domingo, 17 de maio de 2009

Homenagem a Augusto Pontes


































O Blog Zeca Zines, faz Homenagem mais que merecida ao grande filósofo, poeta, autor, publicitário e agitador cultural da cena cultural e musical cearense e brasileira - Francisco Augusto Pontes.

Autor de mais de 200 letras, apenas umas 12 músicas onde contribuiu com suas letras e genialidade, são conhecidas do público ou gravadas, entre as quais: Carneiro e Água Grande em parceria com Ednardo; Lupiscínica em parceria com Petrúcio Maia; O Lago e A Mala em parceria com Rodger Rogério; Velho Demais e Sopa de Saudade e Palmito em parceria com Zeca Bahia; e outras inéditas com um dos fundadores da Tropicália, o baiano Piti que estava residindo em Fortaleza com o qual fez a parceria Caminho do Mar.
Também realizou parceria com os compositores do grupo piauiense residente em Brasília: Climério - Pelada; E Clésio - Folia ou Pressa; e existem outras com o Clodo e também O Mundo Mudar e Pancada do Mar em parceria com Rodger Rogério.

É conhecida a história que várias de suas frases e pensamentos geniais, foram utilizadas por muitos sem o devido reconhecimento de parceria tais como na música e letra de Mucuripe, onde consta apenas como de Fagner e Belchior; e também na letra e música de Apenas um Rapaz Latino Americano, onde consta apenas a autoria de Belchior - ambas sem citarem a parceria fundamental de Augusto Pontes, quando justamente estas frases poéticas - "Vida, Vento, Vela - Leva-me Daquí"; e Eu sou apenas um rapaz, latino americano, sem dinheiro no banco e sem parentes importantes" - foram fundamentos e esteios principais na construção destas duas músicas e letras, o LEIT-MOTIV.

Assim como estas situações, existem muitas outras.

Em homenagem a esta grande figura humana, Zeca Zines transcreve de forma condensada uma sequencia de matérias publicadas sobre Augusto Pontes, que nos deixou recentemente, para que muitos outros saibam sobre sua importância cultural tanto para o Ceará quanto para o Brasil.

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Paulo Linhares - Especial para o Jornal O POVO - 16 Maio 2009
Ex - Secretário de Cultura do Estado do Ceará que substituiu o então Secretário de Cultura - Augusto Pontes durante o período da gestão do Governador Ciro Gomes.


O RAPAZ LATINO AMERICANO


Augusto Pontes foi o melhor pensador contemporâneo do Ceará.
Numa época cheia de celebridades fúteis e fátuas, nada mais dúbio do que a concordância imposta a nós pela homenagem momentânea.
Principalmente aqueles que encontraram em vida uma concordância permanente com o público. Não é o caso de Augusto. O que caracterizou seu pensamento foi exatamente nunca ter se reconciliado candidamente com o mundo em que viveu.
Sua acidez, ironia e verve desconcertante o faziam um permanente desafiador de ideias feitas. Como na doutrina grega das paixões, que incluía a cólera entre as emoções agradáveis, mas situava a esperança e o medo entre os males, Augusto Pontes demolia o bom senso careta dominante no campo intelectual com uma cólera quase santa.
Em todos os momentos. Basta lembrar quando Augusto era professor da Universidade Nacional da Brasília e a burguesia estudantil, filha do poder, brincava de fazer revolução, numa assembleia estudantil.
Convidado a discursar, Augusto disse que a única coisa que eles, inconfessadamente, gostariam de reivindicar, era mais vagas no estacionamento da universidade.
A cólera de Augusto Pontes contra a ignorância bem situada era cheia de humor, e o tipo de riso atônito que provocava tentava realizar a sua reconciliação com o mundo.
Sim, mas se seu humor o ajudava a encontrar o seu lugar no mundo, não o levava a vender sua alma a ele. Era um pensamento que sempre provocava incômodo, pois jamais se reconciliava com o óbvio.
Se o seu gênio não combinava com o dos homens com o gosto acertado, ele não abandonava o sólido terreno do real. No pensamento de Augusto Pontes, a têmpera desconstrutivista se associava a uma curiosa objetividade cheia de detalhes.

O que nunca permitia que sua atitude intelectual o levasse a perder de vista a relação com o mundo e o estatuto real das coisas do mundo que ele atacava. Assim, as famosas “pontes para a comunicação” e as “pontes para a cultura”, fundamentos teóricos que ele divulgava em todo espaço público, colocavam seu pensamento longe da ideia de um indivíduo fechado.
Elas possibilitam afirmar que sem Augusto Pontes não existiria a atitude ousada e avisada que permitiu Ednardo, Belchior, Fagner, Rodger, Teti, etc., em seus melhores momentos, se transformassem em artistas muito maiores.

O texto da música Carneiro, imortalizada por Ednardo, é a mais perfeita tradução do campo cultural cearense: “Amanhã se der carneiro/vou mimbora daqui pro Rio de Janeiro. As coisas vem de lá... E vou voltar em vídeo tapes e revistas multicoloridas. Pra menina meio distraída repetir a minha voz: Que Deus salve todos nós e Deus salve todos vós”.

O impasse da vida artística digna num Estado pobre.
A centralização da indústria cultural sudestina.
A vontade humana, demasiadamente humana de conquistar plateias.
A súplica cearense por uma salvação tardia.
Tá tudo na letra Carneiro.

Com suas “Pontes para a comunicação”, Augusto nos ensinou a partir de sua cátedra real da Scala Publicidade, a melhor agência de propaganda que o Ceará já teve, que nossa propaganda poderia ter a nossa cara, sem ser piegas, autocomplacente, atrasada.

Augusto desafiou a caretice da nossa esquerdolatria ironizando as viúvas da ditadura, quando ninguém tinha coragem de fazê-lo.
Augusto desafiou a caretice universitária fazendo tremer os pilares das verdades bem conhecidas, onde quer que imponham os olhos.

Mas a crítica de Augusto nunca tomou partido em prol de uma irrascibilidade política desantenada com o mundo cearense.

Ele nunca acreditou no moralismo pequeno burguês udenista da pequena denúncia, e sempre incentivou o pensamento largo, ousado, apontando numa perspectiva capaz de nos salvar da miséria intelectual que nos livraria da miséria econômica.
Sua obsessão com a superação desta pobreza atávica intelectual e artística nunca o levou a usar nem a muleta do pauperismo, da tal cultura popular, nem a lógica coercitiva do pensamento acadêmico bem comportado.

Dizia sobre os primeiros que o mérito do cego não está no guia e para os outros criou um projeto de Escola de Comunicação - a Ecoa - que um dia será a grande base teórica para as mudanças que precisamos fazer nos cursos de comunicação.

Que Augusto tenha morrido pobre, sofrendo com os impasses duma cidade medíocre e bárbara, num dos períodos mais obscuros de sua vida urbana, só me leva a lembrar algumas frases de Hanna Arendt. “A história conhece muitos períodos de tempos sombrios, em que o âmbito público se obscureceu e o mundo se tornou tão dúbio que as pessoas deixaram de pedir qualquer coisa à política além de que mostre a devida consideração pelos seus interesses vitais e liberdade pessoal”.

Os grandes homens são raros, como as obras primas. O rapaz latino americano de sua famosa carta “sou apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso, sem parente importantes”.... se foi.

Mas seu pensamento vai fertilizar nossa terra, porque, parafraseando W. Benjamin, ele se manteve sempre como alguém que consegue ficar à tona num naufrágio, capaz de subir ao topo de um mastro que já desmorona.
E dali ele teve uma oportunidade de fazer sinais que nos levarão à salvação.
-
PAULO LINHARES também é publicitário e diretor de conteúdo e marketing da TV O POVO.


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AUGUSTO PONTES - O GURU AOS 70

Dalwton Moura
Diário do Nordeste - Caderno 3 - 2006


Jornalista, publicitário, compositor, ex-secretário de Cultura, Francisco Augusto Pontes chega hoje aos 70 anos.
Em entrevista ao Caderno 3, rememora passagens da infância na Fortaleza das lâmpadas pintadas de preto, em plena Segunda Guerra, dos tempos de universidade, da reunião dos que viriam a ser conhecidos como “Pessoal do Ceará”.
A publicidade na década de 70, a Massafeira Livre, os caminhos da cultura e os encontros e desencontros dos músicos cearenses - entre o sucesso nacional e o desconhecimento no próprio quintal - também entraram na prosa, bem-humorada e saborosa pelas tiradas características que fazem de Augusto um referencial para várias gerações.

Com a palavra, o guru:

Caderno 3 — Vai ter festa para essa data especial, ou você prefere ficar mais tranqüilo nessas ocasiões?

Augusto Pontes— Não, não vai ter festa não (risos)... É um dia normal. Às vezes o pessoal aparece, a gente se encontra. Mas não tem começo certo não...

— Fazendo 70 anos, que lembranças você tem da sua infância em Fortaleza? O que mais marcava na cidade, naquela época?

Augusto— Eu nasci na antiga Vila Maciel, perto da Serrinha, no caminho de Maranguape. Papai tinha lá um sítio. Acho que ainda deve ter o lugar, um nome tão simpático.
Mamãe veio pra cá, morar em Fortaleza. Sempre morei por aqui. Só morei aqui e, já bem depois, nos anos 70, por ali, em Brasília e em Teresina.
O que me lembro mais de Fortaleza naquele tempo é que a gente tinha que pintar de preto as lâmpadas incandescentes, do lado que dava para o mar, por causa do negócio da guerra.
Eu morava na praia, ali na Tenente Benévolo, e as casas usavam esse artifício. Todo mundo tinha que fazer isso.
Papai, muito habilidoso, gostava de fazer essas coisas. Lembro dos primeiros passeios na Praça do Ferreira e na Gentilândia, onde tinham os pontos de encontro, a turma do futebol. Tinha os times do Gentilândia, do Peñarol, o próprio Ceará ficava perto, o 24 de Maio, que a sede era na Marechal Deodoro. Do outro lado, o (estádio) Presidente Vargas.

— E os primeiros contatos com os livros, como se deram? Por influência da família?

Augusto— É, os primeiros contatos foram muito cedo, em casa, com meu pai, que me apresentou Machado de Assis, Monteiro Lobato, Humberto de Campos... Lembro de ter lido bastante no Seminário da Prainha, onde passei um ano só, mas também foi o suficiente.
Fiz o primário no 7 de Setembro e de lá fui pro Seminário. Passei só um ano, por incompatibilidade de gênios (risos)... Sempre fui muito à vontade, e com aquela disciplina não consegui continuar.
Mas valeu o ano que estudei lá, valeu pelo primário bem feito. Aí a gente não precisa estudar mais nunca, né? Você aprende a ler e a saber o que está lendo...

— E como foi que você descobriu a música?

Augusto— Nas serestas. Tinha muitas serestas naquele tempo, muitas. E o rádio também, os auditórios de rádio, que eu gostava de ir, a PRE-9, a Rádio Iracema... O rádio tinha um “cast” grande de cantores, músicos. As rádios tinham orquestra.
Tinha muito também as quermesses, e muitos regionais, muitos cantores. A música era muito presente na vida de Fortaleza. Tinha os trios, os grupos vocais que se formavam, os Vocalistas tropicais, Quatro Ases e um Coringa, Trio Nagô, Trio Jangadeiro, até o Trio Irakitan tinha um integrante cearense. Já os discos só vieram depois que o comércio, o “marketing” trouxe. O primeiro toca-disco em casa, lembro que foi muito tardiamente. Tinha mais era rádio, as novelas de rádio, como “Penumbra”, “Renúncia”, “O Direito de Nascer”, com trilha.

— Você trabalhou em rádio...

Augusto— É, depois do Seminário fui fazer técnica de contabilidade, e virei perito contador. Mas até hoje tenho dificuldade em fazer imposto de renda, como todo mundo (risos).
Mas eu trabalhei em rádio sim, muitos anos. Escrevia programas, fui diretor artístico da Uirapuru, da Dragão do Mar, trabalhei na Rádio Nacional de Brasília.
Por conta disso até eu fui fazer o curso de jornalismo, pra poder ter o direito de ser jornalista. Não engolia muito bem esse negócio de ser jornalista prático.

— E a publicidade, Augusto? Você trabalhou naquela que é considerada por muitos uma espécie de “época de ouro” da publicidade cearense, em que havia mais romantismo, mais charme na atividade. Era isso mesmo, ou há uma certa mitificação nisso?

Augusto— Acho que não. A década de 70 foi realmente a melhor época da publicidade aqui.
A Scala, a Mark, a Slogan, a Terraço, em todas as grandes agências eu trabalhei.
Lembro de trabalhar inclusive com o grande Gilmar de Carvalho, muito modesto, que a custo se tornou redator, porque achava que não era, apesar de ser gênio, de ser um grande escritor.

Agora, tinha mais romantismo na publicidade daquela época. Era muito mais intuitiva, muito mais artística. E tinha muitos casos curiosos também.

Lembro de um deles, em que mandaram retirar uns outdoors do óleo Pimentel, que diziam “Quem assina o que faz garante muito mais”. E o Moisés Pimentel era candidato nas eleições. O outdoor mostrava um carro de supermercado e uma lata. Era quase uma urna e um voto (risos).Tinha aqueles anúncios famosos do Bento Alves, do Macarrão Fortaleza, “Quando a comida é boa, ninguém quer largar”... Esse quase vai proibido também.

Outro, de TV, tinha uma cozinheira cantando: “É só uma pitada de sal nesse programa insosso”, e anunciando o sal Marissol. A TV queria proibir, porque mangava da própria TV. Ficaram chateados, reclamaram, e aí gentilmente, tiraram o anúncio.

Uma coisa tão inocente! Lembro que a Coelce, a Teleceará anunciavam muito nessa época.

Tinha também o sabão Pavão: ´Uma mão lava a outra com perfeição e as duas lavam tudo com Pavão´. Enfim, a publicidade era uma atividade muito romântica, era uma alegria fazer.

Eu fiz muitos textos, muitos jingles. Hoje, os publicitários se acham muito geniais.

Naquele tempo a gente saía pra beber, convivia mais.

Não sinto saudade do futuro

Caderno 3 — Não sei se isso veio a partir da publicidade, ou se foi o inverso, mas uma das suas maiores características é a facilidade para bolar “slogans”, títulos, frases. Como surgiu esse hábito?

Augusto Pontes — Eu atribuo essas coisas à proximidade com o povo, com a vida. Acho que não é nada especial meu não. Era uma característica não só minha, mas de muita gente. É uma coisa da nossa cultura.

— Mas frases clássicas como “Quando a mesa cresce, a cultura desaparece”, que se conta que você dizia quando juntava gente demais no Bar do Anísio, têm uma assinatura sua...

Augusto — É verdade... Nos coquetéis de lançamento de livro era “A cultura em álcool imersa, logo dissipa e dispersa” (risos). Essas frases sintetizam as coisas. "O sertanejo é antes de tudo um forte. Avalie no Rio Grande do Norte" (risos).

Agora, o pessoal inventa muita coisa e atribui a mim. Tem muita coisa que dizem que eu dizia, e eu nem pensei.

— E as frases usadas no meio musical, como “Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem”?

Augusto— Essa, que acabou dando título ao primeiro disco dos cearenses (o LP conhecido como “Pessoal do Ceará”, lançado em 1973 por Ednardo, Téti e Rodger Rogério), era de uma letra enorme que eu tinha, e que só musicaram algumas partes.

“Vida, vento, vela, leva-me daqui”, o final do “Mucuripe” (clássico de Fagner e Belchior). Tinha algumas frases que eram usadas pela turma, “Eu sou apenas um rapaz latino-americano”, na música do Belchior... Eu considero isso uma homenagem, não faz mal nenhum terem usado não.

Nunca pedi parceria por isso. São todos grandes amigos, é natural que um use uma frase ou outra.
Sempre digo que o plágio é um atestado de humildade.

Porque, se eu vou fazer uma canção, eu não consigo usar uma frase de outro. Agora, o nosso amigo Aldir Blanc fez uma música e chamou “Lupiscínica”, e não colocou “Lupiscínica 2”.

Aí é outra coisa. É chato, dói, porque ele inclusive grafou igualzinho. Aí fiquei chateado.

— O Rodger Rogério e o Petrúcio foram os primeiros parceiros?

Augusto— O meu primeiro parceiro foi o Rodger sim. Depois o Petrúcio. Com o Rodger fiz inicialmente “Mundo, mudar” e “A pancada do mar”. Acho que eu tinha uns 26 anos por ali. Ele entrou na universidade cedo, eu entrei tardiamente. Tinha ficado muito tempo sem estudar, abandonei ali no primeiro ano colegial. Depois voltei e fiz de tudo.— Que impulso te levou a ser compositor popular?

Augusto— Não teve nada assim... Eu achava bonitas aquelas músicas e queria fazer também. Tive a sorte de encontrar parceiros, e acho que levava jeito. Lembro de toda aquela música, do rádio, das quermesses, dos cantores.
Depois, a bossa nova foi uma grande influência pra gente. Fazer música passou a ser um interesse não só meu, mas de muita gente em Fortaleza.

— Chama a atenção a diferença de linguagem, o salto estético daquela geração. Se não eram propriamente um grupo, como muita gente faz questão de lembrar, vocês compartilhavam dessa intenção de fazer uma música diferente, moderna?

Augusto— Era, havia essa vontade. Isso vinha muito da literatura. Graciliano, Guimarães, Clarice Lispector, aquela invenção de palavras. Tanto que, como criadores de música, somos anteriores aos baianos.
Mas quando os baianos surgiram, aconteceram (fizeram sucesso), ficamos entusiasmados. Havia esse desejo de fugir daquela coisa mais antiga da canção popular. Um desejo de incluir outros sentimentos, cantar o amor, a terra e a vida misturados...

E fomos incentivados por muitas coisas, havia um movimento de criação em todo o Brasil, com o Cinema Novo, o teatro... Isso refletiu em toda a turma de cantores e compositores que se chegou entre a Universidade, a Praça do Ferreira, o TJA e o Bar do Anísio.

— Mas quando é que o ato de fazer música deixa de ser apenas essa criação mais descompromissada e passa a ser uma pretensão artística e profissional?

Augusto— Acho que desde muito cedo a gente tinha intenção. Tem a música, né: “Amanhã se der o carneiro, carneiro / Vou-me embora daqui pro Rio de Janeiro”.
Agora, quando todo mundo foi, em 74, por ali, essa parte é um pouco triste. Eu até me ausentei da composição, dei um recessozinho.
Porque tornou-se uma coisa mecânica, meio de vida. Aí tinha todos os ingredientes dos interesses.
Éramos uns 300, né, mas ficaram resolvendo as coisas só com uns três ou quatro. Aí não dava, né?
Três ou quatro eram os baianos, que agora são 300. É o contrário.

— Havia, então, muita desunião entre os integrantes do chamado “Pessoal”?

Augusto— Não sei se desunião, acho que nem hoje tem desunião não. O que houve com os cearenses foi que, antes deles ganharem dinheiro, brigaram. Brigaram, se separaram. Aí diminuiu da turma toda pra três rapazes.
Três rapazes não davam conta! Começa a pintar cachê, a vaidade de aparecer, uns se achando melhores que os outros. Qualquer canção, quando desponta, é muito bonita, toca mais que outra que ninguém conhece.
Isso é o que me salva um pouco, porque “Carneiro”, “Lupiscínica” nunca saem de moda.

— Você se ressente de não ser mais reconhecido pelo público, não ter sua obra mais visitada?

Augusto— Ao contrário: eu me acho mais conhecido do que mereço. Não me ressinto disso não. Acho que é isso mesmo. Acho que tá tudo bem, tá tudo certo.
Não tenho saudades do futuro. Fiz até uma brincadeira: digo que não tem presente, ou é passado ou é futuro.
Até na Secretaria de Cultura, usava esse eixo: passado, presente, futuro.

— Você recebeu muitas críticas na sua gestão na secretaria. Faz uma autocrítica, ou se sentiu perseguido?

Augusto— Ali, qualquer pessoa que se debruçar vai compreender. A secretaria era muito ligada a negócio de coquetel, beletrismo. Aí mudou: entrou a culinária, a música popular, o folclore, o artesanato.
Virou cultura mesmo, e a arte foi pro seu lugar de crítica da cultura.
Os meus amigos mais chegados ficaram decepcionados, um até me disse que eu desconheci os amigos. E eu explicava: “Você é meu amigo, mas não é amigo do secretário”.

Mas eu acho que valeu a pena meu sacrifício ali, minha dedicação. Eu não soube fazer direito, mas quem veio depois soube fazer.
Quando o Ciro (Gomes) me convidou, senti a responsabilidade: “Mas rapaz, secretário de cultura, eu nunca fui”. E ele: “E eu nunca fui prefeito”. Aí calou minha boca.
Eu era muito crítico, mas acho que me dei bem. Muitos compreenderam, elogiaram. Mas críticas tinha que haver, pelo rumo da cultura no País.

— E a Massafeira: seria possível algo semelhante hoje?

Augusto— A Massafeira foi um movimento que explodiu. Ninguém é autor dele. Todos participaram. Era uma explosão da vida. Era muita gente criando, muitas coisas lindas, uma vontade de fazer. Esse é outro papel que eu acho que deve caber a uma secretaria de cultura: não querer programar, e sim incentivar. Deixar que as pessoas programem. Dali saíram vários artistas, Lúcio Ricardo, Mona Gadelha, Stélio Valle, grandes nomes, mas que ficaram espremidos.

Como atualmente tem muitos intérpretes e instrumentistas incríveis no Ceará, mas a tendência é ficar só um fazendo sucesso. Agora, independente disso, com certeza poderia haver hoje em dia algo parecido com o que a Massafeira foi em 79. Só falta alguém coordenar, sem ser pra mostrar só as suas obras.
Daria pra fazer uma coisa forte nacionalmente, pra dar um sossegozinho aos baianos. Eles trabalham demais (risos).

— Pra completar, como é que você lida com esse título de “guru”? E o que o guru tem como objetivo, daqui por diante?

Augusto— Que guru, nada! Nunca ocupei esse lugar. Ao contrário: gurus são esses homens cultos do Ceará. Eu soube me aproximar deles. Mas nunca me achei guru.
Eu sempre tive foi tendência a ligar as pessoas, aproximar quem nem sonhava em se encontrar. Os amigos de hoje são os de sempre, o Rodger, o Francis (Vale, cineasta e produtor), o Fausto (Nilo, compositor), que é minha grande inveja. Eu queria ser o Fausto Nilo, quando eu crescer (risos).

Hoje, com 70 anos, moro com duas das minhas quatro filhas, e quero é viver mais. É muito bom estar vivo nesse momento, o País sendo feito, as pessoas reclamando, mas sem parar pra entender, né?
Se houver uma crise de sinceridade, aí melhora tudo. Imagina as pessoas confessando que não sabem fazer tudo, admitindo que precisam do outro. Olha que sonho! Antigamente era assim, e a gente fazia as coisas.

(DM)