domingo, 7 de setembro de 2008

Livro - No Tom da Canção Cearense - Wagner Castro


MÚSICA E POLÍTICA EM WAGNER CASTRO

Apresentação do Livro – NO TOM DA CANÇÃO CEARENSE - Do Rádio e Tv, dos Lares e Bares na Era dos Festivais (1963 – 1979) - Wagner Castro - Fortaleza: Edições UFC, 2008
292p.:il.
ISBN: 978-85-7282-292-3

Professor Gilmar de Carvalho

Somos um povo que canta, mesmo quando não tem motivos para cantar. A música deve vir da palma dos coqueiros, onde cantava a jandaia do poema indianista. Do batuque das senzalas e das procissões das irmandades religiosas. Também do canto do trabalho das fiandeiras, dos colhedores de algodão, de coco e das barcarolas dos que vivem do mar.

Tudo pode vir a ser música: vento, ruídos urbanos, assobio de um fragmento de canção que ficou e o acorde plangente de um violão seresteiro.

Wagner Castro, historiador e músico, une rigor e criatividade numa pesquisa que precisava ser feita. Agora, temos o resultado do seu mestrado em livro. Foi orientado por um “peso-pesado” da cultura no Ceará: Dilmar Miranda.

Wagner sabe o que diz e o que faz. Só poderia mesmo dar em um livro que se lê com prazer, com uma certa nostalgia (pelo menos pelos que viveram esses momentos) e com a certeza de que a vida continua, a cultura tem sua dinâmica e não se pode retroceder (a não ser na ficção) ou fazer com que a História se repita, mesmo que em tom de farsa, como dizem que Marx disse.

O texto de Wagner segue o cânon da academia, mas flui, vigoroso e inquieto, como o tempo que ele estudou. Tempo de passeatas, de vida regurgitando nas ruas, de gente que pretendia transformar o mundo.

As utopias estavam vivas e eram levadas a sério. A Revolução era um apanágio de muitos, de quase todos. Claro que estamos falando da metáfora de “um dia”, estudado por Walnice Galvão, e não do golpe de 1964, que frustrou os sonhos igualitários de uma geração.

O texto de Wagner, impregnado por essa música, difusa ou contundente, ecoa as vozes do chamado “Pessoal do Ceará” e dialoga com grupos de teatro, manifestos literários, exercícios de “super-8” e experimentações no campo das artes plásticas que ganhavam espaço nos suplementos culturais.

É uma Fortaleza que não existe (terá existido um dia?) a não ser na memória, nos poucos vinis, nos mimeógrafos de uma geração de jovens poetas e nas palmas abafadas de um público que não disse a que veio.

Os festivais uniam política e Indústria Cultural. Vivíamos a mesma angústia levantada por José Ramos Tinhorão (em “A Província e o Naturalismo”) de sermos produtores sem fruidores. A música de qualidade se perdia no ar.
O bar do Anísio, o Balão Vermelho, as cantinas das faculdades, a quadra do CEU e o Teatro Universitário se tornaram pequenos demais para a necessidade de amplificação dos protestos e do que fazíamos naqueles tempos. Os festivais vieram como instância de difusão do que era feito aqui. “Aqui no Canto”, dizia o da Rádio Assunção.

Nossa relação com o disco vinha desde os tempos da Casa Edison, a partir dos primeiros anos do século XX, quando Mário Pinheiro (filho de cearense) gravou Raimundo (Cotoco) Ramos.

O aspecto, aparentemente competitivo, escondia que estávamos todos do mesmo lado: o da liberdade de expressão e da denúncia da violação dos direitos individuais. Instaurava-se uma longa noite de vinte e um anos. E agora?
Nós que queríamos mudar o mundo, agora precisávamos salvar nossa pele. Não poderíamos recuar, sob pena de nos sentirmos covardes. Mas, aonde nos levariam a tortura e a clandestinidade?

Cantar como exercício de liberdade? Por que não?
Houve em 68 na Europa e nos Estados Unidos, mas o nosso ecoou mais forte porque marcado pelo ímpeto de fazer calar uma geração. Viva Cláudio Pereira!
Estávamos nas ruas e, ainda hoje, o auditório da Reitoria da UFC homenageia um ditador que muitos chamavam de “presidente”.
Mas o livro de Wagner precisa ser lido ao som de Rodger, Ednardo, Petrúcio, Belchior, Tetty, Augusto Pontes, Fausto Nilo, Fagner, dentre outros.

Precisamos evocar Aderbal Júnior (depois Freire Filho), José Humberto, Olga Paiva, Nonato Freire, “Gritas” e “Grutas”.
Das cores e formas do pessoal da Casa de Raimundo Cela. Do SIN ao Saco, chegando ao Siriará.
Precisamos filtrar isso tudo e termos a consciência de que vaiamos e aplaudimos, jogamos pedras, muitos foram presos, outros foram mortos, mas a vida continuou e nos trouxe até esse ponto de podermos ver tudo isso, no plano da memória e no livro de Wagner Castro como uma das possíveis leituras feitas desse período tenso, rico, difícil de ser vivido. Esse doloroso rito de passagem de uma juventude para a idade adulta deixou seqüelas que estão vivas até hoje.

Mas o canto se eleva mais alto: “faz escuro, mas eu canto”. Tanta coisa passou, continua o ânimo de deixar marcas, aqui perdidas no éter ou arranhadas no vinil, cuja agulha rombuda insiste em fazer tocar. Já não somos mais jovens, mas estamos vivos. Talvez tenhamos deixado de ser atores para nos tornarmos personagens dessa crônica inquieta. Wagner sabe disso, vai nos cercando, dando conta da cena e fazendo emergir o grito primal por liberdade, ainda que tardia, de uma geração.

O palco improvisado aumenta a importância da performance. A corda do violão se rompe sob a tensão. A voz desafina. Mas os aplausos são fortes, para todos os que viveram esse momento de crise e para Wagner Castro que teve a sensibilidade de levar tudo isso para sua pesquisa que agora acaba em livro.

GILMAR DE CARVALHO

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu nome é Eliézer Rodrigues, jornalista, autor do blog singularevista.blogspot.com, e desejo entrar em contato com o Wagner Castro. Vc pode ajudar-me?
Abs
meu e-mail: erodrigues@terra.com.br