, convenhamos, bem mais provinciana que hoje. Não por acaso, chegou a despertar ciúmes em outros estados. Daí que não poucas matérias ao se referirem ao evento, ou a seu registro em disco, insinuarem que a gravadora CBS - a hoje Sony Music, uma das mais poderosas multinacionais da indústria fonográfica - ser acrônimo de Cearense Bem Sucedido, em referência ao poder de barganha do grupo (em especial de Fagner) junto à direção da empresa.

Em tempo, há dois discos que decretam o ponto final desse impulso: o próprio Massafeira, no plano coletivo; e o álbum Beleza (1979), de Fagner, na esfera mais individual. O álbum é de uma formosura dilacerante. Poucas composições. Arranjos opulentos, sob a supervisão de João Donato. Um time de músicos estelar.
Não há uma única faixa onde não reincida o título do disco. Inclusive a própria faixa título, com letra de Brandão que é verdadeiro achado ("e quando se vê o arame/ que amarra toda gente/ pendendo das estacas/ sob um sol indiferente"). A plangência da voz de Fagner chega a seu paroxismo. Guarda mesmo algo de indizível, limítrofe. Em todas as trilhas, tudo é asa partida, dor. Por exemplo, em uma canção (por sinal subestimada) como "Quer Dizer".

Pode-se sentir a cinco quadras de distância a potência elegíaca desse conjunto de canções tristes. A suíte de um trabalho de luto. Luto individual, mas que também se pode entender como canto de cisne ou estender como mortalha dessa fase heróica do Pessoal do Ceará.

Não é nehum segredo de estado, aliás, que os três nomes mais rutilantes do grupo não são propriamente os melhore amigos na face da terra. Mas é ao menos um consolo relembrar que, em tempos idos, eles já se envolveram em colaborações mais estreitas.
Desde então, Belchior tem trabalhado anos a fio na estrada, em turnês - sobretudo pelo interior de São Paulo e pelo Sul. Ednardo exerceu trabalhos diversos a partir do Rio, sua base. E Fagner, após um começo fulgurante - a exemplo dos dois outros - em que teve discos tão experimentais como Orós, com colaboração de Hermeto Pascoal - cortejou o mercado de forma mais agressiva e popularesca.

Mas o tempo passou. Será que hoje ainda seria possível produzir, por acaso, um disco conceitual com a contundente amargura de Beleza? Ou um exeperimental com as mirabolâncias de Orós?
Difícil responder. Os tempos são outros. A própria noção de disco é já tão outra.
A importância das grandes gravadoras foi alvejada em cheio pelas novas mídias digitais. O que era um sonho distante, remoto, só possível no Rio ou em São Paulo lá pelos já distantes anos 70, é algo que está ao alcance de qualquer cantor de banheiro: gravar um disco.
Levas de cd's produzidos e gravados em Fortaleza são despejados no mercado mês após mês. Mas qual de fato à importância da primeira geração que, de modo coletivo, dotou o Ceará de uma voz e de um sotaque bastante distintos?

O tamanho dessa Estrada de Santana é uma boa medida para se sair atrás de uma resposta. Daquelas capazes de preencher a moral de uma história. O momento foi ímpar. E eles eram jovens.
Não houve solução de continuidade. Ou sequer uma geração subseqüente que soubesse abiscoitar essas finezas. Dialogar com elas. Como quase tudo neste país, esse momento não se desdobrou para fora de si. Cristalizou-se.
E claro, a vida não estava ganha. E era preciso ganhá-la. Nesse processo, se foi um pessoal. Alguns devotaram-se a um sucesso um tanto tacanho. Outros desapareceram dentro daquela noite.
E a mesa em que ela estava posta, por um mau agouro, talvez se tenha convertido apenas num balcão para negócios sortidos e bem menos espontaneidade e arte.

Quantos de fato souberam do tamanho dessa estrada?


Nota - artigo originalmente publicado no jornal O Povo, em 2003, em versão abreviada. Dica: é possível baixar na íntegra o álbum duplo Massafeira (1980) pela internet.

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Blog de Ruy Vasconcelos - AFETIVAGEM
http://afetivagem.blogspot.com/2008/12/o-pessoal-do-cear-um-encmio.html

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Ruy Vasconcelos é Jornalista, Escritor e Tradutor.

sábado, 27 de setembro de 2008

O Devir Cantador e uma cartografia das singularidades musicais brasileiras



Análise realizada por José Anezio Fernandes do Vale
Vitória / ES
Graduando em Psicologia - Universidade Federal do Espírito Santo
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A partir de uma leitura de Guattari, pretendo apresentar o conceito de Devir-Cantador, tendo como estudo de caso, a figura do compositor cearense Ednardo.

Da obra de Guattari, pretendo me dobrar sobre o conceito de Produção de Subjetividade, e para tal, lanço mão de três aspectos deste conceito:

Primeiro, produção de subjetividade como anterior a dicotomias sujeito/objeto, inato/adquirido, individual/social, logo, como algo que não se localiza nem aqui nem lá. Para Guattari, isso não está posto.

Segundo, produção de subjetividade não como ideologia, super-estrutura, ou seja, como algo determinado por uma infra-estrutura econômica. A subjetividade não é fruto passivo da produção econômica, material, mas se dá em um processo de produção tão importante quanto.

E por fim, produção de subjetividade como evento político, micropolítico, em que se podem engendrar tanto formas petrificadas de existência, quanto formas de existência que quebrem pedras. Guattari chama essas formas, respectivamente, de modelização e singularização.

Me detendo um bocadinho nesse terceiro aspecto, tenho dois exemplos bem ilustrativos. O primeiro é o do desacato à autoridade, o do “Cê sabe com quem cê tá falando?”. Essa fala é representativa de uma fabricação de territórios.
No caso da abordagem policial (aqui proponho um pause nessa imagem pra gente dar uma circulada em redor e observar), o terreno do civil que fica calado, que obedece, que se põe no seu lugar, que se territorializa cá embaixo e submete seu corpo a uma ordem, e o terreno do militar, que é autoridade, que ordena, que merece mais respeito que o outro, que se territorializa acima do outro e tem que ser rude, ou sarcástico, pra “mostrar quem é que manda”.

O segundo exemplo é o da criança, que aprende a respeitar a hora de estudar, a hora de dormir, a de comer, a de brincar, a de rezar, a de ficar calada, a de divertir os adultos.
A criança pré-escolar, principalmente nos dois primeiros anos de vida, como Piaget nos ensinou, aprende através da ação, precisa agir para aprender, e cada ação do indivíduo sensório-motor tem caráter lúdico, a criança age, aprende, e brinca enquanto come, enquanto foge da dor, enquanto busca o prazer, enquanto dorme, enquanto tem as bochechas apertadas. Isso ilustra que, como Guattari diria, a subjetividade infantil é polifônica, mas não é estratificada.

A escola, porém, tem a função (que não é apenas ela quem cumpre) de territorializar cada um desses fatores da polifonia subjetiva infantil, em terrenos separados. A criança brinca no parquinho, na escola a criança aprende, e hora de aprender não é hora de brincar.

E essa lógica de estratificação de uma subjetividade que é polifônica rege nossas formas modelizadas de existência. A hora do almoço, a hora do sexo, a hora da aula expositiva, a hora do estágio, a hora da aula em laboratório, a semana de provas, a hora de ouvir o palestrante, a hora de fazer perguntas.

A criança ainda não modelizada pela escola é um exemplo de singularidade, e uma forma de quebrar as pedras da modelização é vir-a-ser à maneira dessas singularidades. Vir-a-ser à maneira de uma criança, por exemplo, é o que Guarrati chama de Devir-Criança.

O que quero propor é que a música é um elemento denso, enquanto substância desses eventos micropolíticos de que eu falei. Música não é fruto ideológico e superestrutural da produção econômica. A produção econômica e a produção subjetiva agem igualmente em nossos corpos, e quero falar de modelização e de produções de subjetividades singulares no plano das artes e da música, que não é alienado das outras camadas sonoras de nossa vida polifônica.

Eu vejo, na micropolítica fonográfica, radiofônica e dos espetáculos musicais, uma modelização da figura do compositor e da figura do ouvinte.
Aqui quero mais uma vez congelar a imagem pra gente dar uma voltinha. O território do compositor é o daquele que fabrica a música, que é a origem da música, o compositor inteligente, seja por ser culto, e fazer a boa música, aquela que as pessoas inteligentes e cultas consomem, seja por ser sensível ao gosto das massas, e saber como fazer uma música que as grandes massas queiram consumir.
O território do ouvinte é o território daquele que consome a música, aquela música originada do compositor inteligente, ou do compositor sensível. Ou o ouvinte é o culto que consome o que o compositor inteligente faz, ou é parte das massas, que consome o que a maioria consome, e o que é fabricado pelo compositor sensível ao gosto das massas, da maioria.

Diante dessa imagem, eu entendo que, entre as diferentes e inúmeras formas de produção de subjetividade singular, há uma que eu quero fazer emergir à nossa atenção. É a do compositor popular, do cantador, do poeta de cordel, do artista popular, enfim, que pode ser repentista ou rapper fazendo um Freestyle!
O compositor popular não é sinônimo (nem antônimo) Do compositor sensível, ou do intelectual dos quais acabei de falar. A questão do compositor popular não é que tipo de ouvinte vai consumir sua música, porque a música para o compositor popular é mais do que um produto a ser consumido.

Eu gosto da idéia de comparar o compositor popular a um cronista que, diferentemente do repórter, não tem a intenção de ser imparcial e fiel à realidade. O repórter, nessa pretensão, lança suas implicações na reportagem que produz.
O cronista sabe-se parcial, e faz uso disso. O cronista não retrata a realidade, ele pesca elementos do cotidiano e reveste com um olhar e com um estilo que estão ali, nele.
Eu entendo o compositor popular como um cronista. Que retira da subjetividade popular a matéria prima, que é o desejo, e produz música não para um ouvinte que é mero consumidor, mas para um ouvinte que também é fonte da matéria prima dessa canção.

O compositor modelizado é um sol de onde a canção emerge como verdade, ou que ilumina a verdade como um sol repórter, para que o ouvinte consumidor possa ver/ouvir a verdade. O compositor popular é usina que produz a canção enquanto se produz, é cronista que se produz na crônica e produz a crônica em si.

Meu exemplo de cronista, de compositor popular, de artista que vem-a-ser á maneira de um cantador, ou seja, que lança mão do Devir-Cantador, chama-se Ednardo.

Não convém aqui que eu prove que Ednardo é um exemplo de como esse Devir-Cantador se dá. Pra mim é interessante que vocês acreditem ou duvidem, e se quiserem provar que eu estou errado, procurem conhecer o Ednardo pra saber se é isso mesmo.

Vou apenas falar brevemente sobre o Ednardo - Cronista que eu enxergo, então!
Ednardo cantou sobre o homem que muda de terra, de território, e praticou essa migração. Cearense, foi para o Rio de Janeiro tentar a sorte como cantor, e encontrou um mercado fonográfico doido por que ele se adequasse a um modelo de compositor que fizesse com que discos fossem vendidos e lucro fosse gerado.

Ele se manteve fiel a sua intenção de misturar extremos antagônicos, de trazer rock e cordel, maracatu com guitarra (no início da década de 70!), francês com sotaque cearense, tecnologia e regionalismo. Graças a isso, foi boicotado mais de uma vez, e em ocasiões diferentes, por sua gravadora.

Fez trilhas para cinema e até atuou. Dirigiu, produziu e musicou um documentário sobre a história, a cultura e as subjetividades cearenses. Mobilizou os artistas nordestinos para o maior evento de valorização de sua cultura que o Ceará já teve, a Massafeira, e lutou também para que elementos desse grande evento fossem registrados em disco (que também foi boicotado pela gravadora, e mesmo por amigos artistas).

Criou movimentos de resistência ao esvaziamento do carnaval cearense e à ocupação não dialógica deste terreno por ritmos exteriores à cultura local, como as músicas baianas.
Foi mesmo homenageado por nações de maracatu cearenses, por sua postura de artista em prol de tal manifestação cultural. E isso tudo morando no Sudeste há anos!

Em suas letras, não é difícil ver emergirem também indícios de compreensão da dinâmica de produção de subjetividade, e da necessidade de singularidades, mesmo que com outros nomes. Não vou continuar listando as muitas outras razões que eu ainda tenho e poderia listar para querer ter Ednardo como um aliado em meu trabalho como psicólogo.

Agora eu quero lançar uma questão. Eu posso afirmar que Ednardo faz uma cartografia desses territórios modelizados, dessa micropolítica, posso afirmar que ele pratica essas revoluções singulares que Guattari postula e constata, se Ednardo, por exemplo, não é psicólogo, ou leitor de Guattari? A minha resposta é: SIM!

E eu quero terminar essa apresentação com um convite, que é na verdade um beliscão, uma problematização. Eu não usei Guattari porque acho que a Esquizoanálise é a forma correta de se fazer psicologia, nem usei Ednardo porque ele é um compositor superior aos outros. Eu o admiro com artista, a superioridade que vejo é meu gosto musical, mas no lugar de Ednardo poderia ser outro.
Poderia ser o Sérgio Sampaio, poderia ser o Itamar Assumpção, poderia ser Clash, Mutantes, Zeca Baleiro, ou qualquer outro artista que eu admiro, existem mil formas de singularizar-se diante do mercado fonográfico.
O Devir-Cantador é apenas uma invenção minha, de um termo pra nomear algumas poucas dessas inumeráveis formas de resistência.

Assim como o Ednardo poderia ser outro, o Guattari poderia ser outro. Eu poderia falar de questões micropolíticas em uma linguagem Piagetiana, Skinneriana, Freudiana, Adleriana.E poderia mesmo. Porque não é uma teoria que tem em si, a priori, o bem ou o mal. É a forma como eu me alio a um corpo teórico que vai definir se minhas práticas serão modelizadoras ou singularizantes.

Eu posso, por exemplo, como analista do comportamento, ajudar meu cliente a observar as contingências de seus comportamentos, para que ele possa construir autonomia, para que ele possa ser reforçado por conseqüências para as quais ele diz sim. Mas eu posso também dizer não para essa singularidade, e fazer de meu cliente uma vítima das conseqüências de seus atos, que diz sim para o que eu acho melhor para ele, de forma tuteladora.

Então quero afirmar duas coisas. A primeira é que hostilizar uma teoria como se ela fosse modelizadora a priori é negar as singularidades que aquela teoria psicológica pode proporcionar. E a segunda é que achar que uma teoria psicológica é singularizante a priori, implica em uma conseqüência seríssima que é a de não ter cuidado com a nossa prática, e correr o risco de utilizar uma ferramenta de emancipação em prol de infantilizações, culpabilizações e modelizações.

E no mais, salve o compositor popular!

sábado, 26 de julho de 2008

Massafeira Livre - Fotos

MASSAFEIRA LIVRE

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