terça-feira, 21 de julho de 2009

A Memória Musical Cearense












Existem muitas formas de olharmos para a história da música cearense. É possível observarmos as trajetórias e produções de seus artistas, músicos, compositores, cantores, arranjadores, produtores culturais, etc. Este viés nos leva a uma análise micro-social e nos mergulha em uma diversidade riquíssima. O ângulo macro-social, por outro lado, permite perceber eventos que aparecem como marcadores, é como se fossem âncoras que nos levam a momentos que catalisam pensamentos, tendências, sonhos e se traduzem em unidade.

O Massafeira Livre que reuniu mais de uma centena de artistas nos dias 15,16, 17 e 18 de março de 1979 no Theatro José de Alencar certamente é um evento que figura em nossa história como um marco, assim como outros discos e eventos que merecem nossa atenção, por exemplo: “I Festival de Música Popular Aqui no Canto” - 1969, que gerou um disco de mesmo nome.


Este é o irmão mais velho com 40 anos de idade que já contava com a arte da capa do poeta e arquiteto Antônio José Soares Brandão, o mesmo que pintou o carneiro no cartaz de divulgação e disco do aniversariante 10 anos mais novo - o Massafeira.
Neste mesmo ano nasce um irmão gêmeo bi-vitelino, o “Soro”, um projeto coletivo iniciado em Fortaleza com Francis Vale e que agregou um grande número de artistas de vários lugares do Brasil sob o comando de Fagner.



O período 1969-1979 revela dez anos de intensa produção musical do Ceará para o Brasil e para o mundo. Alguns outros discos também nos servem de referência para compreendermos melhor esse período: o “Disco de bolso do Pasquim” editado pela revista histórica Pasquim que, em 1972, deu uma projeção muito maior para o nome de Fagner.

Pasquim era uma edição impressa produzida por jornalistas de esquerda que veiculavam as idéias consideradas de vanguarda naquele período. O objetivo era reunir um artista consagrado com um estreante, no primeiro número o “novato” era João Bosco ao lado de Tom Jobim e o segundo registrou de um lado Caetano Veloso cantando “A volta da Asa Branca” de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e do outro lado do compacto Fagner cantando sua parceria com Belchior, Mucuripe.

A boa recepção que Fagner obteve com Mucuripe chegou ao conhecimento de Elis Regina que gravou a música no mesmo ano pela Phonogram. O reconhecimento ao artista cearense rendeu-lhe um contrato com a gravadora Philips em 1972, quando foi convidado para registrar mais quatro músicas em um compacto: de um lado Fim do mundo, em parceria com Fausto Nilo, e Cavalo Ferro, em parceria com Ricardo Bezerra, do outro lado Quatro graus de latitude, em parceria com Dedé Evangelista, e Amém, amém, com letra e música de Fagner.

Ainda em 1972, Ednardo, Rodger e Téti gravam pela Continental o disco Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem, que tem como sub-título o nome que nos serve de referência para identificação desta geração de artistas: “Pessoal do Ceará”. Importante registrar que essa expressão não foi escolhida pelos próprios artistas, inclusive alguns preferem não utilizá-la, mas é recorrentemente evocada para identificá-los.

O fato de serem projetos coletivos não significa uma harmonia de acordes perfeitos, constituídos apenas por consonâncias. O sentido do trabalho em grupo é diametralmente oposto, pois se enriquece pela diversidade de pensamentos, posicionamentos, idéias que transbordam do mesmo caldeirão cultural. São releituras da antropofagia modernista de 1922. A harmonia musical cresce com a tensão dos acordes dissonantes, na variação dos timbres, na comunicação entre as diversas linguagens.

Hoje, continuamos em plena aprendizagem, ouvindo vozes diferentes que geram tensões que pedem o repouso da tonalidade modernista, mas os tempos pós-modernos já estão vibrando e anunciando que todos os timbres, ritmos, andamentos, percepções diversas de realidade podem e devem expressar suas melodias.

Relembremos esses marcadores de nossa história musical: I Festival de Música Popular Aqui no Canto, Massafeira Livre e Soro.

Pedro Rogério
Especial para O POVO
01 Mai 2009

PEDRO ROGÉRIO é Professor da Universidade Federal do Ceará. Pesquisador, cantor, compositor e radialista. Mestre e doutorando em Educação Brasileira pela UFC. Publicou o livro Pessoal do Ceará: habitus e campo musical na década de 1970

Imagem da capa do disco MASSAFEIRA lançado em outubro 1980

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