quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Massafeira 30 Anos & Manifesta!




Dia 18 de de setembro de 2010 em Fortaleza no Theatro José de Alencar, numa virada cultural de 13 horas seguidas das 18 hs às 7 hs da manhã (dia 19) foram lançados oficialmente o Livro e Discos Massafeira 30 Anos dentro do festival de artes Manifesta!

Uma multidão de 5.000 pessoas ocupou todos espaços do Teatro e Praça e Jardins do José de Alencar, para assistir e participar das performances de mais de 350 artistas das diversas áreas - música, poesia, literatura, cinema e vídeo, artes plásticas, dança, humor, instalações e varias outras performances.







15/9/2010

Trinta anos depois de seu lançamento, o disco "Massafeira" ganha reedição em CD, encartado num livro coletivo sobre o antológico encontro de artistas cearenses. O material será lançado sábado, com 12 horas de atividades culturais no mesmo Theatro José de Alencar que recebeu o evento original.

Até lá, o Caderno 3 recorda, em uma série de matérias, histórias do encontro que em 1979 uniu som, imagem, movimento, gente.

Depois das diversas comemorações e homenagens aos 30 anos do show Massafeira Livre que aconteceram em março passado, será finalmente lançado oficialmente o álbum duplo Massafeira em CD remasterizado.
A nova edição do disco, um dos registros mais importantes da música cearense, vem encartado no Livro "Massafeira 30 Anos - Som Imagem Movimento Gente".

O lançamento será marcado por um evento multimídia, reunindo também artistas do coletivo ManiFesta, no sábado, 18 de setembro, a partir das 18 h, em várias dependências do Theatro José de Alencar.

Com entrada franca, todos os espaços do TJA serão ocupados por artistas da música, dança, literatura, teatro, intervenções, teatro, cinema e vídeo e exposições de fotografias, quadros e esculturas.

No palco principal, acontecerá um encontro de gerações musicais em que se apresentarão Ednardo, Rodger Rogério, Calé Alencar, Lúcio Ricardo, Chico Pio, Régis e Rogério, alguns dos remanescentes do Massafeira Livre, e artistas que se destacam na atual cena musical cearense, como Vitoriano, Daniel Medina, Breculê, Jonathan Doll, Coletivo Bora! e Renegados, para citar alguns.

A programação começa ao final da tarde, e, se estendendo até 6 da manhã de domingo.

Imagens inéditas filmadas durante a Massafeira Livre em 1979, em negativo 16mm, serão exibidas durante o evento.

Com a intenção de dar continuidade ao documentário, será realizado durante a noite um filme coletivo ao vivo, em que o público poderá colaborar levando suas filmadoras, máquinas fotográficas e até câmeras de celular, para captar imagens durante a realização do evento.

Livro

Reunindo textos de diversos autores, como Calé Alencar, Rosemberg Cariry, Brandão, Mona Gadelha, Ruy Vasconcelos, Michel Platini, Gilmar de Carvalho, Henilton Menezes, Eleuda de Carvalho e Fausto Nilo, o livro foi organizado pelo cantor e compositor Ednardo, que também contribuiu com um texto.

A publicação conta com muitas imagens inéditas, fotos registradas por Gentil Barreira, ilustrações assinadas por Brandão, fotogramas do filme realizado por Ednardo durante a Massafeira, imagens de Rosemberg Cariry, além de trabalhos de vários outros artistas.

A oportunidade de avaliar a importância do resgate e da permanência da Massafeira até os dias de hoje vem abrir espaço para a discussão sobre as políticas culturais e a movimentação artística local, propondo a criação de novos projetos que proporcionem um funcionamento mais efetivo de toda a cadeia produtiva das artes no Ceará.

Esse esforço já possibilitou a criação de grupos como a ACR, Associação Cultural Cearense do Rock (1998); Acemus, Associação Cearense dos Músicos (1997); Clube Caiubi de Compositores (1998); Bora! Ceará Autoral Criativo (março de 2010) e, mais recentemente, ManiFesta.

Para Ednardo, o lançamento do pacote Massafeira Livre em Livro e CD representa a realização de um sonho. "Além do registro de todo esse material iconográfico e em áudio, inclusive vai ser exibido sábado um filme inédito gravado na Massafeira.
"Creio que vai dar um gás para essas novas gerações que vieram de trinta anos para cá, como um parâmetro de empolgação e que assim eles reconheçam que podemos repetir isso coletivamente outras vezes".

Sobre esse intercâmbio com o novíssimo Pessoal do Ceará, Ednardo acredita que é importante que os artistas de sua geração se envolvam musicalmente com os atuais e trabalhem juntos também nos palcos.
"Creio que os integrantes do ManiFesta vão dar uma gigantesca contribuição ao evento, com o mesmo entusiasmo que ocorreu na Massafeira", aposta o compositor.
"É uma nova galera que está surgindo e pode dar continuidade ao espírito da Massafeira, essa energia de estoque que o sol tem para se pôr e nascer no dia seguinte", filosofou o autor de "Terral" e "Pavão Mysteriozo".

Fique por dentro

A Massafeira Livre

Em março de 1979, o Theatro José de Alencar, em Fortaleza, abriu suas portas durante quatro dias para mais de 400 artistas, entre músicos, poetas, atores, dançarinos, artistas plásticos, fotógrafos e cineastas, engajados em apresentar suas manifestações artísticas autorais.

Foi a Massafeira Livre, um movimento cultural coletivo, que envolveu um grande público e revolucionou o conceito das apresentações tradicionais no Ceará, estendendo o evento por mais de 6 horas em cada dia.

Como a música teve um destaque especial, o movimento gerou um disco duplo que em 1980 lançou grandes nomes da cultura cearense e deixou marcada na história a determinação desses jovens artistas.

Na época, já eram destaques nacionais e cantam no disco intérpretes e compositores como Ednardo, Belchior, Fagner, Rodger Rogério, Teti e Petrúcio Maia.

O álbum duplo também tinha as vozes dos então novatos Lúcio Ricardo, Ângela Linhares, Chico Pio, Ana Fonteles, Régis & Rogério, Tânia Cabral, Calé Alencar, Mona Gadelha, Pachelly Jamacaru, Ferreirinha (hoje Francisco Casaverde), Graco, Vicente Lopes, Wagner Costa, hoje Tazo Costa e Sérgio Pinheiro, entre outros.

NELSON AUGUSTO
Repórter




Uma grande "virada cultural", das 18h de sábado às 6h de domingo, movimentou a casa de espetáculos.


"Clareia, manhã, clareia / Abre os teus dedos, manhã / E deixa essa casa cheia / Do teu cheiro de romã".
Com casa cheia ao longo de 12 horas de shows, cortejos, exposições, performances de dança, teatro e poesia, uma grande "virada cultural" marcou a celebração dos 30 anos do disco "Massafeira Livre" e o lançamento de sua reedição em CD, acompanhada de livro.

Como nos versos de "Aurora", composição de Ednardo e Belchior presente no disco, o Theatro José de Alencar permaneceu lotado, madrugada adentro, para um encontro entre o público e artistas cearenses de várias gerações.

Ao longo da semana passada, o Diário do Nordeste publicou uma série especial de matérias sobre o tema.
Como destaque da noite, compositores e intérpretes remanescentes da Massafeira, realizada em 1979 no mesmo TJA dando origem ao LP lançado no ano seguinte, subiram ao palco para apresentar as canções do disco. Emoção compartilhada com a plateia, atenta a melodias que atravessaram três décadas.

Se muita gente não conhecia as músicas a ponto de cantar junto (o próprio Ednardo, idealizador do novo evento, se desculpou por ler as letras de algumas canções), foram unânimes os aplausos diante de um reencontro de tantas simbologias.

Enquanto muitos espectadores que participaram da edição original da Massafeira vibraram com a chance ver artistas como Régis e Rogério Soares, Calé Alencar e Chico Pio se revezando no palco, outros não escondiam a surpresa diante do primeiro contato com as interpretações marcantes de Lúcio Ricardo e Rodger Rogério.

Ao final do show, todos se reuniram para entoar, agora sim em companhia da plateia, "Enquanto engoma a calça". "Porque cantar parece com não morrer...".

Encerrado pouco depois das 23h, o show marcava apenas o início da maratona artística nos vários espaços do TJA: do teatro Boca Rica ao Morro do Ouro, da calçada aos jardins.
A aproximação veteranos e jovens representantes da música cearense foi exemplificado pela presença de grupos como o Breculê e os Renegados, além dos compositores integrantes do movimento Bora! - Ceará Autoral Criativo, entre diversos nomes de outras linguagens.

O público se manteve numeroso ao longo da madrugada, confirmando a demanda por uma "virada cultural" em Fortaleza. Segundo a produção, cerca de 4 mil pessoas passaram pelo TJA, aplaudindo aproximadamente 350 artistas. Em uma noite memorável.

DALWTON MOURA - EDITOR DO CADERNO 3
Fonte: Diário do Nordeste

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Passeio Público - Ednardo

PASSEIO PÚBLICO
Ednardo



Hoje ao passar pelos lados
Das brancas paredes, paredes do Forte
Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos
Ganidos de morte

Vindos daquela janela
É Bárbara, tenho certeza
É Bárbara, sei que é ela
Que de dentro da Fortaleza
Por seus filhos e irmãos
Joga gemidos, gemidos no ar
Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão loucos
Tão loucos foi Bárbara sonhar

Se deixe ficar por instantes
Na sombra desse baobá
Que virão fantasmas errantes
De sonhos eternos falar
Amigo que desces a rua
Não te assustes, não passes distante
Procura entender, entender
Entender o segredo
Desse peito sangrante

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Música e Letra de Ednardo sobre Bárbara de Alencar a heroína da Confederação do Equador. Este movimento político revolucionário com caráter de emancipação republicana contra a monarquia de D. Pedro I, aconteceu em vários estados nordestinos entre os quais Ceará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Bahia, por volta de 1817 a 1824.

Depois volto a falar sobre a Confederação do Equador.

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Ednardo é o entrevistado do Jornalista Ancelmo Gois, no próximo domingo (dia 29 de agosto) às 18 horas, no programa "De Lá pra Cá" na TV Brasil.
Neste programa dedicada à Bárbara de Alencar - heroína cearense da Confederação do Equador Ednardo cantará a música "Passeio Público" que gravou em 1976 no disco Berro.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Ednardo - A História da Música

Ednardo no Programa História da Música (1 de 3)

proghistoriadamusica — 11 de junho de 2010 — Ulysses Gaspar conversa com Ednardo no Programa História da Música, exibido pela TVC (Canal 5 - tv aberta e canal 17 - net) todos os sábados às 22h30, com reprises nas terças às 23hs.





Ednardo no Programa História da Música (2 de 3)





Ednardo no Programa História da Música (3 de 3)



terça-feira, 8 de junho de 2010

Trilhas de Amarcord - Nino Rota



Sugestão de Claudete Jucá para o blog Zeca Zines,

Agradecido conterrânea, gostei da sugestão.

domingo, 16 de maio de 2010

Aos Meus Heróis - Julinho Marassi e Gutemberg


Uma dupla interessante do interior do Rio de Janeiro - Nem tudo está perdido , mas ao mesmo tempo falam do passado realizado por outros para se incluir no presente, talvez seja esta a forma possível no momento, vamos ficar atentos às suas próximas músicas.




E a turma canta junto em Barra Mansa - RJ, parece ser também uma empresa que promove os artistas no local.





É preciso ver e escutar tudo o que está acontecendo no Brasil, não só na televisão e nas rádios "normais" que são os que menos demostram em suas programações a diversificação musical brasileira.

Se de um lado os autores desta música demonstram seus apreços de forma "saudosa" e honram seus heróis, de outra forma desconhecem fatores que levam de tempos em tempos artistas serem retirados do mass mídia em troca de "cérebros" ou "corpos" mais jovens portanto pouco experientes e portanto mais "utilizáveis" por desconhecimentos das lides e que serão por sua vez substituídos por outros em uma velocidade voraz.

Mucuripe

Música inaugural da parceria Fagner e Belchior do Pessoal do Ceará, nos inícios da década de 70, posteriomente interpretada por Elis Regina.




Indicado por Claudete Jucá

sábado, 15 de maio de 2010

Corações Guerreiros

Foto: Edilmar Soares

Gilmar de Carvalho reflete sobre a formação da cultura cearense, as características que nos fazem exímios artesãos e iconoclastas sem passado.


Gilmar de Carvalho - especial para O POVO 08 Mai 2010




É sempre oportuna a discussão sobre a cultura no Ceará. À medida que falamos, jogamos luz sobre as áreas de sombras, revolvemos o que se esconde por trás do verniz das aparências e chegamos mais próximos dos ``corações guerreiros``, como canta o Hino do Estado, com letra de Thomaz Lopes e composição de Alberto Nepomuceno.
Pode-se pensar na importância indígena (muitas etnias) na formação do tripé com a herança africana (diversas nações) e a contribuição lusa (com traços mouros e judaicos, dentre outros). No nosso caso, esta herança tem sido negada desde sempre.

Decreto de 1861 rejeitava esta presença. José de Alencar foi forte e inaugurou com Iracema uma base simbólica para nossa fundação, propondo um relato mítico que se atualiza hoje com a presença estrangeira e o mercado do sexo e afirmando nossa condição indígena.
A negação persiste por parte de quem teme que não vinguem seus projetos de siderúrgicas, refinarias e termoelétricas na terra dos Anacés, por exemplo. Esta insistência da negação revela o lado perverso de uma não aceitação do que somos, como se buscássemos uma idealização que o espelho insiste em não refletir.

A partir daí, tudo dá voltas, se mascara e complica um ponto nodal, porque o que somos depende de uma atitude que implica a aceitação de limites, a quebra de estereótipos (irreverência, hospitalidade, etc) e a (re)construção madura de um estatuto e de uma condição.
Nossa história é uma história de lutas e de adequação a um meio adverso. O areal das primeiras crônicas, a dificuldade de desembarque, as secas, tudo nos levou a saídas em que buscamos a criatividade e a sobrevivência.

Nossa tradicional habilidade vem daí. Aprendemos a conviver com o meio e trabalhamos, sem nos darmos conta, muito bem a relação da natureza com a cultura. Por isso, bordamos, somos seleiros, ceramistas, esculpimos. Vamos do utilitário ao estético (que não se contradizem) num piscar de olhos. Nossa cozinha também é um lugar de resistência. Trabalhamos bem as sobras e o que nos legou um chão árido. Nossa farinha vai da paçoca ao pirão. E assim por diante...
Somos nômades e isso já foi dito muitas vezes antes. Falam em ciganos e insistem que somos judeus brasileiros. Não faz muito sentido. Saímos daqui pelas condições adversas que se nos apresentam.

A ``síndrome do carneiro`` foi proposta por Augusto Pontes, em parceria com Ednardo. E se voltávamos em emissões das redes de televisão, voltamos mais ainda hoje, com a Internet e com novas mídias que se antecipam interativas.
A rigor, as elites do século XIX precisaram do êxodo para uma afirmação na Corte (Alencar, Araripe Jr, Nepomuceno, Beviláqua, Capistrano). Hoje, nem tanto. Os intelectuais do século XIX talvez intuíssem que somos fortes quando nos juntamos.

Sozinhos, valemos pouco diante das regras do mercado. Nossos ancestrais africanos deixaram os maracatus. Plangentes e doloridos, os cortejos foram jogados no meio do carnaval, quando não têm nada de dionisíacos.

E mesmo os cultos afros foram tratados com o caso de polícia até a primeira metade do século XX, que o diga o antropólogo Ismael Pordeus. Sobre os portugueses, trouxeram uma língua que nos une e nos dá liga.
Além disso, temos festas dos caretas, pastoris, encenações de folguedos e uma literatura da voz (cordel) que se junta com a cantoria na atualização de uma herança trovadoresca. Temos um certo fascínio pelo colonizador. Se Iracema se apaixonou pelo branco Martim, nos embevecemos depois pelos pianos franceses, pelas roupas de casimira e pelas luvas. Ficamos fascinados pelos gringos que trouxeram os jipes, uma bebida estranha, que não sabemos de que é feita e que montaram uma base aqui durante a Segunda Grande Guerra.

Hoje, algumas meninas ainda aguardam voos que chegam da Europa como um sonho de Cinderela que nunca se concretizará.
O deslumbramento é atávico e atrapalha a construção de um jeito que tenha ver com nossa ``matutice``, com nossa grossura e com nossos valores. Isto nos leva para o campo escorregadio da paródia e da caricatura, das quais tratam tão bem nossos humoristas.

Somos novidadeiros e iconoclastas. Adoramos passar um trator por cima de um prédio histórico e tratamos a memória como se fosse um sambaqui. Aqui ela não é retomada e atualizada.

Antes, ela se transforma em camadas que pisamos e negamos, até que venham as escavações e mostram os cacos do que fomos e poderíamos ter sido se não tivéssemos triturado tudo em nome de um ideal de progresso que não se sustenta.
Complicado viver no Ceará. Pensar a cultura, mais complicado ainda, tamanho o vaivém a que somos impostos pela mídia, pelas políticas culturais equivocadas e pelo aparato de uma incipiente Indústria Cultural.

Não se trata de querer encontrar vilão. Somos todos culpados. Ficamos quietos quando devíamos gritar e somos cúmplices da nossa sujeição.

Uma panorâmica mostraria momentos importantes, como a Padaria Espiritual, quando conseguimos nos antecipar, em 30 anos, aos pressupostos modernistas que viriam à tona com a Semana de Arte Moderna, em 1922.
Podemos pensar na religiosidade sertaneja que nos deu o padre Ibiapina, matriz das prédicas do Conselheiro e da prática do padre Cícero. Estivemos presentes ao romance social dos anos 1930. Combatemos as oligarquias na Revolução de Outubro, deste mesmo ano, para depois criarmos outras oligarquias.
Também fomos fortes com movimentos como o Clã, a Scap que revelou Aldemir e Bandeira, o Pessoal do Ceará que ainda hoje cantamos (vem um disco lindo da Mona Gadelha por aí, chamado Praia Lírica). Enfim tivemos picos e muitas baixas. Demos o que falar. Fomos importantes e nos esvaziamos.
Esta constatação não é nostálgica. O melhor está sempre por vir. O que é verdadeiro é que não soubemos construir algo que tenha impacto na cena nacional ou que vá além da ditadura do mercado, que se insinue pelas frestas, como algo inovador, contestador e forte.
Parte disso tudo se deve à política dos editais, uma forma de domesticar o impulso crítico de uma geração que vive das migalhas de uma legislação questionável. No que se refere às construções teóricas, vamos dos cronistas, interessantes pelas informações que trouxeram, aos impressionistas.
Pode-se pensar num diálogo com uma história cultural que vai nos levar a Canclini e Barbero, mas nem tudo se reduz às hibridações e aos sincretismos (Canevacci). Temos especificidades que precisamos compreender melhor. Sem futurologia, estamos perplexos diante dos novos rumos que se antecipam.

Não sabemos como vai ser. Provavelmente, ainda embarcaremos, por algum tempo, nas muletas teóricas que servem como panacéias. Enquanto isso, no dia a dia, no trabalho calado e sem refletores, a tradição tece sua trama, o hoje se afirma com suas ``gambiarras`` e vamos em frente, aos trambolhões, porque não se pode voltar atrás quando se está com os pés na estrada.


Gilmar de Carvalho, jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da UFC

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Homenagem a Cláudio Pereira



Zeca Zines presta uma justíssima homenagem, ao Cláudio Pereira, querido por todos os artistas e culturais cearenses das mais diversas áreas. Na década de 70 foi residir na Beira Mar vizinho ao Bar do Anísio, e sua casa sempre de portas abertas era frequentada por artistas como Ednardo, Fagner, Belchior, Rodger Rogério, Brandão, Teti, Augusto Pontes, (outro agitador cultural que também se foi no ano passado), jogadores de futebol, jornalistas.

Por ter o vital espírito agregador de juntar todas formas de culturas artísticas em momento muito difícil da política brasileira, Cláudio Pereira, foi perseguido pelo sistema militar vigente, foi preso diversas vezes, perdeu empregos, mas nunca perdeu seu bom humor e a forma muito especial de ver com esperança as pessoas e o mundo.



A cultura do Ceará perdeu dia 12 de maio de 2010 a energia e o espírito gregário de Cláudio Pereira. Produtor, gestor e principalmente "agitador" cultural, Cláudio prestou vasta contribuição a vários setores das artes cearenses. Sem nunca escrever um livro, pintar um quadro ou compor uma canção, Cláudio Roberto de Abreu Pereira prestou uma enorme contribuição à literatura, ao teatro, às artes visuais e à música do Ceará.

Agregador de artistas, incentivador de talentos, mentor e realizador de múltiplos projetos, o jornalista e produtor, que se despediu na madrugada de ontem, aos 66 anos, vítima de infecção generalizada, foi um dos nomes centrais para o cenário cultural cearense, da década de 60 à atualidade.

Um longo período, durante o qual Cláudio, nascido em Columinjuba, Maranguape, e conhecido pelas convicções políticas, atuou em diversas frentes: do Grupo Universitário de Teatro e Arte - Gruta, criado por ele na mobilização estudantil nos anos 60, à produção de eventos e às participações em programas de TV, em tempos mais recentes. Passando pela contribuição direta na gestão cultural, na Fundação de Cultura da Prefeitura de Fortaleza, que ajudou a fundar em 1985 e dirigiu ao longo da maior parte da década seguinte.

Estudante do Liceu do Ceará, onde já produzia jornais e articulava eventos de cultura, foi preso e torturado durante a ditadura militar, como registrou em entrevistas. Formado em Direito, trabalhou como jornalista, escrevendo para diversos veículos. Foi funcionário do Banco do Nordeste, cargo do qual, segundo relatos de amigos, se aposentou após o acidente, em 18 de novembro de 1973, que o deixou em uma cadeira de rodas.

"O Pereira era onipresente, tava em muitos lugares ao mesmo tempo. Em uma noite ia a cinco, seis eventos, mesmo de cadeira de rodas", recorda o compositor e ator Rodger Rogério. "Fazia as caravanas culturais nos anos 60, levando artistas de Fortaleza pra Sobral, pro Cariri, até pra Argentina, pro Chile... Ele já tinha página em jornal em 64, 65, por aí, e divulgava os artistas cearenses. Deu uma contribuição muito grande pra música, pro teatro, pras artes de uma maneira geral", desfia Rodger Rogério compositor do Pessoal do Ceará.

"O Cláudio foi o grande animador e a grande referência intelectual da nossa geração, junto com o Augusto Pontes. Eles não se afinavam, mas foram gurus de uma mesma geração", aponta Alano de Freitas, artista plástico e compositor. Uma missão que Pereira seguiu cumprindo, apesar das adversidades.

GILMAR DE CARVALHO - professor e escritor.

O grande legado do Cláudio foi a agitação, condição que ele levou às últimas consequências de estimular as pessoas e fazer com que elas criassem e interferissem no marasmo da cidade. Desde o final dos anos 80, esteve presente em quase todos os movimentos culturais. Sempre me impressionou sua vitalidade, sua energia e sua vontade de viver.

FRANCIS VALE - cineasta.

Fortaleza perdeu uma das pessoas mais importantes no campo da cultura nos últimos 40 anos. Lembro que nos anos 60, fundou o Grupo Universitário de Arte da UFC. Organizou, ainda nos anos 60, um importante Festival de Música. Ele implantava em Fortaleza as mesmas ideias de grupos como o "Opinião" e dos Centros Populares de Cultura. Outro grupo que Pereira fundou foi o Cactus, um grupo musical que trouxe à cena Nonato Luiz e Rodger Rogério.

AUTO FILHO - Secretário da Cultura do Estado.

Cláudio Pereira era um ativista do partido da cultura, foi diretor do MIS-CE, secretário da Cultura de Fortaleza e contribuiu para o desenvolvimento do setor. Soube usar, ocupar e viver a cidade, como poucos. A cultura cearense lamenta a sua morte.

DALWTON MOURA
Reporter do Diário do Nordeste

O "DOM QUIXOTE" DA CULTURA

A relação de Cláudio Pereira com os jornais nem sempre foi cordial, nos 12 anos em que ele dirigiu a Fundação Cultural de Fortaleza, até maio de 1998. As críticas à sua gestão, prolongada ao longo de vários mandatos, eram inúmeras.

Cláudio rebatia muitas, mas concordava com outras. Na verdade, Pereira sempre foi um agitador cultural. E nunca teve nem dinheiro, nem poder suficiente para levar à frente seus inúmeros projetos.

Mesmo assim, fez muito pela cultura de Fortaleza, também quando dirigiu a Funcet.
Sua demissão do órgão o deixou decepcionado. Cláudio não aceitou bem o fato. E saiu atirando.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, deu uma velha e surrada desculpa: estaria saindo para tratar de problemas pessoais. Na verdade, Pereira estava sendo "fritado" pelo prefeito Juraci Magalhães.

Na mesma entrevista, Pereira revelou publicamente o câncer do então prefeito, notícia desmentida na ocasião pela assessoria do político, mas logo confirmada. Cláudio estava comovido durante o desenrolar da entrevista, realizada em seu gabinete na Funcet, em maio de 1998.

"Minha decisão vinha sendo amadurecida há meses, mas com a doença de Juraci - o prefeito tem câncer - resolvi recuar", disse. Na verdade, foi abandonado e seu processo de desgaste avançava a passos largos.

Acuado, deixou o cargo. Ressentido..Pereira foi, na verdade, um "Dom Quixote" da cultura. Bateu em várias portas, de chapéu na mão, em busca de verbas para tocar seus projetos. Moveu moinhos de vento. Foi chamado pejorativamente de "animador de quermesses". Até gostava. Pois, para ele, o mais importante era a cultura. Nunca escondeu o fato da falta de verbas e apoio para a área.

A comparação com o então secretário Paulo Linhares veio logo. Só que o governo Tasso Jereissati investiu mais no setor. E Juraci, não. Na verdade, debatiam-se, então, as políticas culturais postas em prática tanto pela Secult quanto pela Funcet.

Existia, de fato, uma política cultural no Estado? Ou apenas uma bem pensada estratégia de divulgação do Estado através da cultura? As discussões envolviam artistas, gestores e jornalistas e costumavam ser acirradas.

Cláudio Pereira, o "primo pobre", levantou várias bandeiras na periferia de Fortaleza, aproveitando festas como o Carnaval e o São João. Festas juninas e o pré-carnaval, hoje estruturados, devem muito ao seu trabalho. Instituiu ainda festivais de teatro e de vídeo e os prêmios Paurillo Barroso e Eduardo Campos. Todos criados por leis municipais.
Hoje, jogados para baixo do tapete.

Pereira sempre repetia uma frase nas suas inúmeras entrevistas. "É até um lugar comum - dizia - mas sem investimento em cultura e educação vamos permanecer no estágio de subdesenvolvimento em que nos encontramos".

Estágio em que, ainda hoje, continuamos, apesar de alguns avanços conseguidos nos últimos anos. Um debate que, tão comum naqueles anos, deveria ser retomado.

JOSÉ ANDERSON SANDES
Editor do Caderno 3 - Diário do Nordeste

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A SAIDEIRA FICA PRA DEPOIS
Jornal O POVO
Alinne Rodrigues

Era dia 12 de setembro. O ano, 1982. No Teatro do Ibeu, Gilmar de Carvalho se preparava para a estreia do seu O Dia em que vaiaram o Sol na Praça do Ferreira.

``Estas são as pessoas que escrevem ou escreveram a verdadeira história do Ceará, no que ela tem de mais autêntica``, dizia um personagem no palco, enquanto apresentava Zé Tatá, Siri e Cláudio Pereira, ``o aleijado que não se manca``.

No espetáculo, como na vida do jornalista, o que dava o tom era a fuleiragem. Ainda solteiro, em uma viagem de carro, sofreu um acidente entre Recife e João Pessoa. Foi desacreditado pelos médicos, mas, obstinado, conseguiu reabilitar parte dos movimentos e se locomover com a ajuda de uma cadeira de rodas.

Nunca perdeu o bom humor. ``Quando eu nasci, caiu o neofascismo na Itália, e, logo em seguida, caiu a Ditadura Vargas. Então, acho que nasci muito no astral da liberdade``, disse, oito anos depois daquela estreia, em entrevista ao O POVO.

Liberdade essa que Cláudio honrou, depois de uma vida de boemia, aos 65 anos, se foi sem pedir a saideira.

Filho de uma família imensa, a dos Abreus & seu sobrenome por parte de mãe &, ele não seguiu a tradição: teve 23 tios, 11 irmãos, mas nenhum filho.
O amor, no entanto, não lhe faltou. Casou-se, em 1979, com a professora Martine Kunz. "Eu tenho uma tese de que o amor é um coquetel que envolve o querer bem, depois o gostar, se sentir bem com a pessoa, respeitar, o companheirismo, e tem que ter tesão, porque, senão, não tem graça``. Foi assim com Martine até os últimos dias.

Nome-chave para a cultura cearense, Cláudio Pereira começou sua militância bem jovem, na década de 1960. Reunia os amigos do Liceu um deles, Fausto Nilo e colocava todo mundo para tocar. Organizava festivais por aqui com Fagner e outros tantos nomes ali ainda desconhecidos e depois dava de excursionar com todos os eles. Das viagens, veio o Pessoal do Ceará. A união não era somente artística. Com Fausto, ele fundou jornais e participou do movimento estudantil. "Fui preso várias vezes, fui muito torturado``, revelou na mesma entrevista.

Em 1985, quando começavam as primeiras conversas sobre a criação de uma secretaria de cultura, ele não acreditava. Era uma utopia. Naquele mesmo ano, acontecia a primeira eleição direta para prefeito pós-ditadura. Cláudio, de tão engajado, mantinha, na própria casa, um subcomitê. No entanto, seu candidato, Paes de Andrade, perdeu a disputa. Vencedora nas urnas, Maria Luíza Fontenele, primeira mulher eleita pelo Partido dos Trabalhadores para comandar uma capital de Estado, acabou convidando o jornalista para integrar sua equipe.

SUPERAÇÃO EM MOVIMENTO

Em sua "cadeira voadora", Cláudio Pereira espalhou pela Fortaleza, que cresceu e fez crescer, uma série de exemplos positivos, convidando a cidade a se experimentar de novas formas, superando limitações e obstáculos, desde os físicos aos ideológicos

Maria Luiza Fontenele especial para O POVO

Ao redigir este depoimento recebi várias ligações, todas de pessoas querendo dizer da sua dor, ressaltando, outrossim, a figura extraordinária de Cláudio Pereira, pela amizade, pela sensibilidade e acima de tudo, pela sua tenacidade em superar limites.

Cláudio, na sua juventude, marcou a história do Ceará junto aqueles que, na década de 1960, buscavam ``tomar os céus de assalto``. Ele era, sem dúvida, um contestador cheio de boemia, criatividade e irreverência. Dizem que, numa tentativa de invasão da Polícia ao Estoril (em busca de maconha) ele sugeriu: "Recebamos os policiais com palmas`` - ato que desarmou a caçada. Ao sofrer acidente que lhe deixou tetraplégico, fez da limitação a marca da superação. Ao atrair apoios, extravasou o seu espírito solidário. Não discriminava, acolhia, ousava.
Com esta roupagem abraçou a proposta de Presidente da Fundação de Cultura e Turismo da Administração Popular. Agigantou-se na tarefa de fazer de cada canto da Cidade um espaço para a arte, para a cultura e no esforço de amealhar recursos no sentido de assegurar projetos inusitados no âmbito da diversidade, como o de combate à discriminação aos portadores do vírus HIV, com a distribuição de preservativos, num tempo de pavor a aids.

De igual forma mostra a sua tenacidade ao transformar o local que, no período da ditadura fora dependência de tortura, na sede da Fundação Cultural com shows, espalhando sons pelos jardins do Paço Municipal. Cláudio era essa pessoa incansável quando o assunto era quebrar preconceitos, romper barreiras e garantir para todo artista um lugar ao sol.

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Parabéns Brasilia - 50 Anos

Neste 21 de Abril de 2010 - Brasília completa 50 Anos de sua fundação como cidade e Capital Federal do Brasil. Para homenagear esta cidade, Zeca Zines escolhe esta música de Ednardo gravada em 1980 no disco Imã na gravadora CBS, atual Sony Music.

Serenata pra Brazilha
Ednardo

É uma ilha solitária, mil sotaques
Uma trilha que descobre uma babel
Encruzilhada de destinos, super homens, super quadras
Multisolidão

Presente em teu futuro, teus meninos, tuas meninas
Tuas asas navegar sei que é preciso
Alguns trazem de ti, flor do cerrado
Eu sempre que te vejo, planto roçados
É que quando me visitas, realizo
Trazer-te sempre-viva

Cidade-Avião, vôo rasante
Aero-Planta do Alti-Plano do chão
Cidade-Planeta, desaguar de viajantes
Espaço-Porto, Cosmo-Visão

Quase que descubro a todo instante
Um lugar, uma semelhança à minha terra
Uma coisa indefinida, uma quimera
E penso ver no rosto de algum novo habitante
A imagem próxima e distante
De minha primeira namorada

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Ednardo é um dos compositores brasileiros que tem estreitos laços musicais e afetivos com a cidade de Brasília, não só com a cidade, mas também com compositores e músicos que lá residem ou residiam, na década de 70 e 80, 90, e muitos amigos e amigas e um público que admira e curte sua obra artística de forma constante.

Tem parceiros residentes em Brasília, lançou discos como produtor de compositores residentes em Brasília, Climério, Clodo e Clésio, os Ferreiras, tem amizades com a turma de Cinema Braziliense para a qual realizou trilhas musicais - Pedro Jorge de Castro e outros cineastas.

Em Brasília, durante a década de 70, vários artistas e compositores e autores cearenses residiram, entres os quais Augusto Pontes, Rodger Rogério, Teti, Fausto Nilo, Fagner, Mércia Pinto, José Evangelista (Dédé Evangelista), e outros.
Lá, támbém foram realizadas muitas parcerias musicais e de produções de discos entre os cearenses e compositores piauienses - Clodo Ferreira, Climério Ferreira, Clésio Ferreira, - dos quais Ednardo produziu e lançou o disco São Piauí pela gravadora RCA, e também realizadas trilhas para os filmes Tigipió; No Calor da Pele, ambos de Pedro Jorge de Castro com trilhas musicais de Ednardo.

Enfim, é uma Trilha que descobre uma Babel, como está escrito na música SERENATA PRA BRAZILHA de Ednardo. Note-se que BRAZILHA com Z e com ILHA no título da música é uma sacada genial do compositor e poeta.

domingo, 4 de abril de 2010

O Pavão Volta a Voar

Transcrito do Jornal Diário do Nordeste - Fortaleza 25 de março de 2010.
Repórter - Síria Mapurunga

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"O Romance do Pavão Mysterioso" (1974), disco de Ednardo, ganha reedição da Sony, em pesquisa de Charles Gavin, ex-baterista dos Titãs.

Uma história do tempo em que, falando de começos, a música cearense alçou os primeiros voos para além dos horizontes alencarinos. "O Romance do Pavão Mysterioso" (1974), de Ednardo, agora relançado em CD pela Sony Music, é de todo comemorado por quem gosta da música daqui.
Nem ele sabia da "surpresa", pois, no momento, dedicava-se a outro projeto da mesma gravadora: CD e livro sobre a Massafeira. "Esse deve ser lançado lá pelo mês de maio, junho. Estou aqui em Fortaleza justamente para sinalizar isso.

A notícia do relançamento do ´Pavão´ tive durante uma reunião com os produtores", conta.Com a beleza de ver as duas "alegrias" lançadas no mesmo ano, Ednardo liga, logo de cara, "Pavão" à importância de ter sido seu primeiro disco solo, com o qual abriram-se as portas para o Sudeste.

O anterior foi "Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem", com Rodger e Téti, um ano antes, 1973."
´Pavão´ foi um disco inaugural de certa forma. Considero representativo de minha carreira porque é um cordel urbano.

Fala das memórias, uma história que eu poderia dizer quase abrangente da nossa saga cearense, essa nossa dedicação à música, às artes".
Com um exemplar em mãos do CD, reeditado por Charles Gavin (ex-baterista dos Titãs), o cantor e compositor descreve a simplicidade do projeto, que não vem com todos os encartes do original, nem as letras das músicas.

"Com essa coisa da internet, é muito fácil ter acesso a elas". Mas o "bacana" mesmo, que ele anuncia, é o preço acessível. "Assim, quem pegaria no camelô, pode comprar o original mais barato".
Shows, agora, só em maio, durante a Virada Cultural, em São Paulo. Depois disso, promete apresentação aqui, em comemoração ao relançamento de "Pavão".

Disco histórico.

Entre canções do passado, período de dura repressão militar, as 12 músicas do CD trazem parcerias "importantíssimas" com o "Pessoal do Ceará", como Augusto Pontes, Tânia Cabral, Fausto Nilo, Belchior (este, compositor só, em "A Palo Seco") e Brandão.

"Nesse disco, pela primeira vez foi cantada "Dorothy L´amour", do Fausto. Lancei para o Brasil", conta.Se de sentimento nostálgico, é o que se vislumbra nas letras, como em "E sem querer então eu esquecia/ Que já não temos tempo pra sonhar", de "Ausência", já Ednardo não vê tristeza na temática.

"Aquela era uma época de saída, quando fui embora do Ceará. É sentimento de quem já tem uma posição, de quem chegou num local e tem o que dizer. Não era tristeza, era a realidade, retrato da ditadura", avalia.

Bem representativo é "Carneiro", que mostra a face da esperança, de um rumo outro, desconhecido ainda por ele e a sua geração. "Amanhã se der o carneiro/ O carneiro/ Vou m´imbora daqui pro Rio de Janeiro/ As coisas vêm de lá/ Eu mesmo vou buscar"."As pessoas se referem a ´Pavão´, por causa da música, quando passei a ser conhecido nacional e internacionalmente, mas esse é um disco que conta uma história completa mesmo. Começa com o "Carneiro", da vontade de sair de um lugar e expandir nossa arte", descreve.E termina, com o perdão da interpretação, em outro bicho, da terra ao ar, o pavão, contendo aquilo que ele fala no texto do disco original: "porque o começo de cada coisa já contém o seu fim". Ao pássaro, Ednardo pede na música (que lhe tornou conhecido por conta da abertura da novela "Saramandaia", de 1976), no afã de viver tudo que ainda teria pela frente: "Me guarda moleque de eterno brincar/ Me poupa do vexame de morrer tão moço/ Muita coisa ainda quero olhar".

Do parceiro (Fausto Nilo)

Junto a "Manera fru fru, manera", de Fagner, ´Pavão´, pensa Fausto Nilo, representam os dois discos fundamentais para o Pessoal do Ceará.
É o início do que ele chama de "uma etapa mais profissional da música cearense", além de "ser um disco excelente artisticamente".
"Foi quando gravei minhas primeiras composições e também a única que tenho com Ednardo: ´Trem do interior´", conta.A música, lembra-se bem, foi do tempo em que morava em Brasília. "É do mesmo ano, acho que 72, quando fiz ´Fim do Mundo´,com Fagner. Meses depois, veio ´Dorothy Lamour´ e ´Trem do Interior´".

quinta-feira, 11 de março de 2010

Disco Ednardo - O Romance do Pavão Mysteriozo - Relançado









O disco Ednardo - O Romance do Pavão Mysteriozo, gravado originalmente em 1974 pela RCA, é relançado em CD em março de 2010 pela Sony Music.


MÚSICAS

Carneiro - Ednardo e Augusto Pontes
Avião de Papel - Ednardo
Mais um Frevinho Danado - Ednardo
Ausência - Ednardo
Varal - Ednardo e Tânia Cabral
Dorothy L'Amour - Petrúcio Maia e Fausto Nilo
Desembarque - Ednardo
Trem do Interior - Ednardo e Fausto Nilo
Alazão (Clarões) - Ednardo e Brandão
A Palo Seco - Belchior
Águagrande - Ednardo e Augusto Pontes
Pavão Mysteriozo - Ednardo



FICHA TÉCNICA


Supervisão Geral - Osmar Zandomenigui
Coordenação Geral - Antonio de Lima
Coordenação Artística e Direção de Estúdio - Walter Silva
Técnicos de Som - Stelio Carlini / G. João Kibelkstis (Joãozinho) / Edgardo Alberto Rapetti
Técnicos de Mixagem - Walter Lima / Edgardo Alberto Rapetti
Fotos - Gerardo Barbosa Filho
Direção de Arte das Capas - Tebaldo
Desenhos - Ednardo
Gravação e Mixagem - Estúdio A da RCA em São Paulo - 16 Canais



MÚSICOS

Arranjos e Regências - Hareton Salvanini / Heraldo do Monte / Isidoro Longano
Sobre idéias de arranjos musicais de Ednardo
Violão e Percussões - Ednardo
Viola e Guitarra - Heraldo do Monte
Flauta e Sax Tenor - Isidoro Longano (Bolão)
Banjo - Luiz de Andrade
Contra Baixo (Acústico e Elétrico) - Gabriel J. Bahlis
Bateria - Antonio de Almeida (Toniquinho)
Tímpanos - Ernesto de Lucca
Tumbadoras - Rubens de S. Soares
Percussões - José Eduardo P. Nazário / Jorge H. Silva / Dirceu S. de Medeiros (Xuxu)
Piano Cravo (elétrico) - José Hareton Salvanini
Flauta / Pícolo - Demétrio S. de Lima
Flauta / Sax Alto - Eduardo Pecci
Clarinete - Franco Paioletti
Oboé - Benito S. Sanchez
Baixo Tuba - Drausio Chagas
Pistons - Sebastião J. Gilberto (Botina) / Settimo Paioletti
Trombones -Roberto J. Galhardo / Antônio Secato
Violoncelos - Ezio Dal Pino / Flabio Antonio Russo
Violinos - Jorge G. Izquierdo / Oswaldo J. Sbarro / Caetano D. Finelli / Dorisa Soares Antonio F. Ferrer / German Wajnrot / Alfredo P. Lataro / Joel Tavares
Participação Especial - Amelinha no Vocal da faixa "Ausência"






"O Romance do Pavão Mysteriozo" é proposta de cordel reinventado a partir de códigos urbanos. O ponto de partida é o clássico, o lado fantástico da literatura popular, num discurso que reforça a crônica da chegada, para voltar ao mesmo tempo.
Agora nosso interesse maior se concentra na recriação da faixa que dá título ao disco. O Pavão Mysteriozo é dos romances mais vendidos nas feiras nordestinas. É a interferência do "aeroplano pavão / ou cavalo do espaço / que imita o avião" do texto de cordel. Ou o "Pássaro formoso / tudo é mistério nesse teu voar / ah se eu corresse assim / tantos céus assim / muita história eu tinha pra contar" da canção de Ednardo.
O que seria um problema de impossibilidade amorosa, a libertação da condessa Creusa da torre de um castelo grego, ganha uma amplitude maior. Impotente, o homem sonha. Acossado, o artista transpõe o real e abre um leque de possibilidades - "Me guarda moleque / de eterno brincar / me poupa do vexame / de morrer tão moço / muita coisa ainda quero olhar"- tão rico e diversificado quanto a cauda dos mil sóis da pena do pavão na capa do disco.
Mas o Pavão é também metáfora para driblar o índex da repressão, em plena vigência do AI-5: "No escuro dessa noite / me ajuda a cantar / derrama essas faíscas / despeja esse trovão / desmancha isso tudo / que não é certo não,". "Um conde orgulhoso / mais soberbo do que Nero" de que fala o poeta popular, seria o mesmo, "Um conde raivoso / não tarda a chegar" da canção de Ednardo.
Só que a consciência deixa aberta a possibilidade de luta ao afirmar que "Nossa sorte nessa guerra / eles são muitos / mas não podem voar". O vôo não como fuga, mas como busca de transposição de barreiras, de saídas enquanto povo, tudo isso dito pelo poeta popular e reinventado por Ednardo que tomou o cordel como ponto de partida para esta canção, uma das vertentes de sua proposta musical.

Mais que a utilização, o recurso a uma forma de expressão popular para a transmissão de uma mensagem, o cordel entra nesta proposta como uma estrutura de gesta nordestina, arraigada ao coletivo e que vem à tona com toda uma proposta de pontuação, secura, contundência. É este material que Ednardo recria com sua vivência urbana, consciência crítica e formação universitária, com seu talento múltiplo e facetado, difícil de ser rotulado, rebelde aos encaixes na engrenagem da máquina.

Gilmar de Carvalho

Trecho do Livro - Referenciais Cearenses na Comunicação Musical de Ednardo
Gilmar de Carvalho
Professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará
Dramaturgo e Jornalista Redator e Publicitário
Revista de Comunicação Social da UFC – 1983





Uma capa é uma EMBALAGEM um ENVO-LUCRO. Que não traduz satisfatoriamente o que está dentro dela, e mesmo porque nem precisa ser assim.
O Pavão é uma coisa bonita que "voa". "Voa" assim como eu enxerguei que ele voasse. Quando li o romance tudo estava daquele jeito -> escrito.
Todas as piruetas que o rapaz fez para livrar a moça do castelo do conde, resultaram num sentimento final anti-repressivo, livremente bonito, sem preocupações, porque o começo de cada coisa já contêm o seu fim.
E eu topei fazer este disco assim, como uma estória, para que ele se impregnasse e fosse irmão desse mesmo sentimento final:
O Vôo, o Rapaz, a Moça, o Pavão, (e eu), sem assumir nenhuma pose * "fox-lórica" e/ou ** "folclórica".
O desenho do pavão foi um jogo de paciência, minha atividade lúdica enquanto o disco não vinha, enquanto não dava o carneiro.

Ednardo

Texto de Ednardo no Livreto de Cordel que acompanhava o disco original com as letras de músicas e ficha técnica do disco.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Pela volta da alegria aos cortejos


Fonte: Jornal O Povo - Fortaleza / Ceará
Entrevista de Descartes Gadelha concedida à Alline Rodrigues
13 de Fevereiro de 2010
Foto: Edmar Soares
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Músico, artista plástico e macumbeiro. Com 50 anos de maracatu, Descartes Gadelha viu passar pela avenida Domingos Olímpio as mudanças que o tempo trouxe para o maracatu cearense. Compositor, já não sabe quantas loas levam sua assinatura.
Perdeu as contas do que escreveu na vida. Para falar a verdade, ele diz que não sabe nem quantas já fez este ano: tem música na avenida, no terreiro, no disco lançado.
A paixão veio ainda na infância, quando vivia pelas ruas de Fortaleza acompanhando os desfiles: das escolas de samba, dos maracatus, dos blocos e dos sujos.
Ainda menino, virou índio no maracatu, mas queria mesmo era ser do batuque. Quando o corpo franzino deu lugar a um ``mais fortezinho``, como ele se define, correu logo para abraçar o ritmo.
Aos 67 anos, o ``seu`` Gadelha faz loas durante o ano inteiro. Na entrevista para o Vida & Arte Cultura, ele fala sobre sua trajetória e a força da loa no universo do maracatu.
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O POVO - De que forma o maracatu passou a fazer parte da sua vida?

Descartes Gadelha - Desde criança eu já vivia pelas ruas brincando Carnaval. Quando eu era pequeno, eu queria entrar na música, tocando na orquestra do maracatu, mas não podia, porque os instrumentos eram grandes, eram pra pessoas fortes, adultas.
Então eu brincava na ala dos índios e em outros setores. Depois eu fui ficando mais fortezinho e comecei a tocar.
Finalmente eu fui desenvolver esse meu lado de ritmista. Porque eu não sou percussionista, sou ritmista: eu preparo uma peça de música percussiva, entrego pra um percussionista, e ele, em cima desse trabalho, faz o show.
O ritmista cria ritmos. Até hoje, já participei de vários maracatus, escolas de samba, sempre fui envolvido na questão da música de Carnaval.

OP - Foi somente depois de compor os ritmos que o senhor passou a compor letras para as loas?

Gadelha - O meu lado de música é muito mais desenvolvido do que o lado literário pras loas.
É tanto que as minhas letras são muito simples. Eu não sou poeta. Eu faço música e, às vezes, de acordo com o trabalho da música rítmica, escrevo.
A cantiga de maracatu é percussiva, mesmo sendo cantada. Ela é criada de uma complexidade rítmica muito grande, é amarrada dentro de um arranjo percussivo e melódico.
É por isso que o poema, a letra da reza, da loa, fica um pouco limitado. Não dá pra poetizar muito. Primeiro que a pessoa tá contando um fato histórico proposto. Depois nós temos que transformar esse fato histórico em música.
Transformando em música, adapta-se pra uma música percussiva, que é a de maracatu. Então eu faço nesse espírito. Eu não sou compositor, mas as pessoas jogam pra cima de mim, e eu tenho que descascar essa batata pegando fogo (risos).

OP - O senhor saberia dizer quantas loas já compôs?

Gadelha - Nem pra este ano eu me lembro quantas eu fiz. Fiz pro (Maracatu) Solar, pra terreiro de macumba. As pessoas encomendam. Eu faço música de encomenda. Ligam e dizem: ``-seu- Gadelha, tem uma loazinha por aí?``. Às vezes por telefone mesmo a gente compõe, porque eu não tenho muito tempo, trabalho com artes plásticas e outras coisas. Mas não sei quantas já fiz porque é uma peça cujo objetivo é só praquele instante do Carnaval. São músicas pobres, jamais posso fazer uma antologia. Eles terminam de cantar na avenida e nem se lembram mais. No maracatu, a música tem a mesma função da lantejoula na roupa. Você prega na roupa, mas esquece que ela está lá.
OP - Quais são as diferenças mais substanciais entre o maracatu cearense e outros maracatus?
Gadelha - O maracatu é um só. Aqui, na Bahia, na França, na Alemanha, onde existe, o maracatu é um só. As diferenciações são devidas à cultura onde ele é processado. A palavra ``maracatu`` foi utilizada em Recife pra substituir a palavra ``congada``, ou ``reinada de congo``. Na sua essência, ele é a manutenção da tradição da coroação dos reis de congo nas igrejas dos pretos, como a do Rosário e a de São Benedito, que em todo o Brasil tem. Essas igrejas eram construídas e destinadas só às pessoas pretas. Nelas aconteciam as coroações das rainhas em uma solenidade e, depois, os pretos iam comemorar tocando seus batuques, e isso foi se desenvolvendo. Em Recife, com o aumento do movimento carnavalesco, esses reinados passaram a fazer parte do Carnaval. Perderam a característica do reinado, da congada, que acontecia em outros meses do ano. Quando entrou pro Carnaval, as pessoas passaram a ridicularizar os grupos de negros que faziam a festa e chamaram de maracatu, pejorativamente. O apelido ficou e passou a ser um substantivo próprio, uma identificação dos maracatus.
OP - E quando essa manifestação chegou ao Ceará?
Gadelha - Onde teve negro, tem essas expressões folclóricas. Como em Fortaleza tinha, chegava negro no Ceará e era distribuído pro Maranhão e outras regiões, aqui tiveram essas festas. Em 1936, 1937, um rapaz saiu daqui, foi passar uns dias em Pernambuco e trouxe a palavra ``maracatu`` para substituir a palavra ``congada``. Retirou e botou maracatu. Raimundo Boca Aberta era cantor, artista.
A essência do maracatu, desde quando o negro chegou ao Brasil, sempre teve. Mas a palavra veio por ele. Os maracatus sempre participavam aqui de determinados eventos: aniversários, batizados, festas religiosas, não como maracatu, mas como grupos de congos. Com a palavra maracatu, o grupo tornou-se mais carnavalesco e passou a ser composto mais por foliões. No primeiro colocaram o nome de Az de Ouro. Os maracatus foram aparecendo e, hoje, Fortaleza é uma cidade que tem mais de 15 maracatus.
OP - É possível apontar a loa como o principal elemento de diferenciação do maracatu feito no Ceará?
Gadelha - Uma diferença substancial não existe, mas o que existe é na música. Em Pernambuco, tem dois tipos de maracatu: o de orquestra, também chamado rural (que utiliza instrumentos de sopro), e o de nação, que utiliza uma música chamada baque. Na senzala, os escravos eram nomeados pelas suas nações: sou um tibungo, um iorubá. Daí eles se identificarem como nação do baque virado da etnia tal. Fortaleza utiliza a palavra nação inconscientemente. Não há razão pra se chamar de nação, porque a música é cearense, com ritmo muito mais pro reinado de congo que pro baque virado. Tende pra uma lentidão, um ritmo menos rápido. Como o cearense é diferente de todas as pessoas & somos o país dos ETs (inclusive a nossa cabeça é de ET) &, então até no maracatu existe essa diferença musical. Ele é bem cearense.
OP - De onde surgem essas diferenças musicais?
Gadelha - Talvez o maracatu do Ceará, aqui de Fortaleza, é o que tenha o que nós podemos classificar como a parte mais original do baião que o Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira criaram. Humberto era cunhado do Lauro Maia, que tinha inventado uma espécie de baião chamada balanceio.
O maracatu dessa época já usava esse ritmo, bem gostoso, bem contagiante. Essa alegria perdurou muitos anos. Só que, quando as televisões e as revistas passaram a publicar as fantasias dos bailes de Carnaval do Rio de Janeiro e das escolas de samba, os donos de maracatu, vendo a beleza plástica das fantasias, disseram que nosso maracatu era pobre: era feito com renda do Aquiraz, algodãozinho, chita.
Foi quando os figurinistas entraram para o maracatu. Isidoro Santos, muito habilidoso, passou a projetar fantasias e introduziu no maracatu essas fantasias pesadas, na década de 1960. A renda foi substituída por lamê, veludo, cetins importados, e o maracatu foi descaracterizado culturalmente.
Perdeu na força folclórica, mas ganhou em showbusiness. Aí é que entra a parte melódica. Como é que se podia dançar com fantasias de 30 quilos? A solução foi acabar com o batuque.
Tiraram a coisa frenética e colocaram um ritmo de enterro, de procissão, muito lento, tristonho, pra ninguém dançar. O importante era o maracatu desfilar com fantasias luxuosas. O ritmo foi pras cucuias.
As fantasias eram lindas, mas o espírito do maracatu se perdeu. Deixou-se de dançar. As pessoas que acompanhavam o cortejo como a um trio elétrico & os sujos, que acompanhavam as rezas, as macumbas belíssimas &, subiram as arquibancadas e foram aplaudir as fantasias que passavam lentamente. E isso foi por tanto tempo que as pessoas começaram a achar que era característica do nosso maracatu.
OP - Essa lentidão está deixando de ser predominante na avenida?
Gadelha - Agora parece que os donos de maracatu criaram juízo e voltaram a tocar o ritmo antigo, como é o caso do Axé de Oxossi, Vozes da África, Baobab, Nação Fortaleza e Solar, do Pingo de Fortaleza. Eles estão se preocupando com a melodia, o ritmo, fazendo o maracatu realmente como ele deve ser, um bloco dançante e não uma marcha fúnebre. Essa aparente renovação é, na verdade, uma volta ao passado. É um masoquismo usar as fantasias pesadas, a cara pintada de preto nesse nosso calor. Às vezes é até uma imposição da comunidade, dos jovens, que só querem brincar em maracatu que seja alegre, feliz, que possa dançar e cantar na avenida.
OP - Quando o senhor compõe loas, opta por que estilo?
Gadelha - O maracatu féretro, de enterro, eu não sei fazer. Não é que eu não queira, é porque não sei. Aprendi a parte rítmica e só sei compor esse gênero de maracatu ritmado.
OP - Qual é a função da loa no maracatu?
Gadelha - Nos maracatus, o objetivo da loa é levantar a arquibancada, animar as pessoas e também relatar um fato. A letra fala de alguma situação relacionada àquilo que o maracatu quer apresentar na avenida. Nos mais lentos, a loa é só pra contar história. Não tem preocupação com ritmo, com a estrutura da melodia, não existem acordes. É como se fosse uma reza. Quase que não tem diferenciação de notas, e o objetivo é ser triste. Nós temos dois que seguem esse estilo aqui: o Rei de Paus, o mais triste de todos, e o Az de Ouro.
OP - Para o senhor, quem foi o maior compositor de loas do Ceará?
Gadelha - Dilson Pinheiro sempre compõe, Pingo de Fortaleza, Calé Alencar, mas o maior de todos é o Raimundo Feitosa, o Raimundo Boca Aberta, o fundador do Az de Ouro. Esse foi insuperavelmente o melhor. Negro, sabia muito bem das suas origens, cantava muito bem.
OP - Hoje é mais difícil encontrar macumbeiros negros?
Gadelha - É interessante isso. Um assunto delicado, mas, do ponto de vista sociológico, é importante que alguém estude. O maracatu é uma das peças da consciência negra. Mas por que um negro, quando desfila no maracatu, é obrigado a pintar a cara de preto? O branco pinta porque é branco e precisa ficar preto pro desfile.
Mas o preto pinta a cara de preto porque o branco ao lado dele também pinta. O maracatu de Fortaleza quer apenas teatralizar uma situação de negritude.
É uma agressão muito grande à consciência negra. Mas é uma agressão regulamentada pela prefeitura, que impõe essa regra pro desfile na avenida.
Existem grupos de negros que não participam do maracatu por se sentirem agredidos. Também é muito comum um homem louro de olhos azuis se transformar em uma negra africana. É totalmente artificial quando se fala de raiz. Por isso que o nosso maracatu é tão avacalhado por outras regiões.
É Carnaval, não é maracatu. Por isso que o Pingo (de Fortaleza, do Maracatu Solar), muito lúcido, aboliu a pintura preta preconceituosa e substituiu por uma pintura colorida. O casal de preto velho é um personagem que tem em todos os maracatus, da umbanda, vai sair com o rosto pintado de branco. Eles estão querendo brincar o Carnaval. Sofrer o maracatu não se faz mais.
OP - Mas essa cor toda no rosto não descaracteriza o maracatu, negro?
Gadelha - A cultura negra é muito feliz, o africano é muito feliz, criou a música planetária. O rock´n roll foi criado em cima da música africana. O samba, os passos do futebol são tudo dentro da dança do samba, do maracatu.
Quando a gente volta pra alegria, tá voltando pra nossa negritude, nossa expressão de cantar, de sapatear. Esse conceito da originalidade do maracatu ser triste, funesto, é um erro de 30, 40 anos e só.
O reinado de congos é uma maravilha de dança. Só que foi criada essa pecha no ceará que o maracatu que foi obrigado a ser triste, por causa de uma pessoa que fez um maracatu triste, duro, como se o negro estivesse levando uma surra no pelourinho.
Eu tô com 67 anos. Na minha infância, nós íamos atrás dos maracatus rodando toda a cidade de Fortaleza, da Praça do Ferreira pra Igreja da Sé, passando pela Dom Manuel, e a praça José de Alencar. Eram 10, 12 quilômetros de batuque. A intenção nossa, minha e do Pingo, é de tornar o maracatu como ele é, uma festa de alegria, de participação.
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A PELEJA DA LEI DO DIABO COM MANÉ VIEIRA E SEU BRAÇO DE FITA

Zeca Zines recebeu o artigo de Antônio Inácio - e publica com louvor por sua arguta observação.

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No dia 14 de janeiro de 2010 foi promulgada a Lei 12.198 que reconhece como profissional as atividades de repentistas, cantadores e violeiros improvisadores, emboladores e cantadores de Coco, poetas repentistas e os contadores e declamadores de “causos” da cultura popular além dos escritores da literatura de cordel.

A inversão de prioridades deste congresso incompetente e corrupto é um dos graves sinais das mazelas que enterram o país no eterno lodo do subdesenvolvimento. Uma infinidade de Projetos de Leis importantes está há anos em tramitação sem que se dê um passo à frente. São temas que vão desde a união civil de pessoas do mesmo sexo até regulamentação de produtos que degradam o meio ambiente passando pelo trabalho escravo.

A atividade dos repentistas e similares estão entre as mais autênticas e expressivas manifestações da cultura popular. O repente vem do chão, de dentro do que mais puro e original existe no Brasil. O repentista, o cordelista, emboladores, etc. não precisam de fiscalização para dar luz à sua obra tão genuína.

O reconhecimento legal destas atividades como profissional, que são espontâneas e passadas de pai para filho, pouco o nada irá acrescentar à vida do artista. Na verdade, entendo que trará mais amarguras que benefícios. Vejamos aqueles de caráter prático: o repentista (e os demais artistas) não possuem vínculo empregatício e se apresentam, via de regra, em locais públicos por sua conta e risco. Se atuarem de forma autônoma, não possuem empregador e, consequentemente, não gozam dos benefícios previstos na legislação trabalhista. Para que possa desfrutar de uma aposentadoria o artista deverá contribuir, como autônomo, para a previdência social federal (INSS).

Por outro lado, se um restaurante ou outro estabelecimento comercial que utiliza a cultura nordestina como tema para o seu negócio, contratar um repentista de forma habitual, terá criado com este vínculo empregatício; não porque o repentista é ou deixa de ser profissional regulamentado e sim porque há uma relação negocial entre contratante e contratado cuja intermediação se dará pela Consolidação das Leis do Trabalho. Da mesma forma o escritor de cordel pode estar amparado pelas leis do direito autoral no caso da publicação de sua obra por uma editora. As três situações não são alteradas com a nova lei.

O fato das referidas atividades serem reconhecidas com “profissionais”, ao meu ver, traz mais problemas do que benefícios. Por que se a atividade foi reconhecida com profissão, o passo seguinte será a sua regulamentação definindo piso de remuneração, jornada de trabalho, registro profissional, etc. E, pior, para regulamentar será necessário criar entidades profissionais de fiscalização da profissão que deverão ser, compulsoriamente, mantidos pelos profissionais da categoria, a exemplo da Ordem dos Músicos do Brasil. Vamos aproveitar e sugerir a criação da Ordem dos Repentistas do Brasil (OEMRABAI), o Conselho Regional de Repentistas do Estado do Piauí (CORREAI) ou mesmo o Conselho Regional de Repentistas e Afins do Estado de Pernambuco(CORRAEBUCO).

A regulamentação da atividade vai piorar muito a vida destes representantes legítimos da cultura popular nordestina que recitam suas poesias em feiras-livres, exposições, teatros, etc. em todo o Brasil, pois agora eles, além de terem de sustentar suas famílias, terão de pagar anuidades aos novos órgãos que vão ser criados sob pena de exercerem ilegalmente a profissão.

Provavelmente os dirigentes destas novas entidades vão ganhar muito dinheiro com o Repente sem saberem o que é uma moda de viola, um martelo, como dançar catira ou mesmo ouvira falar o que Mané Vieira fora fazer no caminho de Santa Rita com um viola no peito e braço que só era fita. Eita, que a estrela Dalva não é mais tão bonita!!!!

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Antonio Inácio