sexta-feira, 14 de maio de 2010

Homenagem a Cláudio Pereira



Zeca Zines presta uma justíssima homenagem, ao Cláudio Pereira, querido por todos os artistas e culturais cearenses das mais diversas áreas. Na década de 70 foi residir na Beira Mar vizinho ao Bar do Anísio, e sua casa sempre de portas abertas era frequentada por artistas como Ednardo, Fagner, Belchior, Rodger Rogério, Brandão, Teti, Augusto Pontes, (outro agitador cultural que também se foi no ano passado), jogadores de futebol, jornalistas.

Por ter o vital espírito agregador de juntar todas formas de culturas artísticas em momento muito difícil da política brasileira, Cláudio Pereira, foi perseguido pelo sistema militar vigente, foi preso diversas vezes, perdeu empregos, mas nunca perdeu seu bom humor e a forma muito especial de ver com esperança as pessoas e o mundo.



A cultura do Ceará perdeu dia 12 de maio de 2010 a energia e o espírito gregário de Cláudio Pereira. Produtor, gestor e principalmente "agitador" cultural, Cláudio prestou vasta contribuição a vários setores das artes cearenses. Sem nunca escrever um livro, pintar um quadro ou compor uma canção, Cláudio Roberto de Abreu Pereira prestou uma enorme contribuição à literatura, ao teatro, às artes visuais e à música do Ceará.

Agregador de artistas, incentivador de talentos, mentor e realizador de múltiplos projetos, o jornalista e produtor, que se despediu na madrugada de ontem, aos 66 anos, vítima de infecção generalizada, foi um dos nomes centrais para o cenário cultural cearense, da década de 60 à atualidade.

Um longo período, durante o qual Cláudio, nascido em Columinjuba, Maranguape, e conhecido pelas convicções políticas, atuou em diversas frentes: do Grupo Universitário de Teatro e Arte - Gruta, criado por ele na mobilização estudantil nos anos 60, à produção de eventos e às participações em programas de TV, em tempos mais recentes. Passando pela contribuição direta na gestão cultural, na Fundação de Cultura da Prefeitura de Fortaleza, que ajudou a fundar em 1985 e dirigiu ao longo da maior parte da década seguinte.

Estudante do Liceu do Ceará, onde já produzia jornais e articulava eventos de cultura, foi preso e torturado durante a ditadura militar, como registrou em entrevistas. Formado em Direito, trabalhou como jornalista, escrevendo para diversos veículos. Foi funcionário do Banco do Nordeste, cargo do qual, segundo relatos de amigos, se aposentou após o acidente, em 18 de novembro de 1973, que o deixou em uma cadeira de rodas.

"O Pereira era onipresente, tava em muitos lugares ao mesmo tempo. Em uma noite ia a cinco, seis eventos, mesmo de cadeira de rodas", recorda o compositor e ator Rodger Rogério. "Fazia as caravanas culturais nos anos 60, levando artistas de Fortaleza pra Sobral, pro Cariri, até pra Argentina, pro Chile... Ele já tinha página em jornal em 64, 65, por aí, e divulgava os artistas cearenses. Deu uma contribuição muito grande pra música, pro teatro, pras artes de uma maneira geral", desfia Rodger Rogério compositor do Pessoal do Ceará.

"O Cláudio foi o grande animador e a grande referência intelectual da nossa geração, junto com o Augusto Pontes. Eles não se afinavam, mas foram gurus de uma mesma geração", aponta Alano de Freitas, artista plástico e compositor. Uma missão que Pereira seguiu cumprindo, apesar das adversidades.

GILMAR DE CARVALHO - professor e escritor.

O grande legado do Cláudio foi a agitação, condição que ele levou às últimas consequências de estimular as pessoas e fazer com que elas criassem e interferissem no marasmo da cidade. Desde o final dos anos 80, esteve presente em quase todos os movimentos culturais. Sempre me impressionou sua vitalidade, sua energia e sua vontade de viver.

FRANCIS VALE - cineasta.

Fortaleza perdeu uma das pessoas mais importantes no campo da cultura nos últimos 40 anos. Lembro que nos anos 60, fundou o Grupo Universitário de Arte da UFC. Organizou, ainda nos anos 60, um importante Festival de Música. Ele implantava em Fortaleza as mesmas ideias de grupos como o "Opinião" e dos Centros Populares de Cultura. Outro grupo que Pereira fundou foi o Cactus, um grupo musical que trouxe à cena Nonato Luiz e Rodger Rogério.

AUTO FILHO - Secretário da Cultura do Estado.

Cláudio Pereira era um ativista do partido da cultura, foi diretor do MIS-CE, secretário da Cultura de Fortaleza e contribuiu para o desenvolvimento do setor. Soube usar, ocupar e viver a cidade, como poucos. A cultura cearense lamenta a sua morte.

DALWTON MOURA
Reporter do Diário do Nordeste

O "DOM QUIXOTE" DA CULTURA

A relação de Cláudio Pereira com os jornais nem sempre foi cordial, nos 12 anos em que ele dirigiu a Fundação Cultural de Fortaleza, até maio de 1998. As críticas à sua gestão, prolongada ao longo de vários mandatos, eram inúmeras.

Cláudio rebatia muitas, mas concordava com outras. Na verdade, Pereira sempre foi um agitador cultural. E nunca teve nem dinheiro, nem poder suficiente para levar à frente seus inúmeros projetos.

Mesmo assim, fez muito pela cultura de Fortaleza, também quando dirigiu a Funcet.
Sua demissão do órgão o deixou decepcionado. Cláudio não aceitou bem o fato. E saiu atirando.

Em entrevista ao Diário do Nordeste, deu uma velha e surrada desculpa: estaria saindo para tratar de problemas pessoais. Na verdade, Pereira estava sendo "fritado" pelo prefeito Juraci Magalhães.

Na mesma entrevista, Pereira revelou publicamente o câncer do então prefeito, notícia desmentida na ocasião pela assessoria do político, mas logo confirmada. Cláudio estava comovido durante o desenrolar da entrevista, realizada em seu gabinete na Funcet, em maio de 1998.

"Minha decisão vinha sendo amadurecida há meses, mas com a doença de Juraci - o prefeito tem câncer - resolvi recuar", disse. Na verdade, foi abandonado e seu processo de desgaste avançava a passos largos.

Acuado, deixou o cargo. Ressentido..Pereira foi, na verdade, um "Dom Quixote" da cultura. Bateu em várias portas, de chapéu na mão, em busca de verbas para tocar seus projetos. Moveu moinhos de vento. Foi chamado pejorativamente de "animador de quermesses". Até gostava. Pois, para ele, o mais importante era a cultura. Nunca escondeu o fato da falta de verbas e apoio para a área.

A comparação com o então secretário Paulo Linhares veio logo. Só que o governo Tasso Jereissati investiu mais no setor. E Juraci, não. Na verdade, debatiam-se, então, as políticas culturais postas em prática tanto pela Secult quanto pela Funcet.

Existia, de fato, uma política cultural no Estado? Ou apenas uma bem pensada estratégia de divulgação do Estado através da cultura? As discussões envolviam artistas, gestores e jornalistas e costumavam ser acirradas.

Cláudio Pereira, o "primo pobre", levantou várias bandeiras na periferia de Fortaleza, aproveitando festas como o Carnaval e o São João. Festas juninas e o pré-carnaval, hoje estruturados, devem muito ao seu trabalho. Instituiu ainda festivais de teatro e de vídeo e os prêmios Paurillo Barroso e Eduardo Campos. Todos criados por leis municipais.
Hoje, jogados para baixo do tapete.

Pereira sempre repetia uma frase nas suas inúmeras entrevistas. "É até um lugar comum - dizia - mas sem investimento em cultura e educação vamos permanecer no estágio de subdesenvolvimento em que nos encontramos".

Estágio em que, ainda hoje, continuamos, apesar de alguns avanços conseguidos nos últimos anos. Um debate que, tão comum naqueles anos, deveria ser retomado.

JOSÉ ANDERSON SANDES
Editor do Caderno 3 - Diário do Nordeste

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A SAIDEIRA FICA PRA DEPOIS
Jornal O POVO
Alinne Rodrigues

Era dia 12 de setembro. O ano, 1982. No Teatro do Ibeu, Gilmar de Carvalho se preparava para a estreia do seu O Dia em que vaiaram o Sol na Praça do Ferreira.

``Estas são as pessoas que escrevem ou escreveram a verdadeira história do Ceará, no que ela tem de mais autêntica``, dizia um personagem no palco, enquanto apresentava Zé Tatá, Siri e Cláudio Pereira, ``o aleijado que não se manca``.

No espetáculo, como na vida do jornalista, o que dava o tom era a fuleiragem. Ainda solteiro, em uma viagem de carro, sofreu um acidente entre Recife e João Pessoa. Foi desacreditado pelos médicos, mas, obstinado, conseguiu reabilitar parte dos movimentos e se locomover com a ajuda de uma cadeira de rodas.

Nunca perdeu o bom humor. ``Quando eu nasci, caiu o neofascismo na Itália, e, logo em seguida, caiu a Ditadura Vargas. Então, acho que nasci muito no astral da liberdade``, disse, oito anos depois daquela estreia, em entrevista ao O POVO.

Liberdade essa que Cláudio honrou, depois de uma vida de boemia, aos 65 anos, se foi sem pedir a saideira.

Filho de uma família imensa, a dos Abreus & seu sobrenome por parte de mãe &, ele não seguiu a tradição: teve 23 tios, 11 irmãos, mas nenhum filho.
O amor, no entanto, não lhe faltou. Casou-se, em 1979, com a professora Martine Kunz. "Eu tenho uma tese de que o amor é um coquetel que envolve o querer bem, depois o gostar, se sentir bem com a pessoa, respeitar, o companheirismo, e tem que ter tesão, porque, senão, não tem graça``. Foi assim com Martine até os últimos dias.

Nome-chave para a cultura cearense, Cláudio Pereira começou sua militância bem jovem, na década de 1960. Reunia os amigos do Liceu um deles, Fausto Nilo e colocava todo mundo para tocar. Organizava festivais por aqui com Fagner e outros tantos nomes ali ainda desconhecidos e depois dava de excursionar com todos os eles. Das viagens, veio o Pessoal do Ceará. A união não era somente artística. Com Fausto, ele fundou jornais e participou do movimento estudantil. "Fui preso várias vezes, fui muito torturado``, revelou na mesma entrevista.

Em 1985, quando começavam as primeiras conversas sobre a criação de uma secretaria de cultura, ele não acreditava. Era uma utopia. Naquele mesmo ano, acontecia a primeira eleição direta para prefeito pós-ditadura. Cláudio, de tão engajado, mantinha, na própria casa, um subcomitê. No entanto, seu candidato, Paes de Andrade, perdeu a disputa. Vencedora nas urnas, Maria Luíza Fontenele, primeira mulher eleita pelo Partido dos Trabalhadores para comandar uma capital de Estado, acabou convidando o jornalista para integrar sua equipe.

SUPERAÇÃO EM MOVIMENTO

Em sua "cadeira voadora", Cláudio Pereira espalhou pela Fortaleza, que cresceu e fez crescer, uma série de exemplos positivos, convidando a cidade a se experimentar de novas formas, superando limitações e obstáculos, desde os físicos aos ideológicos

Maria Luiza Fontenele especial para O POVO

Ao redigir este depoimento recebi várias ligações, todas de pessoas querendo dizer da sua dor, ressaltando, outrossim, a figura extraordinária de Cláudio Pereira, pela amizade, pela sensibilidade e acima de tudo, pela sua tenacidade em superar limites.

Cláudio, na sua juventude, marcou a história do Ceará junto aqueles que, na década de 1960, buscavam ``tomar os céus de assalto``. Ele era, sem dúvida, um contestador cheio de boemia, criatividade e irreverência. Dizem que, numa tentativa de invasão da Polícia ao Estoril (em busca de maconha) ele sugeriu: "Recebamos os policiais com palmas`` - ato que desarmou a caçada. Ao sofrer acidente que lhe deixou tetraplégico, fez da limitação a marca da superação. Ao atrair apoios, extravasou o seu espírito solidário. Não discriminava, acolhia, ousava.
Com esta roupagem abraçou a proposta de Presidente da Fundação de Cultura e Turismo da Administração Popular. Agigantou-se na tarefa de fazer de cada canto da Cidade um espaço para a arte, para a cultura e no esforço de amealhar recursos no sentido de assegurar projetos inusitados no âmbito da diversidade, como o de combate à discriminação aos portadores do vírus HIV, com a distribuição de preservativos, num tempo de pavor a aids.

De igual forma mostra a sua tenacidade ao transformar o local que, no período da ditadura fora dependência de tortura, na sede da Fundação Cultural com shows, espalhando sons pelos jardins do Paço Municipal. Cláudio era essa pessoa incansável quando o assunto era quebrar preconceitos, romper barreiras e garantir para todo artista um lugar ao sol.

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