O Professor e Tributarista, Antonio Inácio dos Santos Júnior - Rio de Janeiro / RJ, enviou post que Zeca Zines transcreve na íntegra:
Certa vez Sean Lennon, filho do John Lennon, disse ao guitarrista Sérgio Dias que Os Mutantes haviam influenciado na carreira dele e perguntou quais eram as influências que eles tinham sofrido. A tal questionamento Sérgio respondeu de forma bastante simplista que foi ouvindo o pai dele que eles, Os Mutantes, traçaram sua carreira.
Os Mutantes são isto ai: pura e simplesmente não disseram que vieram a nada, ao contrário de muitos de sua geração que achavam que deveriam passar uma “mensagem”. Os Mutantes vieram para esculhambar, fazer rir e divertir ao som do rock tupiniquim mais psicodélico que se poderia criar neste lado de baixo do Equador. As letras de suas músicas possuem a estrutura poética de um adolescente de 12 anos, não mais. Raras são as canções que possuem algum lirismo como “Ando Meio desligado” e “Balada do Louco”, ou você acha que “Meu Refrigerador não Funciona”, “Vida de Cachorro” e “Todo Mundo Pastou”, só para ficar em três exemplos, possuem alguma poesia? Mas isto decididamente não importa, pois o rock’n roll, já em seu nascedouro, é para divertir e não para refletir, não obstante a sua importância do ponto de vista comportamental e como fator de integração racial em especial nos Estados Unidos das décadas de 50 e 60. Somente a partir do disco Revolver e, mais consistentemente, do Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles é que o rock começou a ter um conteúdo de maior reflexão, ficando sério demais na primeira metade da década de 70.
Voltando aos Mutantes, somente os iniciados em Rock Progressivo é que dão bola para os discos “A e o Z”, “Tudo Foi Feito Pelo Sol” e “Tudo Foi Feito Pelo Sol Ao Vivo”, que são bons, mas, fogem da proposta original do grupo e passaram a ficar muito parecido com as demais bandas da época e, ai, caiu no lugar comum; ficou sério. Não foi por acaso que a fase progressiva só durou três discos.
Quando se fala de Mutantes, o que vem à cabeça, invariavelmente, é a fase psicodélica que até hoje (e muito mais hoje em dia) vem deixando muita gente ao redor do mundo impressionado e influenciado. Ai eu me pergunto: impressionado porque? Influenciado com o que? A graça dos mutantes é exatamente não ter a pretensão de impressionar ou influenciar ninguém. Alias as bandas brasileiras de rock dos anos 70 não conseguiram influenciar (quase) ninguém, mesmo aquelas que possuíam um perfil mais arrojado a exemplo do Terço e Barca do Sol, a não ser que alguém considere os Novos Baianos como banda de rock
Música de influência é aquela criada por, entre outros, Chico Buarque, Caetano Veloso, Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Gilberto Gil, Ednardo, Belchior, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Cartola, Paulinho da Viola, Sérgio Sampaio, etc. A própria Rita Lee em sua fase com o Tutti Frutti é muito mais importante e influente do que quando era membro de Os Mutantes, tanto do ponto de vista musical quanto poético. Aliás, sempre tem um engraçadinho que gosta de dizer que Os Mutantes eram “Os Beatles” brasileiros, o que é fora de propósito. Mas se isto fosse verdade, a Rita Lee seria o George Harisson, pois a criatividade da cantora só despontou com força total a partir de sua carreira solo.
Tenho ouvido a música da Rita Lee desde a minha infância, mas para Os Mutantes só fui despertado na adolescência quando a banda já havia se desfeito há muitos anos, mas até a entrada na minha vida adulta nunca dei muita bola para a banda, pois, preferia muito mais O Terço. Bixo da Seda, Mótuo Perpétuo, Bacamarte, A Bolha, O Peso, Raul Seixas, etc. E assim se passaram os anos tendo Os Mutantes adormecidos em meu imaginário como mais uma coisa exótica e engraçada do que um marco na música popular brasileira apesar de ter comprado as primeiras edições em CD dos discos “Ando Meio Desligado” e “O Planeta dos Baurets”, assim que estes títulos foram disponibilizados no início da década de 90.
Nunca achei que Os Mutantes tivessem muita importância para a MPB ou mesmo para o Rock’n Roll. Mas algo me aconteceu em uma noite de sexta-feira no Circo Voador. Após esperar por mais de uma hora, entraram no palco Arnaldo, Sérgio, Dinho, Zélia e mais alguns outros ótimos músicos e o que se viu dali em diante foi o um espetáculo maravilhoso de virtuosidade, talento, energia e alegria em um delírio total e coletivo. Puro rock’n Roll de alta qualidade em sua mais profunda essência poderosamente calibrado com o que há de melhor na Música Popular Brasileira, e no meio de todo aquele “desbunde” me perguntei pela milionésima vez: Que importância Os Mutantes Tem?. Deste vez a pergunta veio acompanhado de resposta que foi: para isto ai, para encher a gente de alegria.
Antonio Inácio dos Santos Júnior
Tributarista e Professor Universitário
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6 comentários:
tratar com desprezo a fase progressiva do mutantes e dizer q não é uma banda influente foi jogar a introduçao do texto na privada...
Zeca Zines gosta dos Mutantes em suas diversas fases. Ao publicarmos este texto de autoria do Antonio Inácio Júnior, não entendemos que o mesmo tenha desprezado a fase progressiva dos mesmos. Na construção do texto ele cria uma área de tensão e termina por dizer no final que a importância que ele se indagava e procurava nos Mutantes durante muito tempo, é encontrada quando ele vai assistir show do grupo no Circo Voador.
Só gostaria de fazer uma correção histórica importantíssima: quem introduziu o conteúdo poético às letras do rock and roll foi BOB DYLAN, em meados de 1963-64. Tanto que a famosa "2ª fase" dos Beatles, quando eles passaram a escrever letras de maior conteúdo, foi confessadamente inspirada pelo próprio Bob Dylan. Tenho o vídeo do próprio John Lennon declarando isso, que eles ouviram Bob Dylan e se surpreenderam em como a música popular poderia ser um veículo para se dizer poesias e letras consistentes, com mensagens sociais, políticas e psicológicas, e resolveram fazer isso também.
É verdade Duda Silveira, tenho um livro sobre as canções de Bob Dylan onde nota-se claramente e principalmente nas letras de Lennon a influência de Dylan nesta fase dos Beatles
Duda Silveira fez uma interferência inteligente e oportuna. Contudo tenho esta interferência como um complemento ao meu texto e não como uma correção.
Na verdade eu trato da poesia no Rock do ponto de vista das bandas, e o Bob Dylan está na categoria de cantor, compositor e poeta sendo artista folk (fora do cenário rock’n roll) até o ano de 1965, quando gravou o disco “Bringing It All Back Home”, particularmente na música “Subterranean Homesick Blues”, e finalmente quando, no mesmo ano, assume seu lado elétrico e roqueiro com o disco “Highway 61 Revisited” e assustou e indignou os puristas da folk music com a escandalosamente maravilhosa “Like a Rolling Stone”.
O encontro com os Beatles ocorreu, se não me engano, em agosto de 1964. É totalmente verdade que a poesia de Bob Dylan influenciou a garotada de Liverpool, mas, veja que coisa interessante de que meu texto trata: eu disse que “Somente a partir do disco Revolver e, mais consistentemente, do Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles é que o rock começou a ter um conteúdo de maior reflexão”. O disco “Revolver” é de 1965, o mesmo ano em que Bob Dylan eletrificou a sua música e os Beatles incluíram poesia no seu Rock; basicamente um ano após o histórico encontro da trupe e não nos anos de 1963 e 1964 como informou o querido leitor, pois, nesta época, os Beatles eram tão-somente uma banda de rock que falava de namoros e coisas do gênero. No “Revolver” já constam letras mais profundas como “Nowhere Man” e “In My life”. Portanto, reafirmo que a poesia no Rock (e Bob Dylan não era cantor de Rock até então) foi incluída a partir de 1965 com o lançamento do disco “Revolver” e mais consistentemente no disco “Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band”.
Só uma correçãozinha. In My Life é uma música do disco Rubber Soul e não do Revolver. Mas isso não deixa de colaborar com essa idéia, de que do Rubber Soul passando pelo Revolver e chegando no Sgt. peppers, os Beatles foram aumentando o potencial poetico das letras.
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