sábado, 27 de setembro de 2008

O Devir Cantador e uma cartografia das singularidades musicais brasileiras



Análise realizada por José Anezio Fernandes do Vale
Vitória / ES
Graduando em Psicologia - Universidade Federal do Espírito Santo
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A partir de uma leitura de Guattari, pretendo apresentar o conceito de Devir-Cantador, tendo como estudo de caso, a figura do compositor cearense Ednardo.

Da obra de Guattari, pretendo me dobrar sobre o conceito de Produção de Subjetividade, e para tal, lanço mão de três aspectos deste conceito:

Primeiro, produção de subjetividade como anterior a dicotomias sujeito/objeto, inato/adquirido, individual/social, logo, como algo que não se localiza nem aqui nem lá. Para Guattari, isso não está posto.

Segundo, produção de subjetividade não como ideologia, super-estrutura, ou seja, como algo determinado por uma infra-estrutura econômica. A subjetividade não é fruto passivo da produção econômica, material, mas se dá em um processo de produção tão importante quanto.

E por fim, produção de subjetividade como evento político, micropolítico, em que se podem engendrar tanto formas petrificadas de existência, quanto formas de existência que quebrem pedras. Guattari chama essas formas, respectivamente, de modelização e singularização.

Me detendo um bocadinho nesse terceiro aspecto, tenho dois exemplos bem ilustrativos. O primeiro é o do desacato à autoridade, o do “Cê sabe com quem cê tá falando?”. Essa fala é representativa de uma fabricação de territórios.
No caso da abordagem policial (aqui proponho um pause nessa imagem pra gente dar uma circulada em redor e observar), o terreno do civil que fica calado, que obedece, que se põe no seu lugar, que se territorializa cá embaixo e submete seu corpo a uma ordem, e o terreno do militar, que é autoridade, que ordena, que merece mais respeito que o outro, que se territorializa acima do outro e tem que ser rude, ou sarcástico, pra “mostrar quem é que manda”.

O segundo exemplo é o da criança, que aprende a respeitar a hora de estudar, a hora de dormir, a de comer, a de brincar, a de rezar, a de ficar calada, a de divertir os adultos.
A criança pré-escolar, principalmente nos dois primeiros anos de vida, como Piaget nos ensinou, aprende através da ação, precisa agir para aprender, e cada ação do indivíduo sensório-motor tem caráter lúdico, a criança age, aprende, e brinca enquanto come, enquanto foge da dor, enquanto busca o prazer, enquanto dorme, enquanto tem as bochechas apertadas. Isso ilustra que, como Guattari diria, a subjetividade infantil é polifônica, mas não é estratificada.

A escola, porém, tem a função (que não é apenas ela quem cumpre) de territorializar cada um desses fatores da polifonia subjetiva infantil, em terrenos separados. A criança brinca no parquinho, na escola a criança aprende, e hora de aprender não é hora de brincar.

E essa lógica de estratificação de uma subjetividade que é polifônica rege nossas formas modelizadas de existência. A hora do almoço, a hora do sexo, a hora da aula expositiva, a hora do estágio, a hora da aula em laboratório, a semana de provas, a hora de ouvir o palestrante, a hora de fazer perguntas.

A criança ainda não modelizada pela escola é um exemplo de singularidade, e uma forma de quebrar as pedras da modelização é vir-a-ser à maneira dessas singularidades. Vir-a-ser à maneira de uma criança, por exemplo, é o que Guarrati chama de Devir-Criança.

O que quero propor é que a música é um elemento denso, enquanto substância desses eventos micropolíticos de que eu falei. Música não é fruto ideológico e superestrutural da produção econômica. A produção econômica e a produção subjetiva agem igualmente em nossos corpos, e quero falar de modelização e de produções de subjetividades singulares no plano das artes e da música, que não é alienado das outras camadas sonoras de nossa vida polifônica.

Eu vejo, na micropolítica fonográfica, radiofônica e dos espetáculos musicais, uma modelização da figura do compositor e da figura do ouvinte.
Aqui quero mais uma vez congelar a imagem pra gente dar uma voltinha. O território do compositor é o daquele que fabrica a música, que é a origem da música, o compositor inteligente, seja por ser culto, e fazer a boa música, aquela que as pessoas inteligentes e cultas consomem, seja por ser sensível ao gosto das massas, e saber como fazer uma música que as grandes massas queiram consumir.
O território do ouvinte é o território daquele que consome a música, aquela música originada do compositor inteligente, ou do compositor sensível. Ou o ouvinte é o culto que consome o que o compositor inteligente faz, ou é parte das massas, que consome o que a maioria consome, e o que é fabricado pelo compositor sensível ao gosto das massas, da maioria.

Diante dessa imagem, eu entendo que, entre as diferentes e inúmeras formas de produção de subjetividade singular, há uma que eu quero fazer emergir à nossa atenção. É a do compositor popular, do cantador, do poeta de cordel, do artista popular, enfim, que pode ser repentista ou rapper fazendo um Freestyle!
O compositor popular não é sinônimo (nem antônimo) Do compositor sensível, ou do intelectual dos quais acabei de falar. A questão do compositor popular não é que tipo de ouvinte vai consumir sua música, porque a música para o compositor popular é mais do que um produto a ser consumido.

Eu gosto da idéia de comparar o compositor popular a um cronista que, diferentemente do repórter, não tem a intenção de ser imparcial e fiel à realidade. O repórter, nessa pretensão, lança suas implicações na reportagem que produz.
O cronista sabe-se parcial, e faz uso disso. O cronista não retrata a realidade, ele pesca elementos do cotidiano e reveste com um olhar e com um estilo que estão ali, nele.
Eu entendo o compositor popular como um cronista. Que retira da subjetividade popular a matéria prima, que é o desejo, e produz música não para um ouvinte que é mero consumidor, mas para um ouvinte que também é fonte da matéria prima dessa canção.

O compositor modelizado é um sol de onde a canção emerge como verdade, ou que ilumina a verdade como um sol repórter, para que o ouvinte consumidor possa ver/ouvir a verdade. O compositor popular é usina que produz a canção enquanto se produz, é cronista que se produz na crônica e produz a crônica em si.

Meu exemplo de cronista, de compositor popular, de artista que vem-a-ser á maneira de um cantador, ou seja, que lança mão do Devir-Cantador, chama-se Ednardo.

Não convém aqui que eu prove que Ednardo é um exemplo de como esse Devir-Cantador se dá. Pra mim é interessante que vocês acreditem ou duvidem, e se quiserem provar que eu estou errado, procurem conhecer o Ednardo pra saber se é isso mesmo.

Vou apenas falar brevemente sobre o Ednardo - Cronista que eu enxergo, então!
Ednardo cantou sobre o homem que muda de terra, de território, e praticou essa migração. Cearense, foi para o Rio de Janeiro tentar a sorte como cantor, e encontrou um mercado fonográfico doido por que ele se adequasse a um modelo de compositor que fizesse com que discos fossem vendidos e lucro fosse gerado.

Ele se manteve fiel a sua intenção de misturar extremos antagônicos, de trazer rock e cordel, maracatu com guitarra (no início da década de 70!), francês com sotaque cearense, tecnologia e regionalismo. Graças a isso, foi boicotado mais de uma vez, e em ocasiões diferentes, por sua gravadora.

Fez trilhas para cinema e até atuou. Dirigiu, produziu e musicou um documentário sobre a história, a cultura e as subjetividades cearenses. Mobilizou os artistas nordestinos para o maior evento de valorização de sua cultura que o Ceará já teve, a Massafeira, e lutou também para que elementos desse grande evento fossem registrados em disco (que também foi boicotado pela gravadora, e mesmo por amigos artistas).

Criou movimentos de resistência ao esvaziamento do carnaval cearense e à ocupação não dialógica deste terreno por ritmos exteriores à cultura local, como as músicas baianas.
Foi mesmo homenageado por nações de maracatu cearenses, por sua postura de artista em prol de tal manifestação cultural. E isso tudo morando no Sudeste há anos!

Em suas letras, não é difícil ver emergirem também indícios de compreensão da dinâmica de produção de subjetividade, e da necessidade de singularidades, mesmo que com outros nomes. Não vou continuar listando as muitas outras razões que eu ainda tenho e poderia listar para querer ter Ednardo como um aliado em meu trabalho como psicólogo.

Agora eu quero lançar uma questão. Eu posso afirmar que Ednardo faz uma cartografia desses territórios modelizados, dessa micropolítica, posso afirmar que ele pratica essas revoluções singulares que Guattari postula e constata, se Ednardo, por exemplo, não é psicólogo, ou leitor de Guattari? A minha resposta é: SIM!

E eu quero terminar essa apresentação com um convite, que é na verdade um beliscão, uma problematização. Eu não usei Guattari porque acho que a Esquizoanálise é a forma correta de se fazer psicologia, nem usei Ednardo porque ele é um compositor superior aos outros. Eu o admiro com artista, a superioridade que vejo é meu gosto musical, mas no lugar de Ednardo poderia ser outro.
Poderia ser o Sérgio Sampaio, poderia ser o Itamar Assumpção, poderia ser Clash, Mutantes, Zeca Baleiro, ou qualquer outro artista que eu admiro, existem mil formas de singularizar-se diante do mercado fonográfico.
O Devir-Cantador é apenas uma invenção minha, de um termo pra nomear algumas poucas dessas inumeráveis formas de resistência.

Assim como o Ednardo poderia ser outro, o Guattari poderia ser outro. Eu poderia falar de questões micropolíticas em uma linguagem Piagetiana, Skinneriana, Freudiana, Adleriana.E poderia mesmo. Porque não é uma teoria que tem em si, a priori, o bem ou o mal. É a forma como eu me alio a um corpo teórico que vai definir se minhas práticas serão modelizadoras ou singularizantes.

Eu posso, por exemplo, como analista do comportamento, ajudar meu cliente a observar as contingências de seus comportamentos, para que ele possa construir autonomia, para que ele possa ser reforçado por conseqüências para as quais ele diz sim. Mas eu posso também dizer não para essa singularidade, e fazer de meu cliente uma vítima das conseqüências de seus atos, que diz sim para o que eu acho melhor para ele, de forma tuteladora.

Então quero afirmar duas coisas. A primeira é que hostilizar uma teoria como se ela fosse modelizadora a priori é negar as singularidades que aquela teoria psicológica pode proporcionar. E a segunda é que achar que uma teoria psicológica é singularizante a priori, implica em uma conseqüência seríssima que é a de não ter cuidado com a nossa prática, e correr o risco de utilizar uma ferramenta de emancipação em prol de infantilizações, culpabilizações e modelizações.

E no mais, salve o compositor popular!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

VII FIC - Festival Internacional da Canção - 1972


Um dos Festivais mais importantes na década de 70 - VII FIC - Festival Internacional da Canção - 1972, - Rio de Janeiro - Maracãnanzinho, revela grandes artistas e é considerado como o último grande festival da Era dos Festivais.

Neste festival foram revelados nomes como: Ednardo, Fagner, Belchior, Alceu Valença, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Hermeto Pascoal, Raul Seixas, Renato Teixeira, Sirlan, Paulo César Pinheiro, Rildo Hora, Ruy Mauriti, entre muitos outros compositores e intérpretes, que juntos aos mais conhecidos como: Jackson do Pandeiro, Marlene, Os Mutantes (Rita Lee / Arnaldo / Sérgio / Liminha). Fizeram a festa.
E em análise mais detalhada, Jorge Ben antes de ser "descoberto" pelos tropicalístas, teve neste festival seu ápice.

O VII FIC aconteceu em momento muito conturbado da política pela ditadura militar e consta na história que durante este período do governo Médici (1969 - 1974), foi quando as maiores repressões (não só às artes) aconteceram, os historiadores constatam que foi o mais repressivo e violento, os jornais, revistas, rádio e televisão sofreram violenta censura, impedindo que a população fosse informada do que estava acontecendo.

Consta que este VII FIC foi bastante marcada pela intervenção da censura federal durante a ditadura, com vários episódios que foram desde a destituição sumária de todo o Juri Nacional, incluindo espancamento de um de seus membros que queria ler uma nota de explicação e repúdio à arbitrariedade.

Lí no site Jornalismo Cultural sobre o VII FIC http://www.jornalismocultural.com.br/musica/globo1972.htm

Em artigo escrito por Mirella Falcão, que entre outras coisas explicita: este VII FIC foi pela primeira vez, um festival transmitido em cores para o Brasil e Exterior.
Para selecionar as 30 músicas, entre as 1.912 inscritas, compunham a comissão: César Camargo Mariano, Julio Medaglia, Roberto Freire, Décio Pignatari e Sérgio Cabral. Esses três últimos viriam participar também do júri, juntamente com Mário Luís Barbato, Rogério Duprat, Alberto de Carvalho, João Carlos Martins, Guilherme Araújo, Big Boy e Walter Silva. Nara Leão presidiu o júri que classificou 14 músicas para a final.

Esse júri, contudo, foi afastado da final nacional por ordem dos militares, que não gostaram de entrevista dada por Nara Leão, fazendo duras críticas ao governo. Um novo júri de gringos selecionou duas músicas para a competição internacional, gerando uma série de protestos e pancadaria.

Na final nacional, Roberto Freire, ao tentar ler um manifesto representando o júri expurgado, foi arrastado do palco e brutalmente espancado. No manifesto, depois lido pelo apresentador Murilo Néri, defendia-se a escolha de "Cabeça", de Walter Franco, e "Nó na Cana", de Ari do Cavaco e César Augusto.

Entretanto, as canções ganhadoras foram "Fio Maravilha", composição de Jorge Ben defendida por Maria Alcina, e "Diálogo", samba de Baden Powel e Paulo César Pinheiro, interpretado por Cláudia Regina e Baden. Nenhuma das composições brasileiras saiu vitoriosa na fase internacional.
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Ficha Técnica - VII Festival Internacional da Canção - 1972
Realização: Rede Globo de Televisão
Diretor Geral: José Otávio Neves Diretor Artístico: Solano Ribeiro Local: Maracanãzinho (Rio de Janeiro)
Juri Nacional: Alberto de Carvalho, Big Boy, Décio Pignatari, Guilherme Araújo, J.Carlos Martins, Lea Maria, Mário Luiz, Nara Leão (presidente), Roberto Freire, Rogério Duprat, Sérgio Cabral, Walter Silva

1ª Eliminatória: 16/09/1972

Nem becos nem saidas (Abílio Manoel) - Abílio Manoel
Diferenças (Rildo Hora / Manoel Nunes)
Depois do portão (J.Abridon / L.Mendes Jr)
22º andar (Edson Conceição / A.Silva)
Serearei (Hermeto Paschoal) - Alaide Costa
4 graus (Fagner / Dedé ) - Fagner
Nó na cana (Ari do Cavaco e Cesar Augusto) - Nina e Elson
Eu sou eu , Nicuri e o Diabo (Raul Seixas) - Banda - Os Lobos
Diálogo (Baden Powell / P.C.Pinheiro) - Tobias, Cláudia,Regina e B.Powell
Eu quero é botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio) - Sérgio Sampaio
Papagaio do Futuro (Alceu Valença) - Alceu Valença
Cabeça (Walter Franco) - Walter Franco
Fio Maravilha (Jorge Ben) - Maria Alcina
Nos cafundós do Zé (Ruy Maurity / J. Jorge) - Ruy Maurity
Corpo a corpo (Tulio Mourão / Nelson Motta)

2ª Eliminatória: 17/09/1972

Pente (Luiz Carlos Porto / Antonio Fernando) - Banda O Peso
Bip Bip (Ednardo / Belchior) - Ednardo, Belchior e Claudio Ornellas
Reza ao padre Cícero (Luis Wanderlei) - Luís Wanderlei
Loucura pouca é bobagem (J.Rocha / Maurício Are)
Let me sing (Edith Wisner/Raul Seixas) - Raul Seixas
Flor Lilás (Luli) - Luli e Lucina
Olerê Camará (L.Reis / J.Lourenço) - Ana Maria
Marinheiro (Renato Teixeira) - Renato Teixeira
Frevança (Tom / Dito ) - Tom e Dito
Liberdade Liberdade (Oscar Toralles) - Banda - A Bolha
A volta do ponteiro (R.Lourenço) - Banda - Os Originais do Samba
Viva Zapatria (Sirlan / Murilo ) - Sirlan
Mande um abraço pra velha (Mutantes) - Banda - Mutantes
Automóveis (Osvaldo Montenegro) - Os 3 Moraes
Carangola (Fauzi Arap / Fototi) - Marlene

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Embora a TV Globo tenha gravado ao vivo e a cores pela primeira vez um festival internacional para o Brasil e Exterior, os registros de vídeos e gravações de áudio deste VII FIC, "desapareceram" de forma inexplicável. Do todo que foi registrado, restam apenas dois discos LPs, que também sumiram logo após lançados, e mesmo assim nas mãos de poucos colecionadores.

Importante registrar que o único vídeo que existe informando deste festival e disponibilizado em sites públicos como o You Tube é um pequeno trecho de Maria Alcina cantando "Fio Maravilha" de autoria de Jorge Ben, e curiosamente o autor foi processado pelo jogador de futebol acusando de usar seu nome, ora, ora!... Fio Maravilha só se tornou conhecido por causa da música de Jorge Ben. (Na realidade era um jogador medíocre) - Maria Alcina chegou no VII FIC vestida com o uniforme do Flamengo, camisa, calção e chuteiras com uma torcida organizada pelo clube de futebol e os gringos que de última hora foram postos pra julgar as músicas disseram - Yes - Brazil - Carnaval - Samba - Futebol.

Particularmente, e também pelo senso geral, acho que o material de suportes vídeofonográficos (som e imagens) com um time com estes nomes não é de se jogar fora. Que existe, existe, não temos dúvidas, a pergunta será - Porque não publicam? E se não quiserem publicar - Porque não disponibilizam, para todos?

Recentemente conversando com Ednardo compositor da música BIP BIP, expliquei que estava fazendo uma pesquisa e ele foi super gentil em falar sobre vários fatos deste festival.

Confirmou a destituição do juri e a repressão generalizada, a agressão a um dos membros - Roberto Freire - e a repressão aos artistas participantes, relatando que policiais entraram no camarim improvisado no vestiário do Maracanãnzinho e sem nenhuma razão que justificasse, agrediram verbalmente com palavras: "cabeludos, viados, drogados, e subversívos"...

E ainda organizaram um "corredor de vaias" para artistas que saiam do camarim para se apresentar, para desespero de Solano Ribeiro (organizador da fase nacional), que já estava enfrentando o "pepino" da destituição do Juri e a agressão a um deles.
E Solano teria dito, "...Senhores, deixemos aplausos e vaias para o público" - e um deles retrucado -"nós somos público também"... - E Solano: então a platéia é o melhor lugar para vocês se manifestarem, aqui estamos nos bastidores do palco"...Mas nenhum deles saiu de lá.

Parece que este festival foi barra pesada mesmo, pra música e cultura brasileira, pros artistas e produtores.

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Os Discos Publicados


Relação das músicas do Disco: VII FIC - Finalistas Nacionais
SOM LIVRE - SSIG -1017 (Ano 1972)


LADO A
1. VIVA ZAPATRIA (Sirlan - Murilo Antunes de Oliveira) - Sirlan
2. LET ME SING, LET ME SING (Edith Nadine Seixas - Raul Seixas) – Os Lobos
3. DIÁLOGO (Baden Powell - Paulo Cesar Pinheiro) RENATA E FLÁVIO
4. CARANGOLA (Fauzi Arap - Fototi) MARLENE
5. A VOLTA DO PONTEIO (Roberto Lourenço da Silva - Roberto Ferreira dos Santos) OS ORIGINAIS DO SAMBA
6. SEREAREI (Hermeto Pascoal) ALAÍDE COSTA


LADO B

1. FIO MARAVILHA (Jorge Ben) MARIA ALCINA
2. NÓ NA CANA (Ari do Cavaco - Cezar Augusto) ELSON E MIRNA
3. EU SOU EU, NICURI É O DIABO (Raul Seixas) OS LOBOS
4. EU QUERO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA (Sergio Sampaio) EUSTÁQUIO SENA
5. MANDE UM ABRAÇO PRA VELHA (Os Mutantes) CORAL SOM LIVRE
6. CABEÇA (Walter Franco) EUSTÁQUIO SENA

Consta que retirarem do Disco 2 músicas finalistas:BIP BIP de Ednardo e Belchior, interpretada por Ednardo e Belchior e Cláudio Ornellas; 4 GRAUS de Fagner e Dedé Evangelista – interpretada por Fagner;

Note também que mudaram vários intérpretes originais

Foi lançado também outro disco do VII FIC
Os Grandes Sucessos do FIC 72
Phonogram/Fontana 6470 500
(Ano 1972)

Lado A:

1. Eu quero é botar meu bloco na rua (Sérgio Sampaio) – Sérgio Sampaio
2. A volta do ponteiro (Roberto Lourenço da Silva - Roberto Ferreira dos Santos) - Beto Scala
3. Fio Maravilha (Jorge Ben) - Jorge Ben
4. Diálogo (Quebranto) (Baden Powell - Paulo César Pinheiro) Cláudia Regina e Tobias
5. Nó na cana (Ary do Cavaco - César Augusto) - Juracy
6. Marinheiro (Renato Teixeira) - Renato Teixeira
7. Eu sou eu, Nicuri é o Diabo (Raul Seixas) - Lena Rios

Lado B:

1. Viva Zapátria (Sirlan Jesus - Murilo Antunes de Oliveira) - MPB-4
2. Let me sing, let me sing (Edith Nadine - Wisner Seixas - Raul Santos Seixas) - Raul Seixas
3. Corpo a corpo (Túlio Mourão - Nélson Motta) - Fábio
4. Mande um abraço pra velha (Arnaldo Baptista - Sérgio Baptista - Rita Lee - Arnolpho Lima Filho) - Mutantes
5. Quatro graus (Fagner José Evangelista) - Fagner
6. Pente (Luís Carlos Porto - Fernando Vale) - O Peso

O detalhe curioso é que esse LP traz não as versões apresentadas no festival, mas (o que parece ser) o registro que os autores mandaram para o comitê que selecionou as músicas para as eliminatórias. E na contracapa, traz uma lista com as 30 canções selecionadas para o festival

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Bob Dylan e o Pessoal do Ceará

Zeca Zines leu um artigo interessante no blog Sem Cesura http://semcesura.blogspot.com/ realizado por MARCIO CENZI, e copia aqui na íntegra para leitura de vocês.

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BOB DYLAN E O PESSOAL DO CEARÁ

É interessante - e talvez sintomático - que a influência de Dylan, presente nos Beatles e nos Rolling Stones, não se perceba no núcleo da MPB (eixo Rio-SP-Bahia) nem no rock tupiniquim, mas mostre seus filhos em outros rincões como Ceará, Paraíba e Minas.

MPB x Música Popular

O primeiro problema advém do próprio batismo da MPB.A sigla, criada para os festivais dos anos 60, deixa bem claro: é feita para e por aqueles que naquela década tinham um televisor. Assim, não é de estranhar que entre seus precursores estejam os alunos dos tradicionais colégios pagos de São Paulo e Rio. Os outros eram artistas populares, mas taxados por qualificativos menos edificantes.

Questão de família

Dylan abriu mão de seu sobrenome para incorporar ao apelido uma homenagem a seu poeta preferido, Dylan Thomas. Contrariando as raízes, aderiu ao cristianismo. Por aqui, a carteirada artística é recurso difundido. O artista diz logo de qual família é: Buarque, Leão, Morais. E a religião é tema que preferem contemporizar: há um séquito de "ateus, graças a Deus".
A situação do rock nacional - aclimatação um tanto paradoxal - não é muito diferente da encontrada na MPB.

O caminhoneiro e os fidalgos

Dylan é neto de imigrantes russos. Elvis era motorista de caminhão. Por aqui, o rock nasce longe das "camadas populares". Comprar uma guitarra elétrica é/era privilégio para poucos.
Os roqueiros brasileiros passaram longe da influência popular.
Se Dylan ouvia os cantores tradicionais do country, os daqui não chegaram perto da viola.

Além disso, como toda atividade produtiva no Brasil, os lugares do Rock brasileiro foram logo apossados pela classe média. Ou por seus herdeiros. Encontram-se entre os expoentes do rock nacional o filho do diplomata, o rebento do executivo, a cria do militar, o neto do visconde.
Assim, desvinculada das manifestações populares, a música jovem brasileira padece de um vício de origem.

O protesto e a lenga-lenga

Esse também é o caminho que afasta outro legado de Dylan: as músicas de protesto.
O cantor-protestante é, antes de tudo, um romântico: identifica-se com uma causa e destila atitude.
Os protestos dos roqueiros brasileiros não são de grande alento, pois inverossímeis; faltam-lhes sinceridade.
Jovens ricos de Brasília indagarem "Que país é esse" não parece fazer muito sentido. Na MPB estabilizada (Buarque-Gil-Veloso), as pretensões intelectuais de seus compositores impede a empatia com o ouvinte e dificulta a repetição de refrões. Nada mais natural, portanto, do que o monopólio de Vandré nos piquetes: dois acordes, um violão e um estribilho palatável.

O Rei e Raul

Ressalva deve ser feita a duas figuras que incorporaram a carcaça roqueira.
Raul Seixas usava jaquetas de couro no calor de Salvador. Pretendia, assim, ficar mais perto de Elvis. Sua música passou pelo deboche, pela crítica e pela profecia.
Seu disco "Abre-te Sésamo" flerta com a música caipira, orientalismo e religiões africanas. Morrendo melancolicamente abandonado a si mesmo, Raul nunca se arrogou a condição de intelectual."Status" rejeitado também por Roberto Carlos que, inteligentemente, soube estar sempre antenado à tendência: surgiu como discípulo de Buddy Holly, passou ao protesto setentista com "O Astronauta", flertou com a música negra americana, deu recados ecológicos na década de 80. Sua incursão na música religiosa, coerente dentro de sua trajetória, às vezes esconde a sagacidade de suas escolhas.

Por fim, os herdeiros.

Se é evidente a influência de Dylan no trabalho do mineiro Zé Geraldo, tendo este realizado a mescla do rock com a música caipira, e, ainda, que Zé Ramalho, lá na Paraíba, tenha incorporado muito da sonoridade do americano em sua música, a presença mais marcante de Dylan aparece no Pessoal do Ceará.

Ednardo, Fagner e, principalmente, Belchior partilham uma característica essencial de Dylan: a voz que não parece própria a um cantor, mas imprime tamanha personalidade à canção que impede outras interpretações. O bloqueio do cantor-autor é quebrado entre eles (como Ednardo cantando "A palo seco") ou por um intérprete excepcional, como Elis.

Além disso, é na obra dos três que aparece o grande desfile de perdedores e desaprumados, amadores (e) abandonados.
Mas o Pessoal do Ceará é um grupo de pessoas separadas e, trabalhando cada um em seu canto, surpreende o quanto são parecidos e ligados os seus cantares.
Provavelmente, Belchior tenha a mais completa relação de frustrações e aflições (Fotografia 3x4, Na hora do Almoço, Apenas um rapaz latino-americano); Ednardo, a mais criativa voz narrativa (Enquanto engoma a calça, Carneiro); Fagner, além do dialógo poético, é o que também canta o desconforto dos outros (Sinal Fechado, Guerreiro Menino).

Será que Joan Baez conhece Fortaleza?

MARCIO CENZI

domingo, 7 de setembro de 2008

Livro - Terral do Sonhos - Mary Pimentel




TERRAL DOS SONHOS - O Cearense na Música Popular Brasileira

Mary Pimentel Aires - Fortaleza : Banco do Nordeste do Brasil / Gráfica e Editora Arte Brasil, 2006
204p. (Coleção Teses Cearenses) C.D.U. 323.17.78(81)

Nos anos 60, em pleno período autoritário, eclodiu em Fortaleza um movimento musical que repercutiu no Brasil afora. Em torno da Faculdade de Arquitetura e de bares como o Balão Vermelho e o Anísio, na Beira Mar, gravitavam estudantes universitários que utilizavam referenciais estéticos como expressão de uma insatisfação diante da censura, do fechamento que o país vivia e da repressão que se acentuou a partir de 1968.


Este movimento, de certo modo, era tributário de uma tradição musical que vinha do século XIX, com as modinhas de Nepomuceno e se reforçava no início do século com a verve de Ramos Cotoco, Branca Rangel e Juvenal Galeno.
Mais recentemente, com a boemia de Lauro Maia e Aleardo Freitas e a inquietude de Luis Assunção mantiveram uma tradição que os novos superaram sem negar a contribuição dos que vieram antes.

Nos festivais, tão em voga nesta década de transformações e contestação, se forjaram valores que partiram para tentar o mercado nacional.

São estas questões que Mary Pimentel trata: a essência do que seria “cearense”, sem cair na facilidade dos estereótipos, as relações com a industria, as propostas de uma nova estética. O resultado é um painel vivo e instigante, num texto rigoroso, mas de leitura prazerosa que vem preencher uma lacuna na bibliografia cearense e chamar a a tenção para a importância no contexto social.

Apresentação do Livro – TERRAL DOS SONHOS – De Mary Pimentel
Professor Gilmar de Carvalho
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Trechos Condensados do Prefácio da 3ª Edição

Pesquisador, Jornalista e Radialista da Rádio Universitária UFC - NELSON AUGUSTO
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Terral dos Sonhos – O Cearense na Música Popular Brasileira, mapeia como objeto de estudo a música popular composta no Ceará de 1964 a 1979. Nesse período aconteceu a formação, propagação e consagração do movimento que ficou conhecido na MPB como PESSOAL DO CEARÁ, o qual agrega a geração de artistas cearenses (músicos, cantores e letristas) que, a partir da década de 70, começa a ingressar no cenário musical brasileiro.
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Dessa geração de compositores que foram tentar a sorte na cidade grande, os que obtiveram maior destaque nacional foram Belchior, Fagner e Ednardo. A origem do nome do grupo se deve ao LP Ednardo e o Pessoal do Ceará, que tem como subtítulo “Meu Corpo, Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem”, lançado em 1972 , pelos cantores/compositores Ednardo e Rodger Rogério e pela cantora Teti. Esse disco que teve produção de Walter Silva pode ser considerado um marco na incursão desses novos compositores no mercado fonográfico.

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A publicação Terral dos Sonhos é uma minuciosa pesquisa feita em acervos de jornais, revistas e livros do gênero, além de entrevistas com artistas, colecionadores e pessoas envolvidas com a cultura alencarina. Para produzir sua dissertação, Mary Pimentel também se valeu da sua condição de colaboradora do movimento musical cearense, contudo com isenção científica de socióloga. A autora integrou inicialmente o grupo de canto coral - O Canto do Aboio - e fez parte do grupo Garotas 70, chegando a participar de shows e festivais.

Mary Pimentel Aires, ao situar os personagens do tempo de Terral dos Sonhos, também foi buscar os antecessores da canção alencarina, os quais, desde 1908 inscreveram seus nomes na história da Música Popular Brasileira.
Entre eles, Ramos Cotoco, Hilda Marçal Matos, Lauro Maia, Humberto Teixeira, 4 Ases & 1 Curinga, Luis Assunção, Evaldo Gouveia e o Trio Nagô. Todos incluídos na nossa hereditariedade musical trazida do século XIX pelos precursores Alberto Nepomuceno, Branca Rangel e Juvenal Galeno e também revelada em seguida por talentos do quilate de Aleardo Freitas, Gilberto Milfont, Catulo de Paula, Carlos Barroso, Paulo Neves, Pierre Luz, Mário Alves, Moacir Ribeiro de Carvalho, Waldemar da Ressureição, Caetano Accioly, Vocalistas Tropicais, Euclides Silva Novo, Mozart Brandão, Guilherme Neto, José Auriz Barreira, Zé Menezes, Jacques Klein e Eleazar de Carvalho.

Com este livro, Mary Pimentel Aires tornou-se a precursora do estudo científico contemporâneo dos artistas da canção alencarina.

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Livro - No Tom da Canção Cearense - Wagner Castro


MÚSICA E POLÍTICA EM WAGNER CASTRO

Apresentação do Livro – NO TOM DA CANÇÃO CEARENSE - Do Rádio e Tv, dos Lares e Bares na Era dos Festivais (1963 – 1979) - Wagner Castro - Fortaleza: Edições UFC, 2008
292p.:il.
ISBN: 978-85-7282-292-3

Professor Gilmar de Carvalho

Somos um povo que canta, mesmo quando não tem motivos para cantar. A música deve vir da palma dos coqueiros, onde cantava a jandaia do poema indianista. Do batuque das senzalas e das procissões das irmandades religiosas. Também do canto do trabalho das fiandeiras, dos colhedores de algodão, de coco e das barcarolas dos que vivem do mar.

Tudo pode vir a ser música: vento, ruídos urbanos, assobio de um fragmento de canção que ficou e o acorde plangente de um violão seresteiro.

Wagner Castro, historiador e músico, une rigor e criatividade numa pesquisa que precisava ser feita. Agora, temos o resultado do seu mestrado em livro. Foi orientado por um “peso-pesado” da cultura no Ceará: Dilmar Miranda.

Wagner sabe o que diz e o que faz. Só poderia mesmo dar em um livro que se lê com prazer, com uma certa nostalgia (pelo menos pelos que viveram esses momentos) e com a certeza de que a vida continua, a cultura tem sua dinâmica e não se pode retroceder (a não ser na ficção) ou fazer com que a História se repita, mesmo que em tom de farsa, como dizem que Marx disse.

O texto de Wagner segue o cânon da academia, mas flui, vigoroso e inquieto, como o tempo que ele estudou. Tempo de passeatas, de vida regurgitando nas ruas, de gente que pretendia transformar o mundo.

As utopias estavam vivas e eram levadas a sério. A Revolução era um apanágio de muitos, de quase todos. Claro que estamos falando da metáfora de “um dia”, estudado por Walnice Galvão, e não do golpe de 1964, que frustrou os sonhos igualitários de uma geração.

O texto de Wagner, impregnado por essa música, difusa ou contundente, ecoa as vozes do chamado “Pessoal do Ceará” e dialoga com grupos de teatro, manifestos literários, exercícios de “super-8” e experimentações no campo das artes plásticas que ganhavam espaço nos suplementos culturais.

É uma Fortaleza que não existe (terá existido um dia?) a não ser na memória, nos poucos vinis, nos mimeógrafos de uma geração de jovens poetas e nas palmas abafadas de um público que não disse a que veio.

Os festivais uniam política e Indústria Cultural. Vivíamos a mesma angústia levantada por José Ramos Tinhorão (em “A Província e o Naturalismo”) de sermos produtores sem fruidores. A música de qualidade se perdia no ar.
O bar do Anísio, o Balão Vermelho, as cantinas das faculdades, a quadra do CEU e o Teatro Universitário se tornaram pequenos demais para a necessidade de amplificação dos protestos e do que fazíamos naqueles tempos. Os festivais vieram como instância de difusão do que era feito aqui. “Aqui no Canto”, dizia o da Rádio Assunção.

Nossa relação com o disco vinha desde os tempos da Casa Edison, a partir dos primeiros anos do século XX, quando Mário Pinheiro (filho de cearense) gravou Raimundo (Cotoco) Ramos.

O aspecto, aparentemente competitivo, escondia que estávamos todos do mesmo lado: o da liberdade de expressão e da denúncia da violação dos direitos individuais. Instaurava-se uma longa noite de vinte e um anos. E agora?
Nós que queríamos mudar o mundo, agora precisávamos salvar nossa pele. Não poderíamos recuar, sob pena de nos sentirmos covardes. Mas, aonde nos levariam a tortura e a clandestinidade?

Cantar como exercício de liberdade? Por que não?
Houve em 68 na Europa e nos Estados Unidos, mas o nosso ecoou mais forte porque marcado pelo ímpeto de fazer calar uma geração. Viva Cláudio Pereira!
Estávamos nas ruas e, ainda hoje, o auditório da Reitoria da UFC homenageia um ditador que muitos chamavam de “presidente”.
Mas o livro de Wagner precisa ser lido ao som de Rodger, Ednardo, Petrúcio, Belchior, Tetty, Augusto Pontes, Fausto Nilo, Fagner, dentre outros.

Precisamos evocar Aderbal Júnior (depois Freire Filho), José Humberto, Olga Paiva, Nonato Freire, “Gritas” e “Grutas”.
Das cores e formas do pessoal da Casa de Raimundo Cela. Do SIN ao Saco, chegando ao Siriará.
Precisamos filtrar isso tudo e termos a consciência de que vaiamos e aplaudimos, jogamos pedras, muitos foram presos, outros foram mortos, mas a vida continuou e nos trouxe até esse ponto de podermos ver tudo isso, no plano da memória e no livro de Wagner Castro como uma das possíveis leituras feitas desse período tenso, rico, difícil de ser vivido. Esse doloroso rito de passagem de uma juventude para a idade adulta deixou seqüelas que estão vivas até hoje.

Mas o canto se eleva mais alto: “faz escuro, mas eu canto”. Tanta coisa passou, continua o ânimo de deixar marcas, aqui perdidas no éter ou arranhadas no vinil, cuja agulha rombuda insiste em fazer tocar. Já não somos mais jovens, mas estamos vivos. Talvez tenhamos deixado de ser atores para nos tornarmos personagens dessa crônica inquieta. Wagner sabe disso, vai nos cercando, dando conta da cena e fazendo emergir o grito primal por liberdade, ainda que tardia, de uma geração.

O palco improvisado aumenta a importância da performance. A corda do violão se rompe sob a tensão. A voz desafina. Mas os aplausos são fortes, para todos os que viveram esse momento de crise e para Wagner Castro que teve a sensibilidade de levar tudo isso para sua pesquisa que agora acaba em livro.

GILMAR DE CARVALHO

sábado, 6 de setembro de 2008

Livro - sobre o Pessoal do Ceará - Pedro Rogério

PARA PENSAR O PESSOAL

Muitos são os caminhos possíveis para se contar uma história. O registro equilibrado e reflexivo da pesquisa acadêmica, as cores intensas da tessitura presente nos registros da imprensa diária, o reconstituir de fatos, datas e minúcias legadas por arquivos, produtos e documentos, a lembrança naveana daquilo que se viveu, como protagonista ou testemunha; ou ainda o diálogo entre fontes capazes e desejosas de compartilhar memórias que, mais do que um caráter individual, digam de uma coletividade, de um aspecto social, da atmosfera de uma cidade. De cara de seus personagens, do gosto dos seus dias, dos passos de sua trajetória. Caminhar a vida, recontar a história. Cada novo dia, ontem e agora.

É na dinâmica da combinação de todas essas abordagens – formas de contar uma mesma história, viva em suas várias versões, presentes na intensidade com que o campo de forças nela envolvidas segue fazendo o debate se estender de ontem ao hoje – que o professor, pesquisador, musicista e radialista Pedro Rogério revisita a história do grupo de músicos, compositores, intérpretes e produtores culturais responsável pelo que viria a ser conhecido como Pessoal do Ceará.

Não só por ter convivido com o Pessoal do Ceará de forma privilegiada – como filho de um dos mais líricos e inovadores compositores e da mais simbólica voz feminina daquela geração - , mas também por esse motivo, Pedro Rogério assumiu a tarefa de fazer sua parte no recontar dessa história.
Uma epopéia, por assim dizer, cujo interesse vem aumentando nos últimos tempos, inclusive por parte da academia, mas cujas dimensões e importância ainda fazem por merecer mais relatos à altura.Na bagagem de Pedro, cabem, ladeados, Rodger Rogério, Teti, Raimundo Fagner, Antonio Carlos Belchior, Ednardo, Wilson Cirino, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Piti, Francis Vale, Dedé Evangelista, Ricardo Bezerra, Augusto Pontes, Tânia Cabral, Cláudio Pereira e... Pierre Bourdieu.

Isso mesmo. O sociólogo francês é convocado a emprestar suas lentes a um olhar sobre o Pessoal que, nos anos 70, reinseriu o Ceará no mapa da música brasileira, um feito ainda não igualado, em termos de visibilidade, pelas novas levas de talentosos artistas que beberam na fonte daquela turma e a ela sucederam.

As origens e as influências compartilhadas pelos que viriam a se tornar artífices do Pessoal são esquadrinhadas por Pedro Rogério, aqui o pesquisador cuidadoso, detalhista, atento ao “habitus” e ao “campo” de Bourdieu para dar à luz sua tese; uma leitura possível para o embate entre unidade e diversidade responsável por fazer com que o Pessoal do Ceará causasse tanto impacto, mesmo passando longe de se assumir como “movimento”.

Sem trazer outro manifesto que não a determinação de ir além fronteiras e a vontade de cantar, entre tantos outros motes, as coisas de sua aldeia, que eles já sabiam tão provinciana quanto universal.
À parte essa soma de individualidades em contraste com o conceito de grupo, a dissertação de Pedro Rogério – em boa hora transposta em livro pela Universidade Federal do Ceará, para satisfação dos interessados no tema – demonstra que sim, havia muito em comum entre os personagens dessa história que continua a se fazer e a se contar.
Suas influências de múltiplos vértices, entre Lauro Maia, Luis Assunção, Humberto Teixeira, Beatles, Stones, Dylan, Bossa Nova, Tropicália e Clube da Esquina, da tradição ao liquidificador da indústria cultural, sua origem de classe média, os locais que compartilhavam na Fortaleza dos anos 60 e até sua breve iniciação musical formal, seguida pela escolha autodidata nos códigos da música popular, estão entre os ingredientes que levaram à convergência, às parcerias, à caminhada dividida pelos integrantes deste Pessoal, na estrada rumo ao sul e à sorte.

Enquanto o olhar local divisa com mais facilidade as diferenças entre cada artista, é principalmente como um grupo que o Brasil olha para os “novos cearenses”;muitos dos quais falaram a Pedro Rogério em depoimentos exclusivos, de grande interesse para o leitor. E que ajudam, entre redundâncias e novidade, confirmação e divergência, a tecer a renda dessas reflexões.

A bibliografia sobre a música e a cultura do Ceará ganha um significativo reforço com este livro, em que a sociologia pára para ouvir e pensar o Pessoal do Ceará.
Aplausos para Pedro Rogério

DALWTON MOURA
Jornalista

Apresentação do Livro - PESSOAL DO CEARÁ - Habitus e campo musical na década de 70
De Pedro Rogério
Edições UFC, 2008
Universidade Federal do Ceará
188p.
ISBN: 978-85-7282-293-0

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Quebra-Pau no Samba

Numas destas viagens demoradas em rápido avião me deparei com uma revista de bordo com matéria que chamou atenção, a qual vou postar alguns trechos com os devidos créditos.

Texto: Bruno Hoffmann – Revista Brasil. Almanaque de Cultura Popular Ano 10
Agosto 2008 Nº 112. Desenho – Nássara – (publicado na capa do disco Polêmica com músicas de Noel Rosa e Wilson Batista).

Coloquei alguns vídeos e links para ilustrar o assunto.

Zeca Zines

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BRIGA DE BAMBA TAMBÉM DÁ SAMBA

A música brasileira reservou momentos para históricas discussões musicais. Seja por brigas verdadeiras, desavenças de pontos de vista ou por mera brincadeira, compositores criaram sambas que caíram no gosto popular. Neste Especial, reunimos alguns deles. Não sentenciaremos o resultado, papel que fica ao cargo do leitor. A nossa conclusão é que, em todas as batalhas, quem saiu ganhando foi a música brasileira.

WILSON – VS. - NOEL

No início dos anos 1930, Noel Rosa ouviu um samba chamado “Lenço do Pescoço”, gravado por Silvio Caldas. A canção era uma lavada exaltação à malandragem, com versos como: Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho de ser tão vadio.
Apesar de várias de suas composições se mostrarem simpáticas aos malandros, resolveu responder ao compositor, o jovem e então desconhecido Wilson Batista.

Mas musicalmente. Nascia “Rapaz Folgado”, em que clama ao autor que compre sapato e gravata e deixe de lado a vida boa.
O que poderia parecer apenas “um chega pra lá” a um iniciante tinha, na verdade, outras motivação: O aspirante havia se envolvido com Juraci Correia de Morais, ou Ceci, o maior e mais conturbado amor da vida de Noel.

Wilson que de besta não tinha nada, viu na polêmica um atalho para o sucesso. Compôs então “Mocinho da Vila”: Injusto é seu comentário / Fala de malandro quem é otário.
E Noel decidiu dar um basta. Escreveu a definitiva “Feitiço da Vila”: Lá, em Vila Isabel / Quem é bacharel / Não tem medo de bamba / São Paulo dá café / Minas dá leite / E a Vila Isabel dá samba.
Acreditava que assim calaria de vez seu adversário. Estava enganado. O incansável Wilson compôs “Conversa Fiada”, obrigando Noel a replicar com a desmoralizante “Palpite Infeliz”: Pra que ligar a quem não sabe / Aonde tem o seu nariz? / Quem é você que não sabe o que diz?

E Wilson perdeu as estribeiras. Emendou a nada sutil “Frankenstein da Vila”, em alusão ao defeito que Noel tinha no queixo: Entre os feios és o primeiro da fila / Todos reconhecem lá na Vila / Essa indireta é contigo.

Aí Noel se magoou. Há quem diga que, furioso, foi de banca em banca comprar todos os exemplares do Jornal da Modinha, que havia publicado a letra.
Indagado se não teria passado dos limites, Wilson desconversou: “Noel era homem, não há mal algum em chamar homem de feio”.
Os dois ainda trocaram farpas com “João Ninguém”, de Noel, e “Terra de Cego” de Wilson.
Mas a briga que rendeu algumas das mais saborosas músicas da nossa história tinha chegado ao fim.


CECI – VS. – NOEL – A Dama do Cabaré

Juraci, que atendia pelo nome artístico de Ceci, era dançarina da boate Apolo, um lugar pouco familiar da Lapa, região central do Rio.
Noel, assíduo freqüentador, a conheceu em 1934 e nunca mais pensou seriamente em outra mulher - nem mesmo em sua própria esposa.
Viveram um amor complicado, mas que gerou grandes sambas (a música novamente agradece).
“Dama do Cabaré”, “Eu sei Sofrer”, “Pra que Mentir”, são apenas algumas delas.
Em “O maior castigo que eu te dou”, Noel sintetizou a relação de amor e ódio: O maior castigo que te dou / É não te bater / Pois sei que gostas de apanhar / Não há ninguém mais calmo do que eu sou / Nem há maior prazer / Do que te ver me provocar.

A derradeira canção destinada a Ceci foi “Último Desejo”, escrita quando o poeta da Vila já estava debilitado pela tuberculose, doença que o mataria antes de completar 27 anos.
No leito de morte, cantarolou a canção, nota por nota, para Vadico, um de seus mais freqüentes parceiros. E pediu que entregasse uma cópia a Ceci. O amigo levou a letra da música à amada de Noel e, ao se despedir, achou por bem esclarecer: “Acho que ele te castiga um pouco nesse samba, Ceci”.

OS ADVERSÁRIOS SE UNEM

No auge da polêmica entre Wilson e Noel, os compositores se encontraram em um bar ao lado dos Arcos da Lapa. O clima foi amistoso. Wilson abriu um sorriso e disse: “Noel, tenho mais uma aqui pra você”, e cantou “Terra de Cego”. O músico ficou intrigado com a melodia, que considerou muito boa. Propôs, então, uma parceria. Sentou-se na mesa e, pouco tempo depois, estava pronta “Deixa de Ser Convencida”: Deixa de ser convencida / Todos sabem qual é seu velho modo de vida.
A única parceria entre ambos foi destinada a quem? Sim, a ela, Ceci.



Maysa Cantando - Meu Último Desejo de Noel Rosa -acompanhada de Rildo Hora na Gaita
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DALVA – VS. – HERIVELTO – Teu mal é comentar o passado.

Um amor conturbado e sambas inesquecíveis. Dalva de Oliveira e Herivelto Martins eram casados, mas viviam em pé-de-guerra. As discussões não se restringiam ao lar: eram ecoadas pelas ondas do rádio. A briga pública começou quando Dalva cantou “Errei, Sim”, encomendada a Ataulfo Alves: Manchei teu nome / Mas foste tu o culpado / Deixava-me em casa / Me trocando pela orgia.
http://br.youtube.com/watch?v=7xfKqSf0BXA

Em resposta, Herivelto compôs “Cabelos Brancos”: Não falem dessa mulher perto de mim (...) Por ela vivo aos trancos e barrancos / Respeitem ao menos os meus cabelos brancos.
E os sambas brotavam, para deleite dos ouvintes-fãs-fofoqueiros.
Ainda foram criadas, para Dalva cantar, “Fim de Comédia”, de Ataulfo Alves, E “Que Será”, de Rossini Pinto.
Herivelto respondeu com mais dois sambas: “Caminhemos” e “Segredo”. Ironicamente neste último, exige mais descrição por parte da cônjuge: Teu mal é comentar o passado / Ninguém precisa saber o que houve entre nós dois...



Dalva de Oliveira - cantando Neste Mesmo Lugar de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas - TV TUPI
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CHICO – VS. – TROPICALISTAS – Nem toda loucura é genial.

Em 1967, um artista começava a se tornar unanimidade nacional, como definiu à época Millôr Fernandes. O jeito tímido, o ar de genro ideal e os caprichados sambas tradicionais diferenciavam Chico Buarque da turma que pretendia revolucionar a música brasileira: a Tropicália.

Por isso, passou a ser tachado de antiquado pelo movimento. Em resposta aos tropicalistas, Chico escreveu um artigo no jornal Última Hora sob o título “Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha”.
E muitos viram em “Essa Moça Tá Diferente” o contra golpe mortal. Na canção, a personagem anseia se modernizar a qualquer custo, desdenha de tudo que pareça velho, mas “samba escondida, que é pra ninguém reparar”.




Chico Buarque - cantando Essa Moça tá Diferente

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ERNESTO – VS. – ADONIRAN – Se não tem mancada, não tem samba, Arnesto.

Ele ficou com a fama de quem convida para o samba em sua própria casa e, apesar disso, não comparece. Não há quem desconheça a história, embora sua identidade tenha sido preservada pelo inconfundível sotaque italianado de Adoniran Barbosa.
Em sua defesa, Ernesto Paulelli – ou Arnesto – garante que nunca convidou ninguém para samba algum. Tornou-se amigo de Adoniran em 1939. O Sambista prometeu que lhe faria um samba, pois havia gostado da sonoridade do nome. Anos depois, a novidade corria as emissoras de rádio: O Arnesto nos convidou / prum samba ele mora no Brás / Nóis fumo e não encontrêmo ninguém.

“Olha lá, mulher, esta música é pra mim!”
Ao encontrar o compositor, agradeceu a homenagem, mas comentou que já estava meio cansado de tanto ouvir piadinhas. Adoniran justificou: “Se não tem mancada, não tem samba, Arnesto”.




Adoniran Barbosa - Cantando Samba do Arnesto

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O Que Será que Aconteceu com essas Meninas?

Vendo Xuxa que daqui a pouco chega aos 50 anos insistindo em fazer um programa infanto juvenil e o clone as avessas, uma criança de uns 5 anos, Maisa tentando ser adulta antes do tempo e a todo custo com palavras, frases e poses ensaiadas, tal qual o protótipo anterior, ocupar um espaço que na verdade é o Não Espaço e Negação do Tempo, onde ambas aparecem como super dotadas “de qualquer coisa” a primeira por parecer eternamente criança e a segunda por parecer eternamente adulta, ambas fora dos seus tempos e espaços.

É de se imaginar o que estas televisões estão fazendo não só com as cabeças dos que assistem, mas também com a cabeça dessas pessoas que encabeçam estes programas malucos e sem sentidos.

Shirley Temple, garota “prodígio” dos anos 50 que emocionou a América, amargou pro resto de sua vida o anonimato, Xuxa que apareceu primeiramente como ninfeta pré-fabricada emplacou durante bastante tempo programas infantis, e infanto juvenil, com uma alta carga de erotização. Agora vem Maisa retomando esta linha com avassaladora carga de conceitos estereotipados em programa que bate records de assistência.

É o circo onde pessoas são colocadas como animais raros para “apreciação” pública, e vender produtos, e para demonstrar a comédia ou miséria humana enquanto dura seu “reinado”.

O que será que aconteceu com essas meninas, quando eram pequenos seres humanos?
Sim porque nenhuma delas deve ter desfrutado de suas infâncias. O que será que foi feito com estas cabecinhas, por seus pais, ou seus exploradores comerciais?

É amedrontador notar neste vídeo com a pequena Maisa, seu desnorteamento... causado por terceiros. Crianças superdotadas e com alto grau de inteligência poderiam ter um destino muito mais interessante pra elas mesmas pra quando chegassem a idade adulta.

Deixo pra vocês observarem... com suas próprias conclusões.