terça-feira, 9 de setembro de 2008

Bob Dylan e o Pessoal do Ceará

Zeca Zines leu um artigo interessante no blog Sem Cesura http://semcesura.blogspot.com/ realizado por MARCIO CENZI, e copia aqui na íntegra para leitura de vocês.

________________________________________________________________

BOB DYLAN E O PESSOAL DO CEARÁ

É interessante - e talvez sintomático - que a influência de Dylan, presente nos Beatles e nos Rolling Stones, não se perceba no núcleo da MPB (eixo Rio-SP-Bahia) nem no rock tupiniquim, mas mostre seus filhos em outros rincões como Ceará, Paraíba e Minas.

MPB x Música Popular

O primeiro problema advém do próprio batismo da MPB.A sigla, criada para os festivais dos anos 60, deixa bem claro: é feita para e por aqueles que naquela década tinham um televisor. Assim, não é de estranhar que entre seus precursores estejam os alunos dos tradicionais colégios pagos de São Paulo e Rio. Os outros eram artistas populares, mas taxados por qualificativos menos edificantes.

Questão de família

Dylan abriu mão de seu sobrenome para incorporar ao apelido uma homenagem a seu poeta preferido, Dylan Thomas. Contrariando as raízes, aderiu ao cristianismo. Por aqui, a carteirada artística é recurso difundido. O artista diz logo de qual família é: Buarque, Leão, Morais. E a religião é tema que preferem contemporizar: há um séquito de "ateus, graças a Deus".
A situação do rock nacional - aclimatação um tanto paradoxal - não é muito diferente da encontrada na MPB.

O caminhoneiro e os fidalgos

Dylan é neto de imigrantes russos. Elvis era motorista de caminhão. Por aqui, o rock nasce longe das "camadas populares". Comprar uma guitarra elétrica é/era privilégio para poucos.
Os roqueiros brasileiros passaram longe da influência popular.
Se Dylan ouvia os cantores tradicionais do country, os daqui não chegaram perto da viola.

Além disso, como toda atividade produtiva no Brasil, os lugares do Rock brasileiro foram logo apossados pela classe média. Ou por seus herdeiros. Encontram-se entre os expoentes do rock nacional o filho do diplomata, o rebento do executivo, a cria do militar, o neto do visconde.
Assim, desvinculada das manifestações populares, a música jovem brasileira padece de um vício de origem.

O protesto e a lenga-lenga

Esse também é o caminho que afasta outro legado de Dylan: as músicas de protesto.
O cantor-protestante é, antes de tudo, um romântico: identifica-se com uma causa e destila atitude.
Os protestos dos roqueiros brasileiros não são de grande alento, pois inverossímeis; faltam-lhes sinceridade.
Jovens ricos de Brasília indagarem "Que país é esse" não parece fazer muito sentido. Na MPB estabilizada (Buarque-Gil-Veloso), as pretensões intelectuais de seus compositores impede a empatia com o ouvinte e dificulta a repetição de refrões. Nada mais natural, portanto, do que o monopólio de Vandré nos piquetes: dois acordes, um violão e um estribilho palatável.

O Rei e Raul

Ressalva deve ser feita a duas figuras que incorporaram a carcaça roqueira.
Raul Seixas usava jaquetas de couro no calor de Salvador. Pretendia, assim, ficar mais perto de Elvis. Sua música passou pelo deboche, pela crítica e pela profecia.
Seu disco "Abre-te Sésamo" flerta com a música caipira, orientalismo e religiões africanas. Morrendo melancolicamente abandonado a si mesmo, Raul nunca se arrogou a condição de intelectual."Status" rejeitado também por Roberto Carlos que, inteligentemente, soube estar sempre antenado à tendência: surgiu como discípulo de Buddy Holly, passou ao protesto setentista com "O Astronauta", flertou com a música negra americana, deu recados ecológicos na década de 80. Sua incursão na música religiosa, coerente dentro de sua trajetória, às vezes esconde a sagacidade de suas escolhas.

Por fim, os herdeiros.

Se é evidente a influência de Dylan no trabalho do mineiro Zé Geraldo, tendo este realizado a mescla do rock com a música caipira, e, ainda, que Zé Ramalho, lá na Paraíba, tenha incorporado muito da sonoridade do americano em sua música, a presença mais marcante de Dylan aparece no Pessoal do Ceará.

Ednardo, Fagner e, principalmente, Belchior partilham uma característica essencial de Dylan: a voz que não parece própria a um cantor, mas imprime tamanha personalidade à canção que impede outras interpretações. O bloqueio do cantor-autor é quebrado entre eles (como Ednardo cantando "A palo seco") ou por um intérprete excepcional, como Elis.

Além disso, é na obra dos três que aparece o grande desfile de perdedores e desaprumados, amadores (e) abandonados.
Mas o Pessoal do Ceará é um grupo de pessoas separadas e, trabalhando cada um em seu canto, surpreende o quanto são parecidos e ligados os seus cantares.
Provavelmente, Belchior tenha a mais completa relação de frustrações e aflições (Fotografia 3x4, Na hora do Almoço, Apenas um rapaz latino-americano); Ednardo, a mais criativa voz narrativa (Enquanto engoma a calça, Carneiro); Fagner, além do dialógo poético, é o que também canta o desconforto dos outros (Sinal Fechado, Guerreiro Menino).

Será que Joan Baez conhece Fortaleza?

MARCIO CENZI

Nenhum comentário: