Zeca Zines aplaude Flávio Paiva, artigo que merece ser lido.
O original publicado em 08/11/2007, está no jornal Diário do Nordeste
Flávio Paiva - http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=485503
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A evolução tecnológica produziu as redes de computadores, as plataformas de comunicação com a transmissão em tempo real, facilidades de gravação e difusão de músicas, filmes, textos, imagens e jogos, e a prática do remix em novos modelos de negócios com base digital.
A oferta de vias de acesso à informação aumenta a todo instante no mundo da tecnologia e com ela cresce a necessidade de conteúdos para que os nodos econômicos do sistema de transmissão e de armazenamento de dados e informações se tornem cada vez mais competitivos e lucrativos.
A despeito dos interesses meramente mercadológicos da teia digital tem havido um esforço muito grande das nações para ocupar espaços na rede mundial de computadores com suas versões sobre aspectos históricos, culturais e científicos.
A geopolítica mundial passa pela trama da visibilidade entre o regional e o global. Concomitantes a isso se espalham dentro do próprio sistema os movimentos de luta pelo software livre e em favor de uma globalização não hegemônica.
É inegável que experiências de construção coletiva do conhecimento, a exemplo da Wilipedia, são muito interessantes, mas insuficientes e sempre vulneráveis a quem tem mais poder de postar informações.
Na interseção entre os conjuntos que tratam do mercado digital, dos espaços de autonomia dos povos e da democratização do acesso à informação é natural que ainda haja muito a ser percebido, aprendido e compreendido.
A questão do Direito Autoral é um dos pontos críticos nessa zona de cruzamento de potências, especialmente no que diz respeito ao mercado digital.
Os autores, já tão espoliados pela indústria cultural tradicional, passam a ser alvos do poder econômico multinacional e sua capacidade de produzir vulgatas capazes de conduzir seus interesses pelo subtexto dos discursos em favor da humanidade e dos valores universais.
A produção de conteúdos passou a ser um bem muito valioso na nova economia.
É o pau-brasil, a cana-de-açúcar e o ouro da era das navegações virtuais.
Assim como ocorreu no período da conquista dos mares, nessa caça ao tesouro, a primeira regra de disputa é a da disseminação do senso de desapropriação dos legítimos donos das fecundas terras a serem espoliadas, o que, no caso, são os autores.
Um dos argumentos para isso é o de que os bens culturais não se acabam ao serem consumidos, além de serem uma contribuição à expansão da cultura.
Assim, e falsamente em nome da sociedade do conhecimento, espalham que a propriedade intelectual é fator de restrição ao acesso das pessoas às produções nos campos literário, artístico e científico.
A novidade do momento é o Creative Commons que em si não é um mal, mas, enquanto prega deliberadamente uma socialização do conhecimento serve de escada para as transnacionais do mercado digital.
O discurso libertário do CC está subordinado à dinâmica do mercado de computadores, softwares, telefones, motores de busca e provedores de acesso à Internet.
É uma invencionice da mania norte-americana de resumir o mundo a um grande mercado.
Sua função no sistema é fornecer instrumentos legais que permitam o uso ´não comercial´ de obras, como tentativa de neutralizar a ´pirataria´, de instigar à população a cobrar dos autores que liberem gratuitamente seus trabalhos em nome do bem-comum e, por trás de tudo isso, facilitar que o comércio de conteúdos funcione sem que as empresas do mercado digital precisem pagar os autores.
Em termos jurídicos, a ação do Creative Commons não altera em nada os fundamentos do Direito Autoral, estabelecidos em tratados e convenções internacionais, segundo os quais são livres as cópias sem fins lucrativos, citações, notícias de imprensa, divulgação dos fatos e outros usos de obras autorais.
Como derivativo da nova ordem, o CC faz uma elucubração sobre si mesmo para promover uma confusão entre essência, forma e meio de transmissão.
Não podemos esquecer que a essência é humana (o amor, a dor, o encantamento...), a forma é o jeito subjetivo como o indivíduo reelabora a essência (composição, pintura, escultura...) e o meio é a via de escoamento das informações (plataformas físicas e virtuais), que pode ser de caráter público ou privado.
Ao acender luzes sobre a suposta causa da democratização dos conteúdos o Creative Commons o faz de uma maneira que ofusca ao invés de iluminar.
Ao dificultar o discernimento com relação ao direito inalienável dos autores esse tipo de organização da era digital põe sobre si interrogações quanto ao seu propósito.
Nunca é bom para a sociedade que o discernimento esteja comprometido com a crise.
E a crise atual não é de instrumentos legais, mas de controle da pilhagem e dos seqüestros de conteúdos por parte das corporações multinacionais que dominam o sistema digital e a Internet.
A mudança que está no ar é apenas na remodelação do poder econômico.
A estratégia da venda direta é o mais novo movimento do mercado global.
Chegar ao consumidor eliminando atravessadores é um incomparável diferencial competitivo.
Tem sido comum que artistas disponibilizem músicas gratuitas pela Internet a fim de vender shows, ganhar com festas, publicidade e produtos licenciados.
Muitos artistas da cultura de massa estão migrando da relação de negócios com as grandes gravadoras para assinar com empresas de eventos.
Até o jabá, que é uma contravenção instituída pela indústria fonográfica para massificar produtos musicais, deixa de servir apenas para vender CD e DVD para promover performance.
Nesses casos, sim, surgem questões objetivas que requerem aprofundamento quanto à maneira de remunerar os autores que não se apresentam e muitas vezes o público sequer sabe que existem.
Teriam os intérpretes e os produtores de eventos que destinar um percentual de seus ganhos para pagar os autores? No caso dos mercados informais a solução que tem sido apontada é a da taxação da mídia virgem, como forma de arrecadação e distribuição dos direitos autorais.
Caminhos como esses exigem todo um processo de reorganização do sistema de representação dos autores para que funcione com mais transparência e eficácia, sem concentração exagerada de privilégios nem igualitarismo inspirado em deficiências.
Com a expansão do sistema digital e da comunicação em rede a questão autoral ganhou novas complexidades. Passou a envolver num mesmo circuito os autores profissionais e os amadores, os que são consagrados e aqueles anônimos que veiculam suas produções, sejam elas obras de valor artístico-cultural ou simples diários.
Estar na rede, contudo, não quer dizer ser ouvido, lido ou visto, mas é uma probabilidade.
Não é à toa que o maior varredor de conteúdos desse mercado se chama Google.
Essa palavra quer dizer a centésima potência do número dez; ou seja, dez com cem zeros no final. É um número enorme que, no entanto, no menu infinito da web, não tem diferença de qualquer outro. A diferença continua fora da rede, na cultura de massa, na cultura popular e no sistema educacional.
O que a economia do mercado digital está tentando mesmo é fazer uma migração do entendimento do Direito Autoral, do seu caráter estético, vinculado ao criador, para a função utilitária da obra, associada ao direito comercial.
O padrão europeu de proteção ao criador, adotado no Brasil, possibilita que o autor participe mais intensamente dos ganhos econômicos decorrentes da exploração comercial ou institucional da sua obra.
O que a nova economia está tentando nos impor é o modelo anglo-saxão, que privilegia o mercado, representado pelo direito de cópia (copyright), no qual o patrimônio do autor é assumido acintosamente pelas corporações.
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flaviopaiva@fortalnet.com.br
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