Vou postar aqui uma mensagem recebida pela produtora do Show, Suzane Jales, responsável pelo Evento "Armazém de Todos os Sertões", enviada pelo Professor Francisco Reis (Teresina Piauí), ao assistir o Show de Ednardo e Músicos na noite do 23 de Agosto de 2008 em Teresina, a qual tomei conhecimento hoje.
Teve momento durante o show que choveu, mas o público não arredou o pé, e os meios de comunicações locais registram em suas resenhas e manchetes que EDNARDO ENCANTA MULTIDÃO DE FANS EM TERESINA, e ressalta: Mesmo embaixo de chuva, a multidão permaneceu prestigiando o cantor.
Nem a chuva fez com que o espetáculo proporcionado pelo grande cantor e compositor Ednardo, deixasse de brilhar. Uma noite que fez com que o palco montado ao lado do Espaço Saúde do Teresina Shopping ficasse pequeno para a multidão que foi prestigiar o cantor.
A platéia no momento da chuva usou cadeiras como guarda-chuva formando inusitada coreografia ao ritmo das músicas que Ednardo retribui com muita luz e sons.
Este fato nos leva através dos reflexos luminosos a foto que registra momento único em que o artista transmite por sua voz e mãos ao público de Teresina e nos leva a reflexões que o professor Francisco Reis que assistiu o espetáculo narra a seguir.
Francisco Reis
Fui poupado “do vexame de morrer tão moço” para viver a glória de prestigiar o magistral Ednardo, cantor e compositor cearense que encantou os presentes no “Armazém de todos os sertões”, último dia 23, com melodias que laurearam a história da música brasileira, especialmente da nordestina.
Diferentemente dessa contracultura massificadora, de bagulhos que estão a impregnar a mente dos incautos, a obra de artistas da linhagem de Ednardo resgata do limbo a poesia, a essência artística contida na verdadeira música regional e, acima de tudo, enche-nos de alento, dá-nos a sensação de que nem tudo está perdido.
A apresentação não poderia ter sido mais original. Diferentemente daquelas feitas em palanques gigantescos, que ficam em altura e distância consideráveis, separando o artista da platéia, o palco foi montado a poucos metros do chão e em tamanho suficiente para acomodar os músicos, mais nada. Resgatando a simplicidade de outrora, em que só havia espaço para a boa música, pois não existia coreografia de mulheres seminuas a balançar a bunda em movimentos libidinosos, os organizadores do evento penetraram fundo na alma dos apreciadores da boa música.
Houve empatia entre os músicos e seus admiradores. Ednardo entremeava suas melodias com declarações de afeto, de agradecimento e, principalmente, de respeito ao povo e às coisas do Piauí. Fazia questão de registrar que em muitas daquelas canções havia a participação de artistas piauienses, parceiros como Clodo, Climério e Clésio, pouco conhecidos por aqui.
Felizmente, ainda há muitas mentes lúcidas prontas para louvarem “o que bem merece”. Foi o que se viu naquele magnífico espetáculo, quando pessoas de todas as idades, em coro, acompanharam o artista nas interpretações de sucessos como “Pavão misterioso”, “Terral”, “Lagoa de aluá” e outros de sua lavra, que imortalizaram esse cearense da estirpe de conterrâneos como Belchior e Fagner, e do quilate de Geraldo Azevedo, João do Vale, Zé Ramalho, Alceu Valença e de tantos outros que fazem parte da constelação musical nordestina.
Precisamos de menestréis, de poetas que cantem a vida, a sua simplicidade sem pieguice, “porque cantar parece com não morrer, é igual a não se esquecer que a vida é que tem razão”. Estamos cheios de “lapadas na rachada”, de “créus”, de sertanejos medíocres, de forrozeiros de araque e de outras porcarias que a mídia nos enfia goela abaixo, compulsoriamente, todo santo dia.
Seguindo a filosofia do tropicalista piauiense Torquato Neto, está na hora de louvar “o que deve ser louvado”, de se resgatar a verdadeira cultura e de “deixar o resto de lado”, principalmente essa baixaria que azucrina nossos ouvidos e, impunemente, prostitui nossa juventude.
Análise realizada por José Anezio Fernandes do Vale Vitória / ES Graduando em Psicologia - Universidade Federal do Espírito Santo
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Estou escrevendo um artigo em que trabalharei a dimensão inventiva da obra de Ednardo, e meu texto constela basicamente sobre o que esta canção diz! Tentando resumir a coisa toda. Eu estou trabalhando um autor francês chamado Félix Guattari, que transita entre campos da política, da psicanálise, da filosofia, entre outras ciências humanas... A idéia básica desse autor é a de que a subjetividade não diz respeito, como tradicionalmente se pensa, a uma oposição à objetividade, nem é algo individual, colado a um indivíduo (eu tenho a minha, você tem a sua)... Ele diz que em nosso tempo, em nossa sociedade, o Capitalismo, assim como tira dos recursos minerais a matéria prima para a sua produção econômica, e gera lucros, também lucra usando nosso desejo como matéria prima de uma produção de subjetividade, em série...
Nós somos consumidores dessas subjetividades modelizadas, e que nos sujeitam...
A alternativa que Guattari e outros autores parceiros seus apontam pra isso, é uma tentativa de resistência ao poder do capital que não se resuma apenas à dimensão econômica e macropolítica, mas também à dimensão subjetiva, micropolítica, em que cabem as pequenas relações, relações de afeto...Quer dizer, se o Capital aprendeu que só na via econômica, ele não venceria, e que para sujeitar os povos e a Vida (com V maiúsculo), ele precisaria também atuar na via subjetiva, não adianta resistir e tentar fazer revolução apenas na via econômica...
Guattari propõe a luta também no campo micropolítico, e a revolução molecular, em que formas singulares de existência (que fujam à modalização praticada pela subjetividade capitalistica) possam disparar a quebra desse muro da subjetividade modelizada! Essas experiências singulares, esses processos de singularização, tanto podem ser recapturados pelo capital, quanto podem ter sucesso em minar a modelização subjetiva... Guattari denomina esses processos de singularização como Devires... E meu trabalho propõe justamente que a música brasileira é um território rico em Devires inventivos, em processos singulares de existência...
E aí inventei o Devir-Cantador (poderia ter outro nome, não sei), como forma de denominar essa forma Ednardiana (e não só dele) de incomodar ao Muro capitalistico da modelização subjetiva...
Desde Nietzsche, Spinoza, Bergson, até Jung, Foucault, Deleuze, Guattari, enfim, vários autores que me são caros, e também uns aos outros, o critério de valor de suas obras é a Vida (aquela com V maiúsculo)...
E no campo das artes isso também é evidente, porque as artes não estão desvinculadas da política, das grandes áreas do pensamento, muito menos da vida... Isso explica o porquê de a arte poder ser uma forma de singularidade tão eficiente...
No meu entender, a vida para essas sujeitos que citei acima tem tanto valor quanto para artistas como Ednardo... Sua obra pulsa, a todo momento, em torno da valorização e da emancipação da vida... E quero mostrar como Ednardo é um exemplo (entre tantos) daquilo que Guattari visualizou e clamou...
Porque eu disse tudo isso?
Porque Alfa Beta Ação pra mim é um dos momentos em que isso está mais evidente DECLARADO... Acho que em toda a sua obra isso é imanente, é pragmaticamente efetivado, posto em prática, mas Alfa Beta Ação é a canção em que ele melhor proclama esse compromisso com a Vida e com o rompimento das modelizações vigentes, ou pelo menos uma das melhores...
Aquele mestre ensina justamente aquilo Que não me interessa saber Esquece de dizer - meninos nossa sina é saber viver Impõe, implora, impera e vocifera É que ele tem a vara de condão Da transformação, da conformação, da educação, da revolução É que são tantos verbos de persuadir De sujeitar o sujeito a não existir É que são tantos objetos indiretos Condicionais do porvir } (bis)
Na hora do recreio Vamos todos soletrar bê-a-bá, bê-ipsilon - Baby Luz del Fuego, marginal Canção de amor, grito primal Namorar por trás do muro do vestibular Cruzar palavras, mocidade, inventos No passo da ema, a volta da jurema Peneiro ê, iê, iê } (bis)
Erguer a cabeça fora do pânico total Telegrafar aos amigos da geral PT saudações É bom que você não se torne um marionete falante De sexo, grafite e poesia Política, som atuante, meditação, anarquia Com a mesma filosofia de quem acha a vida pronta No fim do novo ABC há o clarão da Bomba Z } (bis)
Estrela e lua crescente Quero navegar inteiramente Pela tua geografia escrever colorido A palavra proibida Vida, vida, vida, vida, vida Vida, vida, vida, vida Vida, vida, vida,
Para mim, a apresentação da Vida como uma palavra proibida, diz respeito sim ao período de repressão não velada, a princípio, mas não somente... A repressão não é a única forma (nem a mais eficiente) que o poder vigente encontra para "sujeitar o sujeito a não existir"... Ao invés de apenas reprimir, ele encontra tantas formas, "tantos verbos de persuadir"... Persuadir é: ao invés de te proibir de fazer o que eu não quero que você faça, te fazer agir como eu quero que você aja... Isso é o que a produção de subjetividade capitalista faz com cada um de nós...
O campo da educação é apenas mais um entre tantos outros campos de modelização, no entanto é um campo privilegiado... A criança não nasce modelizada, é modelizada pela mídia, pela televisão, pela propaganda, pelo entretenimento, pela ESCOLA, enfim, pelos tantos verbos de persuadir... Então, para libertar a vida dessa modelização, ao invés de uma alfabetização, que tal uma alfa beta ação? Que tal "soletrar bê-a-bá, bê-ipsilon - Baby"? Que tal "Namorar por trás do muro do vestibular"? Que tal "Telegrafar aos amigos da geral"? Que tal dar um gosto à vida diferente do açúcar e do adoçante que nos é imposto, que nos persuadem a usarmos?
Escola não é lugar de soletrar esse Beabá que Ednardo propõe... O muro da escola não é lugar de namorar... Mas Ednardo subverte essas funções... O muro que é símbolo da falta de liberdade de fugir do sistema educacional imposto, Ednardo transforma em lugar do amor... ´É "Erguer a cabeça fora do pânico total"... Eis exemplos perfeitos do que não seria tão claro se ficasse apenas no campo teórico...
A modelização é a rigidez desses territórios existenciais... Com isso, quero dizer, escola é lugar de estudar, professor é lugar de poder, aluno é lugar de submissão, muro é lugar de impedir a locomoção, alfabeto é lugar de comunicação moldada, modelizada, aprendida...
A singularização é justamente a desterritorialização, a fuga desses territórios rígidos, e a reterritorialização em territórios mais inventivos, mais agradáveis à Vida (com V maiúsculo)... É fazer do muro (local da barreira que persuade) um local do amor... É fazer do papel de aluno (lugar da submissão), um papel de artista, de amigo, de criativo... É fazer do papel do professor (lugar da ordem, da lei que pune e persuade, lugar da verdade indiscutível), um papel de parceria, de troca, de respeito, de transigência... É fazer do alfabeto, que geralmente é território da comunicação formal, da formação de profissionais (educação entendida como formação de futuros operários), agora um território da troca de afetos, da carta ao amigo...
Aqui as pequenas coisas da vida, as relações micropolíticas, são fontes de prazer, de prazer de viver, de emancipação da Vida... O mestre esquece de dizer "meninos, nossa sina é saber viver"... O mestre esquece de dizer "Cantar parece com não morrer, é igual a não se esquecer que a vida é que tem razão", o mestre se esquece de dizer "está escrito no grande livro da sabedoria popular que primeiro se deve viver, que é pra depois poetar"...
O poetar, o cantar, em Está Escrito e em Enquanto Engoma a Calça, são nomes diferentes que Ednardo dá a um mesmo fazer, que é um fazer singularizante, aliado à vida... E Ednardo também questiona formas de resistência que acabam reforçando a modelização da subjetividade, por não se fazerem singularizantes...
"É bom que você não se torne um marionete falante De sexo, grafite e poesia Política, som atuante, meditação, anarquia Com a mesma filosofia de quem acha a vida pronta"
Todas essas coisas que seria bom que nós não nos tornássemos, só são problemas quando sexo, grafite, poesia, política, som atuante, meditação e anarquia são vivenciados como uma marionete falante, ou seja, agindo como se a vida fosse pronta...A idéia de singularização remete justamente ao que, em certo trecho da música, Ednardo se refere: INVENTOS...
Uma postura que podemos ter diante da vida, é achar a vida pronta. Outra, é achar que ela deve ser reinventada a cada momento... Que deve-se inventar novas formas de vivenciar os mesmos territórios (desterritorialização e reterritorialização)... Em outras palavras, querer a liberdade dessa persuasão do poder dominante (que não é sinônimo de presidência da república, é um poder que está por toda parte), mas lutar por essa liberdade com essa mesma filosofia de quem acha a vida pronta, é ter "a vara de condão da transformação, da conformação, da educação, da revolução"... E isso é se aliar, na tentativa de (se)-libertar, a estruturas modelizantes...
Ednardo diz: Devemos (não só na educação propriamente dita, mas em todos os campos que modelizam, que educam para os interesses do poder) resistir, e inventar novas formas de vida... Mas devemos fazer isso entendendo a vida não como algo pronto, como algo dinâmico, que se dá a cada momento... Devemos fazer isso como um artista que canta pra não se esquecer que a vida é que tem razão... Devemos lutar sem desembainhar nossas armas, armados de amor e coragem, assim como a rosa se arma do espinho... Devemos, ao invés de alfabetizar, alfa beta agir, devemos inventar um novo ABC... e no fim das contas, haverá o clarão da bomba Z!
A bomba Z é tod'essa legião Faminta de amor e pão Onde tudo já aconteceu E a explosão já se deu Quem nunca viu, nunca verá Quando eu falo pão eu quero dizer Tudo que alimentar a-a-ar A bomba Z é essa massa atônita Cercada no centro da praça Sonhando com o prometido Ousando só o permitido A bomba Z somos nós A última bomba da terra Crestando mais que mil sois A bomba Z somos nós
A Bomba Z é faminta de amor e pão, e pão diz respeito a tudo o que alimenta... A Padaria Espiritual e o Artigo 26 podem dizer um pouco quanto a isso que Ednardo chama de "Tudo o que alimenta"... O pão do espírito, o pão da subjetividade, dessa subjetividade coletiva, que geralmente é modelizada, mas pode ser subjetivada...A padaria espiritual chama de padeiro, justamente aquele que "poeteia" em Está Escrito e canta em Enquanto Engoma a Calça... A Bomba Z é essa Legião faminta de Vida, faminta de singularidades, faminta de resistência... A Bomba Z é essa multidão que sonha com o prometido, mas ousa só o permitido...
A forma como a parte sonora de A Bomba Z se desenvolve, pra passar pra "De Repente", é um exemplo musical de como se comporta uma bomba que está para explodir... Essa multidão que cresta mais que mil sóis é uma multidão de pequenas singularidades prestes a explodir, são resistências à modelização, acumulando energia, acumulando potencial de revolução, de revolução molecular, essa multidão é um trocadilho com a bomba H...
Mas me parece também que essa multidão é uma multidão sujeitada, uma bomba que não dá sinal de que vai explodir (Quem nunca viu, nunca verá)...No entanto, em "De Repente" ele fala de amor e de pão... o Repente é uma manifestação artística que pode ser indiscutivelmente considerada como o pão da padaria espiritual...O repente alimenta...
No entanto, em "De Repente" o nome, Ednardo surpreende... Pode-se tanto entender que ele está falando de algo, que é o repente, quanto que ele está falando de algo repentino... E é aqui que eu acho que ele resolve essa aparente contradição que eu falei a pouco..."Essa legião, onde tudo já aconteceu, e a explosão já se deu", é sinônimo de "Vida Pronta"... mas Ednardo já nos disse, em "Alfa Beta Ação", que não acha a vida pronta... Aqui, no entanto, ele diz que quem nunca viu, nunca verá...Mas repete e repete e repete que a bomba Z somos nós... e eis que, de repente, a bomba explode...
Me parece que, como diz uma música de Nando Reis que Cassia Eller gravou; Para Ednardo -"O desejo é o que torna o irreal possível"...É o desejo de viver dessa grande massa atônita, modelizada e cercada no centro da praça... A explosão da bomba Z não é uma explosão que destrói, é uma explosão que inventa, que desterritorializa pra reterritorializar...
É assim que o Devir-Cantador de Ednardo resiste a toda modelização da Vida: é "ousando mais que o permitido", é ousando fazer acontecer aquilo que, quem nunca tinha visto, nunca veria, se esse Devir-Cantador não estivesse disposto a minar as modelizações do poder vigente... Quando eu falo poder vigente, eu quero dizer tudo o que não alimentar... Eu quero dizer tudo o que modeliza, tudo o que nos transforma em produto da linha de produção da subjetividade capitalistica, ou de qualquer outra forma de produção que não emancipe a vida...
Resumindo, o Devir-Cantador é sinônimo de escrever colorido a palavra proibida: Vida!
Lembrando que A Bomba Z e De Repente São emendadas, e que Artigo 26 e Padaria Espiritual são do mesmo disco (Berro) e sobre o mesmo tema (a Padaria Espiritual)
Obs (1)- Publicação autorizado pelo Autor ao qual parabenizamos pelo excelente texto. Obs (2)-Postei em outro tópico um vídeo de Ednardo cantando Alfa Beta Ação durante Show em Minas Gerais, vou repetir aqui pra quem quizer dar uma olhada.
Ao Rádio Jornal Canal Zeca Zines aquí você pode escutar ou assistir vídeos postados na lista. Se desejar apenas ler sem audição das músicas basta parar a execução.
Neste espaço conversaremos sobre diversos assuntos. Música, Poesia, Literatura, Costumes, Cinema, Vídeo, Teatro, Revistas, Zines, História de Quadrinhos, Cenas Culturais, etc.
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Do planeta Terra em construção, no Universo em movimento.
Consciente da (im)perfeição humana, e da maravilhosa proximidade que todos temos com a força divina e terrena, existente em cada pessoa.