Apresentação em São Paulo marca a reedição do antológico disco duplo coletivo "Massafeira", lançado em 1980; leia entrevista
Não devem faltar os versos "eu tenho a mão que aperreia, eu tenho sol e areia/ eu sou da América, sul da América, South America/ eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia, eu sou do Ceará", de "Terral", canção-manifesto do que em 1973 se denominou Pessoal do Ceará, grupo e disco centrados nas vozes de Ednardo, Rodger Rogério e Teti.
O show passará por clássicos da MPB, como "Mucuripe" (Belchior e Fagner, projetada em 1972 por Elis Regina e em 1975 por Roberto Carlos), "Beira-Mar" e "Ingazeiras" (1973, do Pessoal do Ceará), "Cavalo Ferro" (idem, mas também lançado no mesmo ano por Fagner), "A Palo Seco" (1974, de Belchior), "Artigo 26" e "Berro" (1976) e, claro, "Pavão Mysteriozo".
Sobre a identidade cearense, ele demarca uma ressalva: "Tenho orgulho da pertença, de ser brasileiro. Quando o pessoal nos coloca o carimbo de compositores cearenses, ou nordestinos, fica parecendo que a gente não é brasileiro, que a gente é de outro planeta".
Isso talvez diga respeito a tempos como os do Pessoal do Ceará e do "Massafeira", quando o isolamento de movimentações locais em relação ao eixo Rio-São Paulo era real. Hoje a distância geográfica existe, mas não é impeditiva - que o digam as versões piratas do disco de 1980 espalhadas pela internet, contendo inclusive a faixa interditada pela herdeira de Petrúcio Maia.
"Todos somos cidadãos do mundo, né?", observa Ednardo, cearense e não-cearense.
Somos, e "Massafeira", graças a um pessoal lá do Ceará, hoje pertence definitivamente ao mundo.
Pedro Alexandre Sanches, repórter especial iG Cultura 12/08/2011 16:14
Ednardo saiu do Ceará, mas o Ceará não saiu de Ednardo. Compositor e cantor do célebre cordel musical "Pavão Mysteriozo" (1974), ele mora no Rio e fará show neste sábado (dia 13) em São Paulo, no Sesc Belenzinho. O trabalho atual, no entanto, é uma homenagem emocionada e emocionante ao passado, ao presente e ao futuro da música popular cearense.
O show de sábado (já com ingressos esgotados) marca a reedição em CD do antológico - mas pouco conhecido - disco duplo coletivo "Massafeira", lançado originalmente em 1980. Marca, também, o advento do luxuoso livro histórico "Massafeira 30 Anos - Som-Imagem-Movimento-Gente", organizado por Ednardo e publicado por sua própria editora, Aura.
O show coletivo "Massafeira", apresentado em março de 1979 no Theatro José de Alencar, em Fortaleza, guarda semelhanças com o que foi o Clube da Esquina de 1972 para os mineiros, o movimento tropicalista de 1968 para os baianos, a Semana de Arte Moderna de 1922 para os paulistas ou o movimento poético Padaria Espiritual (convertido em música homônima por Ednardo, em 1976) para os cearenses do final do século 19.
Na Fortaleza de 1979 se reuniram, para um único evento plural, fazedores de música, cinema, artes plásticas, teatro, poesia, fotografia, artesanato etc. O show original foi assistido pela diretoria da então gravadora do artista, a CBS (hoje Sony), que gostou do que viu e decidiu produzir um disco com alguns dos cerca de 300 artistas reunidos no evento gerador. Foi um processo acidentado.
A gravação foi feita, com cerca de cem músicos transferidos para o Rio para as sessões. Constam entre as 24 canções do disco trabalhos de Ednardo, Belchior, Fagner, do poeta Patativa do Assaré e de dezenas de nomes que o resto do Brasil pouco conhece, como Brandão, Augusto Pontes, Teti, Rodger Rogério, Fausto Nilo, Clodo, Angela Linhares, Ricardo Bezerra, Rogério e Régis, Vicente Lopes, Lúcio Ricardo, Stélio Valle, Chico Pio, Ferreirinha, Graco, Caio Sílvio, Lopes, Wagner Costa, Sérgio Pinheiro, Alano de Freitas, Aninha, Mona Gadelha, Calé, Tania Cabral, Pachelli Jamacaru...
A música cearense era plural, e não era uníssona. Influente na época na CBS, Fagner capitaneou um segundo trabalho coletivo, o belíssimo "Soro" (Orós ao contrário), que foi gravado depois, mas lançado antes do "Massafeira".
"Soro", nunca reeditado em CD, saiu no final de 1979, com participações de Fagner, Belchior, Patativa do Assaré, Fausto Nilo, Núbia Lafayette, Geraldo Azevedo, Cirino, Nonato Luís, Abel Silva, Pedro Soler e o poeta Ferreira Gullar. "Massafeira", por conta de disputas internas dentro da gravadora, ficou engavetado por mais de um ano antes de ir às lojas.
"'Massafeira' era mais ousado, e teve respaldo popular gigantesco", compara hoje Ednardo. "O outro foi de proveta, feito dentro da gravadora." Ele conta no livro que conseguiu forçar o lançamento ao destinar ao disco coletivo parte da verba que seria destinada ao lançamento de seu disco solo daquele ano.
De certa forma, Ednardo repete hoje a façanha. Diz que o relançamento do álbum duplo, vendido avulso ou encartado no livro, foi viabilizado porque a produção do projeto comemorativo o bancou junto à Sony. "O disco estava esquecido nas gavetas da gravadora. Os caras não encontraram registros discográficos, nem de capa, nada. A gente teve que mandar tudo para eles", afirma. "O pessoal da direção artística é muito jovem, não tem noção do que aconteceu. Disseram que não sabiam que tinham essa preciosidade."
Na reedição atual falta uma faixa, "Frio da Serra", justamente a única de que Fagner participa, cantando ao lado de Ednardo. Não é culpa de Fagner. "É opção da viúva do compositor, Petrúcio Maia, que está movendo uma ação contra o rapaz e contra a gravadora, e desautoriza o lançamento de qualquer coisa de Petrúcio que tenha a voz de Fagner", explica Ednardo, hoje com 66 anos.
Para o show de sábado, "é impossível trazer todo mundo", como aponta Ednardo. Ele fará, então, um balanço do próprio trabalho e, por consequência, da alma cearense que sua garganta sempre vocalizou.
"Soro", nunca reeditado em CD, saiu no final de 1979, com participações de Fagner, Belchior, Patativa do Assaré, Fausto Nilo, Núbia Lafayette, Geraldo Azevedo, Cirino, Nonato Luís, Abel Silva, Pedro Soler e o poeta Ferreira Gullar. "Massafeira", por conta de disputas internas dentro da gravadora, ficou engavetado por mais de um ano antes de ir às lojas.
"'Massafeira' era mais ousado, e teve respaldo popular gigantesco", compara hoje Ednardo. "O outro foi de proveta, feito dentro da gravadora." Ele conta no livro que conseguiu forçar o lançamento ao destinar ao disco coletivo parte da verba que seria destinada ao lançamento de seu disco solo daquele ano.
De certa forma, Ednardo repete hoje a façanha. Diz que o relançamento do álbum duplo, vendido avulso ou encartado no livro, foi viabilizado porque a produção do projeto comemorativo o bancou junto à Sony. "O disco estava esquecido nas gavetas da gravadora. Os caras não encontraram registros discográficos, nem de capa, nada. A gente teve que mandar tudo para eles", afirma. "O pessoal da direção artística é muito jovem, não tem noção do que aconteceu. Disseram que não sabiam que tinham essa preciosidade."
Na reedição atual falta uma faixa, "Frio da Serra", justamente a única de que Fagner participa, cantando ao lado de Ednardo. Não é culpa de Fagner. "É opção da viúva do compositor, Petrúcio Maia, que está movendo uma ação contra o rapaz e contra a gravadora, e desautoriza o lançamento de qualquer coisa de Petrúcio que tenha a voz de Fagner", explica Ednardo, hoje com 66 anos.
Para o show de sábado, "é impossível trazer todo mundo", como aponta Ednardo. Ele fará, então, um balanço do próprio trabalho e, por consequência, da alma cearense que sua garganta sempre vocalizou.
Não devem faltar os versos "eu tenho a mão que aperreia, eu tenho sol e areia/ eu sou da América, sul da América, South America/ eu sou a nata do lixo, eu sou o luxo da aldeia, eu sou do Ceará", de "Terral", canção-manifesto do que em 1973 se denominou Pessoal do Ceará, grupo e disco centrados nas vozes de Ednardo, Rodger Rogério e Teti.
O show passará por clássicos da MPB, como "Mucuripe" (Belchior e Fagner, projetada em 1972 por Elis Regina e em 1975 por Roberto Carlos), "Beira-Mar" e "Ingazeiras" (1973, do Pessoal do Ceará), "Cavalo Ferro" (idem, mas também lançado no mesmo ano por Fagner), "A Palo Seco" (1974, de Belchior), "Artigo 26" e "Berro" (1976) e, claro, "Pavão Mysteriozo".
Sobre a identidade cearense, ele demarca uma ressalva: "Tenho orgulho da pertença, de ser brasileiro. Quando o pessoal nos coloca o carimbo de compositores cearenses, ou nordestinos, fica parecendo que a gente não é brasileiro, que a gente é de outro planeta".
Isso talvez diga respeito a tempos como os do Pessoal do Ceará e do "Massafeira", quando o isolamento de movimentações locais em relação ao eixo Rio-São Paulo era real. Hoje a distância geográfica existe, mas não é impeditiva - que o digam as versões piratas do disco de 1980 espalhadas pela internet, contendo inclusive a faixa interditada pela herdeira de Petrúcio Maia.
"Todos somos cidadãos do mundo, né?", observa Ednardo, cearense e não-cearense.
Somos, e "Massafeira", graças a um pessoal lá do Ceará, hoje pertence definitivamente ao mundo.
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