quarta-feira, 8 de agosto de 2007

A Pior Música do Mundo

Polemizando com o conhecido slogan que a Música Popular Brasileira é "A Melhor Música do Mundo", o colecionador e estudioso de música brasileira e internacional, Antonio Inácio Jr., envia outra colaboração de suas observações musicais, as quais Zeca Zines democráticamente publica na íntegra.

Em uma determinada tarde no início dos anos 90 estava assistindo ao extinto “Matéria Prima”, veiculado pela TVE, cujo apresentador era Serginho Groisman. O programa era leve e bem agradável até que, um dia, foram convidados, entre outros, o maestro Júlio Medaglia, a Banda Taffo (Wander Taffo) e o João Gordo. Não me lembro se foi antes ou depois da apresentação de Taffo que se abriu uma discussão sobre a qualidade do Rock brasileiro. O maestro, figura internacionalmente reconhecida e de grandes contribuições à música (clássica e popular) brasileira e detentor de um conhecimento musical ímpar falou do alto de sua importância que o rock que se fazia do Brasil era apenas “um rockinho”. Dali em diante o que se viu foi a mais lamentável falta de respeito ao mestre (como pessoa e como profissional) e a mais profunda incapacidade de argumentação dos outros convidados.
Foi uma chuva de agressões ao Júlio Medaglia com a conivência do Sérgio Groisman em um ambiente abertamente hostil ao maestro.

O João Gordo, que jamais acrescentou algo de útil à vida musical brasileira, principalmente quando se lembra que ele traiu de forma vergonhosa o movimento punk, praticamente falou que o maestro não entendia de rock ao mesmo tempo em que se dirigia a ele jocosamente chamando-o de “tio”. Tio? Se o maestro tivesse um sobrinho velho daquele (há época com aproximadamente 30 anos) possivelmente teria uma tratamento melhor de alguém que conhecesse música. O Wander Taffo, que até então estava calado, tomou a palavra e argumentou que não concordava com o maestro. Apesar dos argumentos do maestro lembrando seu convívio com Frank Zappa, entre outros grandes nomes do rock, ele não foi ouvido pela turba ignara ali presente.

A cada investida do João Gordo, mais inflamada ficava a platéia, formada basicamente de jovens com idade não muito superior a 20 anos, e mais hostil ao maestro era o clima. Passivamente, e ao meu ver sem responsabilidade, Sérgio Groisman comandava o programa sem solicitar aos presentes que, ao menos, respeitassem o Maestro. A única coisa que Sérgio fez de bom foi ler um fax que haviam enviado para o estúdio da TVE pedindo que se respeitasse o Júlio Medaglia.

O Júlio tinha razão. Já estávamos nos pobres anos 90 começo da derrocada da MPB e, principalmente, do Rock brasileiro.

Não há rock em lugar nenhum do mundo que não possua influência da música Britânica ou mesmo Norte-Americana. O rock brasileiro (bandas ou artistas solos) não é exceção e isto é normal. Contudo, cada artista dá seu “toque especial” como fizeram Rita Lee e Raul Seixas nos anos 70.

Das bandas nacionais dos anos 70, que sofreram influência profunda do rock progressivo inglês, talvez somente O Terço, durante a passagem do Flávio Venturini, é tenha incluído nas suas músicas elementos do cancioneiro popular brasileiro, como no disco “Criaturas da Noite” (vide “Queimada”, “Criaturas da Noite” e “Jogo das Pedras”); também no último e derradeiro disco com a participação do músico mineiro, “Casa Encantada”, há elementos da MPB como nas músicas “Foi quando eu vi aquela lua passar” e “Pássaros”. Nos demais casos as letras do rock brasileiro dos anos 70 foram fracas e, na maioria das vezes, muito “bixo-grilo”. A exceção foi A Barca do Sol cujas letras, em grande parte, eram do ótimo poeta Geraldo Carneiro e o Moto Perpétuo cuja maioria das letras em seu primeiro e único disco foram, quase todas, escritas por Guilherme Arantes em sua fase mais criativa.

Da mesma forma que o rock brasileiro dos anos 70 sofreu influência do Pink Floyd, Emerson, Lake & Palmer Yes, Gênesis, Gentle Giant, etc. o rock dos anos 80 sofreu grande influência de bandas como The Police, U2, The Smiths, The Clash, etc. Ambas as gerações sofreram influência dos Beatles e Rolling Stones.

A diferença é que o rock dos anos 80 foi mais fecundo em termos poéticos se comparado à geração anterior. As letras poderiam ir do romantismo escrachado do Cazuza ao teor denso da poesia do Renato Russo, e tudo isto com mais cara de Brasil do que na década anterior. Por isto eu acho o Rock brasileiro dos anos 80 melhor do que o que se fez no Brasil na década de 70.

Ocorre que, como no resto do mundo a partir no início dos anos 90, a música brasileira, em especial o rock nacional, entrou de vez na linha de produção pasteurizada das grandes gravadoras e nem de longe lembra o que se fez nos anos 70 ou 80. É uma hecatombe de mediocridade tão poderosa que as exceções são cada vez mais raras e desconhecidas do grande público. Portanto, claro que maestro Júlio Medaglia estava coberto de razão. O mais grave é que não se limitou à retórica de um tema isolado. O desrespeito ao maestro foi só a ponta do iceberg do entulho cultural que nos soterraria. Estamos vivendo a pior fase da musica brasileira de todos os tempos em que os espaços se fecham para os trabalhos espontâneos e verdadeiros que são relegados ao ostracismo quase que absoluto tirando do verdadeiro artista a sua condição de viver, sobreviver e criar. É democrático que haja na mídia, que nunca foi amiga de ninguém exceto do próprio bolso, espaço para toda e qualquer forma de manifestação. As pessoas tem o direito de escolher ouvir Tom Jobim ou Ivete Sangalo, desde que ele tenha acesso aos dois e decida o que quer ouvir. Na estrutura atual só esta cantora possui espaço.

Certa vez vi Júlio Medaglia afirmar que do jeito que a coisa está, estamos caminhando para a criação da pior música do mundo. Para o maestro, ouvir boa música em nosso país é um privilégio, atualmente, para poucos, em razão das condições socioeconômicas da população e das raras ocasiões nas quais esse gênero de atração é ofertada gratuitamente. E ele ainda provoca: “Música está em todo lugar. Entretanto, quanto mais música se faz pior fica, por isso não tenho rádio nos meus dois carros”. Por outro lado, como enfatiza o maestro Medaglia, vão proliferando os incentivos a trabalhos sem qualidade pelo Brasil.

Tome-se como exemplo a nefasta 14ª edição do Prêmio Multishow de Música Brasileira que profanou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 03 de julho de 2007.

Segundo os organizadores do evento, que por não temerem a Deus blasfemaram chamando o evento de “festa da música brasileira”, o Prêmio Multishow é a única premiação do país totalmente escolhida por voto popular, dos indicados aos vencedores. O público escolheu os “melhores” em dez categorias. Foram mais de 2 milhões de votos, afirmam.

Os eleitos foram:

Melhor Clipe: "Dor de verdade" - Marcelo D2
Melhor Show: Ivete Sangalo
Melhor DVD: CPM 22 - Ao vivo
Melhor CD: Multishow ao vivo - Ivete Sangalo no Maracanã
Prêmio Revelação: NX Zero
Melhor grupo: Capital Inicial
Melhor música: "Senhor do tempo" - Charlie Brown Jr.
Melhor instrumentista: Champignon (Revolucionários)
Melhor cantor: Rogério Flausino (Jota Quest)
Melhor cantora: Ana Carolina

A lista por si só é de arrepiar, mas a bizarrice continuou com Gilberto Gil assassinando o seu belo samba estilizado “Pela Internet” em uma horrorosa versão techno. A baiana Ivete Sangalo teve, ao lado do grupo Jota Quest, o maior número de indicações de 2007, quatro ao todo.

Deste quadro de horrores talvez a Ana Carolina, que particularmente não gosto do trabalho, seja a única representante de algo que um dia se chamou de Música Popular Brasileira, ou simplesmente MPB. Quando se diz que uma banda chinfrim chamada Charlie Brown Jr. fez a melhor música, uma tal de Rogério Flausino é o melhor cantor e Ivete Sangalo é musa acho que chegou a hora de mudarmos de sigla de MPB para MPV (Música Porcaria que Vende).

Pelo amor de Deus, será que o povo decididamente não ouve Zeca Baleiro, Fred Martins, Lampirônicos, Mestre Ambrósio, Wilson Simoninha, Ed Motta, Mandrágora, Dillo D’araújo, Cascabulho ou Marcus Rocha? Este último, jovem músico carioca, gravou um dos mais belos discos dos últimos 20 anos o “Juno” em que mistura música renascentista com rock progressivo com belas referências ao cancioneiro popular.

Duro parecer saudosista, mas não dá para deixar de fazer comparações com o que já se fez em termos de música neste país como que se faz hoje. Vejamos, por exemplo, os festivais musicais que existiram nos anos 60 e 70 e compare com os atuais eventos musicais públicos. Como disse, a mídia nunca foi amiga de ninguém, mas durante as citadas décadas as rádios, TVs e gravadoras tinham que se curvar diante da boa MPB. Todos ouviam Chico Buarque, Ednardo, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Taiguara, Sá & Guarabyra, Azimuth, Banda Black Rio, Novos Baianos, etc. E, no entanto, sempre existiram Benito di Paula, Fernando Mendes, Waldick Soriano, Reginaldo Rossi e outros tipos de artistas de menor importância cultural, mas de grande penetração nas classes mais populares. Pois é, em plena ditadura militar havia democracia musical, diferente de hoje em dia.

Voltemos às manifestações musicais coletivas a partir de um levantamento inserido no Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira.

Criado por Augusto Marzagão, o Festival Internacional da Canção (FIC) foi realizado em sete edições, de 1966 a 1972, no Maracanãzinho (RJ). O 1° FIC foi transmitido pela TV Rio e os demais pela TV Globo. O evento era dividido em duas fases, nacional e internacional. A canção classificada em 1º lugar na fase nacional representava o Brasil na fase internacional do festival, disputando com representantes de outros países o Prêmio Galo de Ouro (desenhado por Ziraldo e confeccionado pela joalheria H. Stern). Apenas duas canções brasileiras foram contempladas com o Galo de Ouro: "Sabiá" (Tom Jobim e Chico Buarque), interpretada por Cynara e Cybele, vencedora em 1968 do 3° FIC, e "Cantiga por Luciana" (Edmundo Souto e Paulinho Tapajós), interpretada por Evinha, vencedora em 1969 do 4° FIC. Erlon Chaves compôs o "Hino do FIC", tema de abertura do festival.

Veja, a seguir, o nível dos vencedores do FIC enquanto ele existiu:

1966 - I Festival Internacional da Canção
1º lugar: "Saveiros" (Dori Caymmi e Nélson Motta), com Nana Caymmi
2º lugar na fase internacional; 2º lugar: "O cavaleiro" (Tuca e Geraldo Vandré), com Tuca;
3º lugar: "Dia das rosas" (Luiz Bonfá e Maria HelenaToledo), com Maysa.

1967 - II Festival Internacional da Canção

1º lugar: "Margarida" (Gutemberg Guarabyra), com Gutemberg Guarabyra e o Grupo Manifesto
2º lugar: "Travessia" (Milton Nascimento e Fernando Brant), com Milton Nascimento, contemplado com o Prêmio de Melhor Intérprete;
3º lugar: "Carolina" (Chico Buarque), com Cynara e Cybele;
4º lugar: "Fuga e antifuga" (Edino Krieger e Vinicius de Moraes), com o Grupo 004 e As Meninas;
5º lugar: "São os do Norte que vêm" (Capiba e Ariano Suassuna), com Claudionor Germano.

1968 - III Festival Internacional da Canção

1º lugar: "Sabiá" (Tom Jobim e Chico Buarque), com Cynara e Cybele - 1º lugar na fase internacional;
2º lugar: "Pra não dizer que não falei de flores ou Caminhando" (Geraldo Vandré), com Geraldo Vandré;
3º lugar: "Andança" (Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós), com Beth Carvalho e os The Golden Boys;
4º lugar: "Passaralha" (Edino Krieger), com Grupo 004;
5º lugar: "Dia de vitória" (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle), com Marcos Valle.

1969 - IV Festival Internacional da Canção

1º lugar: "Cantiga por Luciana" (Edmundo Souto e Paulinho Tapajós), com Evinha - 1º lugar na fase internacional;
2º lugar: "Juliana" (Antonio Adolfo e Tibério Gaspar), com A Brasuca;
3º lugar: "Visão geral" (César Costa Filho, Ruy Maurity e Ronaldo Monteiro de Souza), com César Costa Filho e Grupo 004;
4º lugar: "Razão de paz pra não cantar" (Eduardo Laje e Alésio Barros), com Cláudia
5º lugar: "Minha Marisa" (Fred Falcão e Paulinho Tapajós).

1970 - V Festival Internacional da Canção

1º lugar: "BR-3" (Antonio Adolfo e Tibério Gaspar), com Tony Tornado e Trio Ternura -3º lugar na fase internacional;
2º lugar: "O amor é o meu país" (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza), com Ivan Lins;
3º lugar: "Encouraçado" (Sueli Costa e Tite de Lemos), com Fábio;
4º lugar: "Um abraço terno em você, viu mãe" (Luiz Gonzaga Júnior), com Luiz Gonzaga Júnior;
5º lugar: "Abolição 1860-1960" (Dom Salvador e Arnoldo Medeiros), com Luís Antônio, Mariá e o Conjunto Dom Salvador.

1971 - VI Festival Internacional da Canção

1º lugar: "Kyrie" (Paulinho Soares e Marcelo Silva), com Trio Ternura, 3º lugar na fase internacional;
2º lugar: "Karany Karanuê" (José de Assis e Diana Camargo), com Trio Ternura;
3º lugar: "Desacato" (Antonio Carlos e Jocafi), com Antonio Carlos e Jocafi;
4º lugar: "Canção pra senhora" (Sérgio Bittencourt), com O Grupo;
5º lugar: "João Amém" (W. Oliveira e Sérgio Mateus), com Sérgio Mateus.

1972 - VII Festival Internacional da Canção

1º lugar: "Fio Maravilha" (Jorge Ben), com Maria Alcina;
2º lugar: "Diálogo" (Baden Powell e Paulo César Pinheiro), com Tobias e Cláudia Regina.

Não menos importantes foram os festivais de música da TV Excelsior e TV Record de São Paulo e Abertura da TV Globo do Rio de Janeiro, confira a seguir:

FESTIVAL DA TV EXCELSIOR DE SÃO PAULO

1° Festival de Música Popular Brasileira (Guarujá/SP - Abril 1965)

1º Lugar: Arrastão (Edu Lobo e Vinicius de Moraes) - Intérprete: Elis Regina
2º Lugar: Valsa do Amor Que Não Vem (Baden Powell e Vinicius de Moraes) - Intérprete: Elizete Cardoso

Festival Nacional de Música Popular (junho 1966)

1º Lugar: Porta-Estandarte (Geraldo Vandré e Fernando Lona) - Intérpretes: Tuca e Airto Moreira
2º Lugar: Inaê (Vera Brasil e Maricene Costa) - Intérprete: Nilson

FESTIVAIS DA TV RECORD DE SÃO PAULO

2° Festival de Música Popular Brasileira (Teatro Record - setembro e outubro/1966) prêmio viola de ouro

1º Lugar: A Banda (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque e Nara Leão
Disparada (Geraldo Vandré e Teo de Barros) - Intérpretes: Jair Rodrigues, Trio Maraiá e Trio Novo
2º Lugar: De Amor ou Paz (Luís Carlos Paraná e Adauto Santos) - Intérprete: Elza Soares

3° Festival de Música Popular Brasileira "O Festival da Virada" (Teatro Paramount - outubro/1967) Prêmio Sabiá de Ouro

1º Lugar: Ponteio (Edu Lobo e Capinam) - Intérpretes: Edu Lobo, Marília Medalha e Quarteto Novo
2º Lugar: Domingo no Parque (Gilberto Gil) - Intérpretes: Gilberto Gil e Os Mutantes
3º Lugar: Roda Viva (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque e MPB-4
4º Lugar: Alegria, Alegria (Caetano Veloso) - Intérpretes: Caetano Veloso e Beat Boys

4° Festival de Música Popular Brasileira (Teatro Record - novembro e dezembro/1968) com Júri Especial e Júri Popular

1º Lugar (Júri Especial) e 5º lugar (Júri Popular): São, São Paulo Meu Amor (Tom Zé) - Intérprete: Tom Zé
1º Lugar (Júri Popular): Benvinda (Chico Buarque) - Intérprete: Chico Buarque
2º Lugar (Júri Especial) e 2º Lugar (Júri Popular): Memórias de Marta Saré (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) - Intérpretes: Edu Lobo e Marília Medalha
3º Lugar (Júri Especial): Divino Maravilhoso (Caetano Veloso e Gilberto Gil) - Intérprete: Gal Costa
4º Lugar (Júri Especial): Dois Mil e Um (Rita Lee e Tom Zé) - Intérprete: Os Mutantes

5° Festival de Música Popular Brasileira
(Teatro Record - Novembro/1969)

1º Lugar: Sinal Fechado (Paulinho da Viola) - Intérprete: Paulinho da Viola2º Lugar: Clarisse (Eneida e João Magalhães) - Intérprete: Agnaldo Rayol

FESTIVAL ABERTURA (TV GLOBO - FEVEREIRO/1975)

1º Lugar: Como Um Ladrão (Carlinhos Vergueiro) - Intérprete: Carlinhos Vergueiro

Detalhe: Prêmio Melhor Trabalho de Pesquisa: Vou Danado Prá Catende (Alceu Valença) - Intérprete: Alceu Valença contando como participante Luiz Melodia com a música “Ébano”, se sua autoria

FESTIVAL DE MPB (TV Tupi/1979)

1º Lugar: Quem me Levará Sou Eu (Manduka e Dominguinhos) - intérprete: Fagner
2º Lugar: Canalha (Walter Franco) - Intérprete: Walter Franco
3º Lugar: Bandolins (Oswaldo Montenegro) - Intérprete: Oswaldo Montenegro

Analise e compare a qualidade dos artistas e compositores ovacionados no passado, aqui relacionados, com estes que hoje predominam soberanos em todos os meios de comunicação, distribuição e constantemente homenageados.

No passado um artista peregrinava pelas gravadoras para conseguir que alguma delas aceitasse patrocinar seu trabalho (os Beatles foram descartados por várias gravadoras) até convencer com o seu trabalho. Hoje é a gravadora que cria o artista (por assim chamar) e diz o que ele tem ou não que fazer. O importante é que se possa consumir sua música rapidamente e da forma mais descartável possível. Este era um sonho antigo das grandes gravadoras que foi acentuada pelo pavor da maldita pirataria. Para mim estas pessoas que hoje estão na moda e classificadas como “artistas” não são nada mais que vendedores de extrato de tomate em que só agrega valor se produzir em escala industrial e vender em grandes quantidades.

Há alguns anos li em uma matéria da Veja, que comentava o lançamento de um disco do Paulinho da Viola, que o sambista costumava levar um grande período de tempo entre uma gravação de um disco e outro porque ele só ia a um estúdio quando tinha algo para dizer. O Paulinho é um artista da música na sua forma mais completa de conceituação. Se ele ficar 10 anos sem gravar sempre será o Paulinho da Viola, uma instituição. Se a Ivete Sangalo, Charlie Brown Jr, J, Quest, duplas sertanejas, pagodeiros e cia. deixarem passar um ano inteiro sem lançar pelo menos um disco (linha de produção) em pouquíssimo tempo será esquecido. Isto não é arte nem aqui nem em Marte.

Como desgraça pouca é bobagem, me dói ver Caetano Veloso (marcando presença no macabro desfile do 14° Prêmio Multishow), entre outros de sua geração, desesperados para continuar na mídia e mostrar para a atual juventude como são moderninhos e amigos, quase irmãos, de todo este lixo musical que está por ai. Isto me faz lembrar uma frase na música “Caso Comum de Trânsito” do Belchior que diz: “você fica perdendo o sono, pretendendo ser o dono da palavra, ser a voz do que é novo e a vida, sempre nova, acontecendo de surpresa, caindo como pedra sobre o povo”. Nem tudo que é novo é bom ou sinônimo de evolução e progresso. O que hoje existe em termos musicais é um retrocesso jamais visto no Brasil e reconhecê-lo como “movimento” ou “nova MPB” (termo que me dá arrepios, pois a MPB nunca foi antiga ou nova e não possui limites temporais) é negar a história de um dos mais valiosos tesouros que possuímos e que mais nos referencia no exterior, a nossa Música Popular Brasileira em qualquer formato com que ela se manifeste, rock, samba, chorinho, erudita, toada, xaxado, baião, soul, jazz, côco, maracatu........

Eu não sei se Caetano gosta de negar sua biografia ou se realmente não a merece por tantas ações atuais a favor do que não presta, com raras exceções. Não parece o mesmo autor de “Um Índio” que há mais de trinta anos atrás já abordava a crise ambiental sem parecer “hiponga” ou “Bixo-Grilo”. De todas as coisas boas que os anos 60 e 70 deixaram de legado na MPB, Caetano certamente tem lugar de destaque. Por isto a minha dor.

E o mal avança com o lixo imperando, artistas importantes vendendo a alma ao Diabo e outros tantos fazendo infinitamente “releituras” de seus trabalhos porque não conseguem superar a si próprios. O quadro só não é mais desolador por que existe o catálogo da Biscoito Fino e da Kuarup, entre outros resistentes, que lutam para preservar a integridade da nossa cultura, pois o abismo está bem perto e estamos caminhando, como diria nosso grande maestro Júlio Medaglia, para a pior música do mundo.

Post enviado por Antonio Inácio Júnior

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Antônio,

É com satisfação que li o seu artigo intitulado "A Pior Música do Mundo".
Já cheguei às mesmas conclusões e concordo plenamente com as suas considerações muito lúcidas.
Vivemos um momento de nuvens acinzentadas na divulgação da MPB. Parece que está havendo uma inversão de valores. Rio bastante do que hoje é chamado de MPB.
Quem sabe reciclando esse lixo pode -se aproveitar algumas notas músicais?

Um abraço!

Jorge.