terça-feira, 11 de setembro de 2007

Música das nuvens e do chão



Pra completar esta trilogia de músicos: Hermeto Paschoal, Theo de Barros, Heraldo do Monte, que achamos geniais, Zeca Zines, reproduz recente artigo da jornalista Eleuda de Carvalho - Jornal O Povo - Coluna Periférica 11 / 09 / 2007 http://www.opovo.com.br/colunas/periferica/727717.html




Por ser albino, o pequeno Hermeto ficava enfiado em casa, espiando as réstias de luz pelo buraco da telha e escutando os sons que vinham de fora, era barulho de cabra, era pio de passarinho, eram as rodas do carro de boi, cantando na estrada.
Os pais e os outros manos de sol a sol colhendo a vida, do que a terra dava - lá em Lagoa da Canoa, município de Arapiraca.
A terra do fumo, nas Alagoas. Foi ali que o bruxo sem cor nasceu.
Cresceu, e foi embora, tocando um instrumento. Primeiro, a sanfona, tão querida dos sertanejos. E as flautas-pífanos. Violão. Harmônio. Piano. Queria mais. Hermeto Paschoal faz música com tudo.
Panela, chocalho, patinho de borracha, apitos de feira, atiradeira, o diabo a mil. Um dos seus melhores discos: Cérebro Magnético. O LP (não sei se já tem em CD) inclui composições como Música das Nuvens e do Chão, linda demais, suave, mágica. E tem uma, bem curtinha, Correu Tanto Que Sumiu. E a música é isso mesmo, uma coisinha apressada, aperreada que, de repente, chega ao fim. Legal demais!
Assim como Ilza na Feijoada e Spock na Escada, as duas de outro disco, esqueci o nome agora. Ilza foi a primeira esposa de Hermeto, uma mulata fornida, que deveria preparar feijoadas deliciosas. E Spock, um dos cachorros do artista. Entre volutas de pianola e uns sopros de flautim, o cachorro latindo na escada...
Certa vez, num festival de música no Crato, começo dos anos 90. No palco, Hermeto Paschoal em muito boa companhia. Além dos feras que trabalham com ele, o mago botou pra tocar junto, ali, na hora e sem frescura de ensaio, uma dupla de emboladores, visivelmente truviscados, e os incríveis Irmãos Aniceto, batendo caixa, os pifes sonorosos, a mão de agricultor percutindo firme e forte a pele tesa do zabumba, eles trocando os pés, no seu balé inimitável.
E Hermeto soprando uma chaleira velha cheia dágua, passeando pelo palco, seguido dos Anicetos e dos emboladores, aspergindo os que estavam na borda do palco com a água e o cuspe misturados no bico da chaleira. Eita, mundo bom! Eita, danado!

Eleuda de Carvalho

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